Wednesday, June 27, 2007

Europa

Sob o paradigma da globalização não nos resta outra alternativa senão olhar para nós, sem o sentimento de hiper identidade fundamentada na interpretação excessivamente positiva e glorificadora do nosso passado histórico que, como refere Eduardo Lourenço, se transforma numa “espécie de álibi inconsciente, de informação inscrita na nossa memória, própria para nos desmobilizar e fazer perder de vista a urgência vital dos povos que se pensam, de preferência, em termos de futuro.”

A atitude terá que ser outra, indo além das nossas seculares fronteiras, para aceitar como europeus responsáveis e de pleno direito os desafios que hoje se põe à Europa.

Porque apesar de como diz Fernando Pessoa “As nações todas são mistérios. Cada uma é todo o mundo a sós” nós, portugueses e Portugal integramos a “Ideia de Europa” defendida por George Steiner na sua excelente e lúcida conferência realizada na Holanda em 2004. Somos possuidores de uma História e de uma cultura baseada na liberdade e na diferença, que se transcende pela unidade na diversidade.

Por isso temos o direito e o dever de sonhar o futuro da Europa, tal como o apresenta o filósofo:

“ (…)Liberto de uma ideologia falida, o sonho pode, e deve, ser sonhado novamente. É porventura apenas na Europa que as fundações necessárias de literacia e o sentido de vulnerabilidade trágica da condition humaine poderiam construir-se como base. É entre os filhos de Atenas e de Jerusalém que poderíamos regressar à convicção de que “a vida não reflectida” não é efectivamente digna de ser vivida”.


Conforme prometido, aqui o texto!

Tuesday, June 26, 2007

incompreensões

Não estou no meu posto habitual. Mudei de máquina e não trouxe o caderno onde tenho o nome do utilizador. Vim, por isso, ao computador mais arcaico da casa para desabafar.
Aprendi com a vida a ser paciente. Às vezes as coisas que desenvolvemos com maior carinho e dedicação são incompreendidas e desfazem-se num ápice. Assim foi. Não me chocou, mais fiquei triste. Fiquei além a perceber o assassinato das minhas ideias. Ideias que pensei já estivessem adquiridas...
Mas já sei que muitas vezes assim acontece. Lembro-me do excelente slogan da extinta e saudosa X-FM e penso que faço parte de uma extensa minoria.
Prometo que amanhã reproduzo parte do meu texto, aquele que foi mal dito e por isso se tornou incompreensível. Hoje não posso fazê-lo pela simples razão de que me esqueci do nome do utilizador do meu novo PC.

Saturday, June 23, 2007

Quintas de Leitura

"Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta

uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre

e sonha com viagens na pele salgada das ondas.


Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão

das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;

mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,

porque o ar que respiras junto de mim é como um vento

a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces –


o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno

nos dias sem ninguém – longe de ti, o corpo não faz

senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta

as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto

espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.


Se me abraçares, não partas."


Maria do Rosário Pedreira em "O Canto do Vento nos Ciprestes"


Este foi o poema que nos juntou, ontem, para "olhar os sons e ouvir os gestos"(no dizer de Maria João Seixas) de Maria do Rosário Pedreira, no Teatro do Campo Alegre. Este poema entrou na minha vida pelas mãos de outra companheira de viagem e passou das minhas mãos para as de outra companheira, que iniciou a viagem muito mais tarde. Nada impede que nos encontremos no mesmo barco, bebendo a mesma brisa e discorrendo nas mesmas ondas.
Ontem o mar estava sereno mas intenso, arrastou e lavou todas as feridas, numa boa maré.

Thursday, June 21, 2007

Vestido de Verão


Isto é uma menina de vestido de verão, com vontade de dançar. Isto sou em em silêncio procurando assentar ideias. Mal estejam no sítio espero partilhá-las. Até lá.

pessoas boas

Os dias têm-me rodeado de pessoas e de personagens boas. Vêm ao meu encontro pela claridade de trilhos informais. Chegam em livros, filmes, visões, músicas e chegam pelos seus pés realmente reais também. São pessoas e personagens receptivas, invólucros abertos, não fazem juízos, não condicionam o destino pela vontade, não tem desejo e por isso não têm ciúme, sede de poder ou inveja. Qualquer tarefa rotineira é boa e viver pode apenas significar lavar pratos e ouvir, sendo essa uma vida plenamente realizada. Elas estão no meu caminho para me fazerem feliz e fazem-me entender a dimensão da generosidade. É tão significante que sejam reais como inventadas. Quando as leio vejo-as, torno-as reais, para me acompanharem neste percurso de desprendimento e disponibilidade.
Mas as fronteiras são ténues: desprendimento e egoísmo, modéstia e presunção são lados tão próximos quanto antagónicos da mesma verdade.

Saturday, June 16, 2007

viagens


As viagens. As viagens são entendidas como “tempos mortos” para a maioria dos mortais. Para mim estes “tempos mortos” são essenciais. O tempo de casa para o trabalho, do trabalho para casa, o tempo que passo em filas de trânsito, as esperas pelos miúdos, as esperas no médico. Preparo-me para as esperas e preencho-as às vezes com nada. E sabem-me bem.

Na quinta-feira, dia do nosso regresso, foi um dia de viagem. Preparámo-nos para isso. Era apenas isso que iríamos fazer: fechar malas, transportar malas, esperar, esperar em filas, iludir balanças, olhar, comentar, conversar, ler… e foi um dia profícuo. Qualquer coisa muda dentro de mim quando simplesmente estou nestes tempos de espera. Nesses momentos tudo está ordem e eu nessa ordem sucessiva e sucessória.

Thursday, June 14, 2007

aqui de novo


Atravessamos fronteiras. Como todas as fronteiras, linhas limite, ilusórias e convencionais. Atravessamos também as fronteiras da alma para nos encontrarmos do outro lado.
Foram cinco dias de verdadeiras férias. A minha cabeça esvaziou-se para se preencher de bem estar. Foi assim que eu estive bem, muito bem.
Imagem de uma magnífica conversa, aqui sobre trabalho em grupo, com a minha inesquecível companheira.

Sunday, June 10, 2007

O contamina (inteiro) em Manchester.


A Maria foi lá abaixo. Roubou-me o quarto. Temos sono mais cedo do que devíamos. Andámos muito hoje. Comemos pouco, comemos bem. Conversámos muito. A Maria está comigo nos meus últimos dias aqui e, amanhã, já só faltam três. Manchester ainda reserva aventuras. E eu mudei-me para o antigo quarto do Joe, não é Maria?

Saturday, June 09, 2007

Andrew "Passarinho"


Amanhã conto-vos. Agora, vou só deixá-lo assobiar na minha cabeça mais uns minutos, antes de dormir.

Thursday, June 07, 2007

paz


A paz. Tenho falado sobre a paz na sequência de um número da "Egoísta" editado particularmente para celebrar a paz. Diz um dos testemunhos, daqueles adultos que mantêm a positividade das crianças: paz é passear e ter companhia. Hoje o dia confluiu exactamente para essa definição. Uma óptima manhã de praia com uma óptima companhia. Às tantas dou por mim a perguntar: " Não te chateio de tanto conversar?" A resposta apaziguou a minha dúvida e a paz continuou. O silêncio da noite e a atmosfera parada nesta casa desarrumada. Hoje na minha pacífica cabeça passaram todos e estou certa que todos usufruem desta calma. Mas volto à definição, é muito bom ter companhia e por isso este idílio só faz sentido quando partilhado...na impossibilidade de te trazer a ti, a ti e a ti também, fica apenas este sentimento e uma fotografia de um passatempo de praia que me fez lembrar a minha mãe.

Tuesday, June 05, 2007

Sobre fotografia

A minha relação com a fotografia não é fácil, comentava-o à hora de almoço. Por isso quando cheguei a casa fui procurar um texto de Renato Roque, que li no seu blog e que divide a fotografia em três tipos:

· a “fotografia artística” - atributo traiçoeiro - que é olhada com desdém, pois na opinião do autor esta fotografia “esquece que as aspirações da fotografia artística à invenção formal, expressão individual e marca autoral são perpetuamente circunscritas, senão determinadas, por decisões de manufactura e produção ";
· a “outra fotografia”, que nem artística é e que parece corresponder - digo parece porque o autor não a define - à fotografia que o cidadão comum faz para registar as férias, os passeios, as festas, à fotografia industrial, comercial, etc.;
· a “fotografia ferramenta” ao serviço da arte – arte, leia-se artes plásticas - que para o autor parece ser a fotografia que realmente interessa, numa perspectiva artistica.

A fotografia que eu preciso de fazer talvez não seja nenhuma destas, embora também faça a "outra fotografia". Às vezes preciso de registar imagens que, para mim, tem significado ainda que às vezes puramente estético. Não me interessa tanto o resultado final, mas apenas o registo de uma forma, uma cor, ou uma forma , uma cor que tem a ver com uma cultura e que funcionam depois como modelos para construir outras coisas: arte, ou pretensão a ela, ou textos, ou conversas sobre, ou até a sua reprodução nas coisas excêntricas do quotidiano. É talvez uma fotografia ferramenta, mas para outras artes...e não para a arte da fotografia.

Andrew Bird, Armchair Apocrypha



Andrew Bird já anda por aí, em assobios, violinadas e piruetas há algum tempo e eu já pousei os ouvidos na música dele há uns anos também. Nunca lhe liguei imenso, mas nunca me passou ao lado. Faz parte daquele grupo novo cheio de talentos com os Arcade Fire, Final Fantasy e talvez até o Rufus Wainwright. Todos eles para se ouvir com a maior das atenções. São novos e sabem bastante de como nos encher os olhos de lágrimas, de nos dar vontade de saltar e de sorrir.
O novo álbum Armchair Apocrypha é mais forte que os outros. Não que os outros não o fossem (eram!), mas este é mais rock (será?). Talvez mais pretensioso, mais escuro. Não sei bem, talvez. Mais crescido?
Sexta, vou com o Andrea ao concerto. Quero perceber como funciona o álbum em palco. E tirar uma fotografias.
Entretanto ouçam o disco e vejam esta actuação ao vivo.

a casa

A casa está quente. Todos tem direito a ter uma casa. Todos deviam ter direito a ter uma casa bonita como a nossa. Mas será que todos acham a nossa casa bonita? Não. Todos deviam ter direito à beleza. Todos deveriam saber deixar-se tocar pela beleza. Ainda que saibamos que o conceito de beleza depende da cultura. Mas também sei, que independentemente da cultura, nem todos se deixam tocar pelo belo. A experiência do belo é a experiência mais próxima de Deus.

Monday, June 04, 2007

...

Pronto, quero ir embora. Quero ir para casa.

Saturday, June 02, 2007

falar

Porque é que as pessoas falam tanto?
A mim cada vez me apetece falar menos.

ainda os livros

Quando há quatro, cinco anos, cheguei a Barcelona no dia 23 de Abril, era o dia do livro. A cidade estava em festa. As pessoas andavam com os livros na mão, na rua havia livros, ofereciam-se livros. Com "A sombra do Vento" fiquei a conhecer o Cemitério dos Livros Esquecidos. Uma grande biblioteca, com um guardião Isaac. " Este é um lugar de mistério, Daniel, um santuário. Cada livro, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram e viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas páginas, o seu espírito cresce e torna-se forte. Há já muitos anos, quando o meu pai me trouxe pela primeira vez aqui, este lugar já era velho. Talvez tão velho como a própria cidade. Ninguém sabe de ciência certa desde quando existe, ou quem o criou. Dir-te-ei o que o meu pai me disse a mim. Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as portas, quando um livro se perde no esquecimento, os que conhecemos este lugar, os guardiães, asseguramo-nos de que chegue aqui. Neste lugar, os livros de que já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, vivem para sempre, esperando chegar um dia às mãos de um novo leitor, de um novo espírito. Na loja nós vendemo-los e compramo-los, mas na realidade os livros não têm dono. Cada livro que aqui vês foi o melhor amigo de alguém. Agora só nos têm a nós, Daniel. Achas que vais poder guardar este segredo?".
Quantos segredos somos capazes de guardar, quantos livros passam esquecidos no tempo - livros demasiado importantes para alguém, que às vezes temos a sorte de nos virem parar às mãos, ainda que não pela mão do pai desvendando o segredo do Cemitério dos Livros Esquecidos. Aqui os livros que não se lêem destróem-se, não pela força purificadora do fogo, mas pela mão impiedosa da sociedade de consumo.

A hora do desenho (parte 2)

A hora do desenho

Friday, June 01, 2007

os livros

“(…) – Esta cidade é bruxa, sabe, Daniel? Mete-se-nos na pele e rouba-nos a alma sem darmos por isso.

- Fala como a Rociíto, Fermím.

- Não se ria, que são as pessoas como ela que fazem deste mundo cão um sítio que vale a pena visitar.

- As putas?

- Não. Putas todos o somos, mais tarde ou mais cedo. Eu digo as pessoas de bom coração. E não olhe assim para mim. (…)”

“(…) Bea diz que a arte de ler está a morrer muito lentamente, que é um ritual íntimo, que o livro é um espelho e que só podemos encontrar nele o que já temos dentro, que ao ler aplicamos a mente e a alma, e que estes são bens cada dia mais escassos.(…)”

Mesmo em Barcelona, a cidade dos livros. Faço parte desses seres que começam a escassear, que adoram ler livros e se deixam levar para outros mundos, ainda que apenas aqueles mundos infinitos que temos dentro de nós sem o sabermos.

dois extractos de "A sombra do vento" de Carlos Ruíz Zafón