Saturday, September 10, 2005

Individualidade

“Por que é que essa vozinha obstinada dentro das nossas cabeças nos atormenta dessa maneira?” disse ele, olhando à volta da mesa. “ Não será por nos recordar que estamos vivos, a nossa mortalidade, as nossas almas individuais – a que, ao fim e ao cabo, temos demasiado medo de renunciar e no entanto são o nosso maior motivo de sofrimento? Mas não é muitas vezes a dor também uma forma privilegiada de tomarmos consciência do nosso próprio eu? É uma descoberta terrível a que fazemos em crianças ao verificarmos que somos parte separada do resto do mundo, que nada nem ninguém dói juntamente com a nossa boca escaldada ou joelhos esfolados, que as nossas dores e sofrimentos são só nossos. Mais terrível ainda é constatar, à medida que envelhecemos, que ninguém, por mais querido que seja, poderá alguma vez compreender-nos verdadeiramente. Os nossos eus fazem-nos terrivelmente infelizes, não acham? Lembram-se de Erínias?”
“As Fúrias”, disse Bunny, com os olhos baralhados e perdidos sobre a madeixa de cabelo.
“Exactamente. E como é que elas enlouqueciam as pessoas? Aumentavam o volume do monólogo interior, ampliavam as qualidades já presentes a um ponto excessivo, transformavam as pessoas nelas próprias a tal ponto que elas não aguentavam.”
Donna Tartt; A História Secreta; Dom Quixote

Religo este extracto, de um dos livros que leio actualmente, com o paradigma da individualidade, constante na pós-modernidade, versus individualismo, enquanto lado destrutivo da individualidade, e ainda com o texto “Vida Real Inventada”, publicado aqui em 7 de Setembro.

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