Saturday, August 30, 2008

Para sempre

Sempre. Ainda a propósito da transcrição de Óscar Wilde e de Sempre.

Embora não concorde, ou não remeta directamente a acepção do Sempre para o género, feminino ou masculino, o certo é que nós (aqui não sei se falo no nós mulheres) o Sempre é um mito, um paradigma, um objectivo e por isso também um motivo de sofrimento. O sempre estraga tudo. Quando pretendemos eternizar o momento num desejo de possuir a eternidade: do estado, do sentimento, do momento, hipotecamos a sua vivência real e completa, pela garantia efémera de uma promessa. De que vale o para sempre se referido ao futuro?
Referido ao passado, constata uma evidência; referido ao presente é, é imanente, está; referido ao futuro é um cheque em branco que ninguém deveria passar: não é bom para quem o passa, porque provavelmente estará a mentir, nem para quem o recebe, porque é uma mentira piedosa que pretende prender o outro garantindo um pretenso (in)certo futuro.
Mas é bonito ouvir dizer “Hoje, é para sempre.”.

Amanhã poderá não ser: mas hoje o presente é futuro! O presente tem assim uma dimensão infinita. Não um infinito cronológico, temporal, ou geométrico, mas um infinito físico medido em intensidade.

Lamparina



Era assim que se faziam as lamparinas na casa dos meus pais. A planta, não sei como se chama, dá uma flor, verde e carnuda que, depois de seca, desfolhada e embebida em azeite, serve de pavio para a chama. Usava-se para celebrar a estadia da Sagrada Família. A Sagrada Família ainda lá passa, as lamparinas é que já não são estas.

Tuesday, August 26, 2008

Sempre

" Sempre! Que palavra horrível! Faz-me arrepios ouvi-la. As mulheres é que gostam muito de a usar. Conseguem destruir um romance de amor quando procuram fazê-lo durar para sempre. Além disso, é também uma palavra sem sentido. A única diferença entre um capricho e uma paixão para toda a vida é que a paixão dura um pouco mais."
O retrato de Dorian Gray; Owscar Wild; Colecção Novis; Visão; pág.32

Praia do Forte de Paçô



Tenho algumas praias de eleição. Esta é uma delas. Há alguns anos que não ia lá. Reconheci-a igual e esplêndida na discrição, na quietude, na envolvência.
Chega-se de carro por um estradão entre campos de milho. Ao centro do areal está o forte, que lhe dá o ar insólito ao apresentar-se como marca humana ancestral, ao que se aliam alguns armazéns de barcos, bem conservados e alinhados. Na praia as rochas subdividem o espaço, criando recantos acolhedores e protegidos do vento. Também as rochas delimitam pequenas baías, onde as algas brincam com o mar e com os nossos corpos.
Apesar de ainda ser Agosto estavam apenas algumas, poucas dezenas, de pessoas. Por isso o silêncio povoado de mar sobrepunha-se a qualquer outro som.
Que se conserve assim por muitos anos.

Saturday, August 23, 2008

de férias com as mulheres

De férias... finalmente!
Para elas convoco grandes mulheres. Mulheres vivas, que vivem comigo no mesmo espaço e no mesmo tempo. Elas fazem-me muita falta.
Os homens são uns aldrabões. Ao dobrar da esquina apanhá-mo-los nas mais ingénuas mentiras...
tudo para nos impressionarem, para serem melhores e mais machos, coleccionadores de experiências únicas e supremas... a gente sabe e goza!
Desculpem os meus amigos, honrosas excepções a este estereótipo... eles sabem quem são!

Tuesday, August 19, 2008

Anémonas

Como os manjericos as anémonas são seres vivos que me cativam: sob as águas límpidas e frescas, estendem os seus tentáculos que ondeiam ao sabor da corrente. De cores vivas e múltiplas mostram esplendorosos interiores sem qualquer receio: chamam, cativam, hipnotizam. Sentido-se ameaçadas, dobram-se sobre si, enganam-nos com um aspecto exterior anódino: mecanismos biológicos de defesa.

Wednesday, August 13, 2008

mangericos

Este ano os meus pais mantêm quatro manjericos viçosos em pleno Agosto. A minha mãe compra quatro, um para cada filho, que usualmente trazemos para as nossas casas e deixamos morrer de calor, de sede, ou, quem sabe, apenas de falta de carinho. Este ano, nenhum de nós recolheu a dádiva e eles, alinhados em frente à janela da cozinha, do lado de fora, apresentam-se em toda a sua frescura.
Os manjericos são uma erva engraçada - quando lhes passamos a mão libertam um odor magnífico!
Transpus esta ideia para os humanos: de certo modo somos assim e é bom que assim sejamos. Tratados com carinho perante uma carícia libertamos todo o nosso "odor", ou seja, cultivados e tratados com muito amor, damos o nosso melhor.

Tuesday, August 12, 2008

björk @ swtmn 08


Vamos lá ver se a gente se entende: quem não foi ao Sudoeste ver a Björk é burro! Burro burro burro! Com as palavras esgotadas, convido-vos a ler aqui o que pensam outros e a espreitar nas minhas fotografias tiradas com os olhos embaciados.

Wednesday, August 06, 2008

Alexandra, Aleksandr Sokurov

Ainda a quente e sem grandes reflexões, como convém a este espaço, digo convicta e emocionalmente que gostei, mais do que gostei.
As coisas boas acontecem, ainda que esperadas, e a expectativa era grande. Galina Vishnevskaya ( que ligo a Rostropovich) é Mãe, Mulher e paradoxalmente, na acção exacta do filme, Avó - por isso Mãe e Mulher. Para mim também a Rússia, pátria, mãe e mulher que conciliadora transcreve um movimento irracional (metafórico) por entre um cenário real de retaguarda da frente de guerra, para ver o neto e nele entender o Homem e o Filho. É a Mãe de todos os homens que vagueia insólita no desconcertante campo de batalha. É a lucidez feita carne, que, evidenciando cansaço, se dá ao abandono nos braços do Homem. " O meu corpo está cansado, mas a minha alma quer viver mais". Mulher e Homem, Mãe e Filhos, Rússia e Tchetchénia, num abraço de ternura e desacerto, doçura e dureza, que nos abre a alma.
A Imagem na melhor senda dos mestres russos, Eisenstein ou Tarkovsky.
A música seguindo os passos dos grandes românticos russos.
" Cheiras a Homem", mas " Não te lavas! És forte e bonito, mas não respeitas o teu corpo" dito ao neto que no pico da virilidade a abraça ternamente e a penteia, lhe refaz a trança. "As mulheres são todas iguais" no dizer dele: as mulheres que se abraçam cúmplices à espera no momento da partida e só aí ganham cor ( o filme é todo sépia).
A Rússia é um mundo. A Rússia é Europa e Portugal também.

Sunday, August 03, 2008

O Leopardo

O livro é de casa dos meus pais. Fui buscá-lo para o emprestar a um amigo. Num intervalo de leituras programadas decidi lê-lo. Em boa hora. Um livro único em todas as acepções, porque também foi o único romance do autor, o Príncipe de Lampedusa.

Aqui o Príncipe de Salina, que tão bem recordo na figura de Burt Lencaster.

“D. Fabrício conhecia desde sempre aquela sensação. Havia dezenas de anos que ele sentia o fluído vital, a faculdade de existir, a vida em suma, talvez até a vontade de viver, desprendo-se de si, vagarosa mas continuamente, como os pequenos grãos de areia que escorregam um a um, sem pressa e sem detença, pelo estreito orifício da ampulheta. Em certos momentos de actividade intensa, de grande atenção, esse sentido de contínuo abandono desaparecia para reaparecer, imperturbável, nos fugazes momentos de silêncio e de introspecção: tal como um zumbido contínuo nos ouvidos ou como o bater de um pêndulo se impõe quando todo o resto se cala; e, nesse momento, apercebemo-nos de que eles sempre ali estiveram, vigilantes, mesmo quando não se ouviam.

(…) A sensação, de resto não andava, de princípio, ligada a qualquer mal-estar. Muito pelo contrário, esta imperceptível perda de vitalidade era a prova, a condição, por assim dizer, da sensação de viver; para ele, afeito a escrutar espaços exteriores ilimitados, a explorar vastíssimos abismos interiores, aquilo estava bem longe de ser desagradável: era o sentimento de um esboroamento contínuo, miudinho, da personalidade, acompanhado porém da vaga esperança de que, algures, essa personalidade se reconstruiria (obrigado, Senhor!) menos consciente mas mais ampla.(…)”

O Leopardo; Tomasi di Lampedusa; Capítulo VII, Pág 277/278; Colecção Autores Universais; Livros do Brasil