Wednesday, May 31, 2006

Quase aacabar


Quando o trabalho continua por fazer e a neura é gigante, pegamos nos restos de estudos e montamos tudo sobre uma folha ou sobre um monitor e saem coisas assim. Esquisitas. Estranhas. Más. Estou podre. Estou a morrer.

Sunday, May 28, 2006

calor

Ouvir o calor lá fora. Um calor sem voz que, no entanto, ecoa pela casa. Dormem todos. Eu deixo-os dormir para os poder gozar de outro modo, também no seu eco, que me trespassa. Faço discursos e calo-me. Vivo outros tempos, meus, deles, deles e meus e só meus. Mexo nos livros que comprei, registo-os, leio partes, não me apetece parar. Passo suavemente pela manhã, como se tivesse o dom de não lhe tocar. Conquisto a liberdade pela capacidade de não existir. Sou apenas uma brisa, uma memória, uma corrente eléctrica ou electromagnética que se desmaterializa no tempo e no espaço. Como o calor, lá fora.

Ainda muito cedo fui dar um beijo à minha mãe e levar-lhes o jornal de domingo.

Wednesday, May 24, 2006

exactamente assim

Foi exactamente assim, como tinha previsto. Ginásio, um banho em casa, um café, os campos castanhos bordados a verde, música, por sorte Bach e Kurt Weil, … trabalho. Cheguei depois do Presidente e disse quando me encontrei com ele: “ Estou a chegar”. Ele respondeu: “ Eu também”. Tudo recomeçou com outra disposição.
Alguns imprevistos coloriram o meu dia. Quando cheguei a casa, contive outro ataque de neura. O Pedro estava à porta, mal disposto, com o Nódoa ao colo, os livros espalhados na soleira da porta e disse: “ Correu-me tudo mal. Perdi a chave de casa (tinha-lhe dado uma nova, exactamente hoje), não fui ao ténis, não consegui estudar e tenho um trabalho (de grupo) para fazer contigo!” Mais seria impossível. Recompusemos o tempo à nossa medida, como só eu e ele sabemos fazer. Agora ele vê o último episódio do 24 e eu escrevo mais uma página do meu novo diário.
Para amanhã não preciso de projectos e programas especiais.

Tuesday, May 23, 2006

para descansar

Para descansar…
Trabalhei mais de dez horas hoje, mais de dez horas ontem, em concentração, em acção…. Cheguei, inventei o jantar, procurei material para o Pedro e comi rodelas de tomate vermelho com azeite e sal.
O pior é que gosto de trabalhar. Faz parte do sentido da minha vida identificá-la com trabalho. O trabalho é uma finalidade. Assusto-me e pergunto: “Foi para isto que os meus pais me puseram no mundo?”. É assim que educo os meus filhos? É assim que me dou bem com o meu homem: com o trabalho por fundo, sempre retornando aos temas que nos ocupam o dia…de trabalho?” É assim. Arquitectura, urbanismo, planeamento, política, economia, imagem, cultura, recursos humanos.... Tanto, que faço do trabalho um hobby.
Mas apetece-me gritar: “ Procurem-me, levem-me para outros sítios, seduzam-me…com a vida – a distracção, as ideias, o gozo do inconsequente, do incongruente, do paradoxo, do dual. Porque do outro lado está o lúdico, a conquista de um tempo nosso, de descontracção, de puro gozo, ou de ideia pura, ou simplesmente de corpo e sensação.
Amanhã vou ao ginásio e não ponho os pés no trabalho antes das dez. Vou suar, correr, tomar um banho, besuntar-me em creme doce, pintar-me … ouvir música…conduzir suavemente, para poder observar os campos castanhos bordados com as verdes linhas paralelas do milho que desponta… e entrar de cabeça levantada no meu “buraco”.
O outro lado, o trabalho, mistura-se com este todos os dias…só que às vezes demais, como hoje e ontem.

Azulejo. Portugal.



Andámos a correr para as oficinas de cerâmica, do Centro de Congressos de Aveiro, durante umas semanas e, este fim de semana, fizemo-lo com mais afinco. O resultado foram 20 azulejos produzidos, manualmente, por mim. Uns melhores, outros piores, uns mais artísticos, outros mais trabalho. Aqui fica o final, que foi hoje entregue ao professor, com algum sono e muito stress, o azulejo e a sua embalagem. Os outros, fotografo-os, um dia.

Monday, May 22, 2006

neura

Completamente neura. Quando, para uma pessoa essencialmente prática e com a fobia da concretização, tudo se conjuga para complicar, não há outra saída que não seja a neura. Assim é, fechaduras que não funcionam, puxadores que caem, árvores que crescem desmedidamente, lâmpadas que fundem, cortinas que não funcionam, bicharada que cheira mal, que suja, está doente ou velha, a quem tem que se cortar as unhas e ainda por cima chuva. Tive que ir comprar areia ao Jumbo, para o gato mínimo, batizado de Nódoa, adoptado desde ontem e que não sabe fazer as suas necessidades ao ar livre. Chovia torrencialmente, não havia lugares e montanhas de pessoas acotovelavam-se num interior repleto. Isso já passou. Agora tenho que encontrar uma caixa para mandar, amanhã, dia sempre complicado, para Aveiro, por correio azul, casulos de bicho da seda.
Dou por mim a e gritar por dentro: “Deixem-me em paz.. Quando estiver sozinha, nem mais um bicho entra em minha casa.”
Apetece-me ir correr para o ginásio. Tomar um banho e sentar-me a folhear e arrumar, livros, jornais e CD’s. Fazer uma chávena de chá e sorver a luz do fim de tarde na calma de Outono…mas ainda estamos em Maio.

Friday, May 19, 2006

consciências

Hoje foi um dia difícil. Alguns dos meus amigos que por aqui passeiam, sabem. Sabem como é difícil mediante uma situação concreta saber como proceder. Resolver problemas, ter presença de espírito e perceber que às vezes muitos deles são materialmente irresolúveis. No entanto a comunicação, a organização colectiva e o reconhecimento do problema colectivamente é já em si uma solução. Funciona como segurança, como conforto, acalma-nos.
Para dizer como me fazem falta os amigos. Como às vezes estou completamente sozinha e tenho medo de importunar. Com que direito vou massacrar os outros com as minhas coisas? Ainda por cima eu que detesto ser “chata”, que por educação ou por auto construção me fiz, pelo menos exteriormente, discreta. Porque a discrição interior, a que chamo de humildade, é virtude perseguida e muitas vezes incompatível com esta discrição exterior que cultivo. A exterior é mais fácil e oculta muitas vezes grandes doses de egoismo. A interior é cultura, no sentido de auto educação, de capacidade de leitura dos nossos sentimentos e dos mecanismos que os geram, para os pudermos transformar. Esta é uma luta diária de descentramento, de me retirar do centro do mundo, de abdicação consciente, de consciência do universo. Todas as vezes que isso acontece sou feliz e confiante, ponho-me nas mãos de Deus e deixo que Ele guie os meus passos. Atenção, porque este Deus não sei quem é, sei apenas que É.

Ausência


Queria pedir-vos desculpa por esta ausência excessivamente prolongada. Trabalho e namoros e a vida feita num oito, depois, durante alguns meses. Novas descobertas e experiências, novos afazeres e mais trabalhos. Não há tempo para um livro, um disco novo, um filme, um poema, lido ou escrito. E se o há, não há tempo para os pensar. Não há, não, não há! Não é, de todo, minha intenção deixar este blog –não, Maria, não!- mas terão de esperar pelo renascer da minha vida pessoal, um pouco mais. Paciência.

(estudo de um logo, que nunca será logotipo.)

Thursday, May 18, 2006

liberdade

Tinha planeado um dia livre. De férias, sem horas. Um dia meu. Dentro das condicionantes, que foram muitas, tive-o. No que gosto. Vi amigos…dei. Conversei. Trabalhei para a Cultour. Libertei-me de um tropeço. Que me limitava. É bom. Muito bom. Jantei tarde…com o Pedro que me confirmou, com a sua alegria e fidelidade. Disse “ Eu acredito em ti. Tu contas-me os teus problemas.” Ele respondeu “Não conto tudo” Eu respondi “ Nem eu quero. Eu também não conto.” Pois tu, tens a ------- -------.” “ Tenho, mas é minha. Pura brincadeira”. É assim.
Dia 17 de Maio, não foi o dia de férias que ambicionava. Mas foi muito bom, dentro do conceito de liberdade que apreendi com Sartre.
Dia 18 de Maio “ Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida”. Os suspiros, provavelmente já não existem.

Tuesday, May 16, 2006

suspiros

Fiz suspiros. O Pedro tem uma festa amanhã e eu tinha claras de sobra.
Os suspiros são uma herança da casa dos meus pais. Aquela de que eu me orgulho ser a principal continuadora. Sempre se comenta: a receita, a temperatura do forno, a consistência, a forma e se têm “colinha”. Este é sem dúvida o objectivo mais almejado…mas se os outros não forem conquistados o trabalho não é perfeito.
Saem-me bem, quase sempre. Hoje também. Mas é muito importante a prática. Fazê-los muitas vezes para construir o método, para tirar partido, para inventar, para inovar. Mas só podemos inovar quando estamos seguros do material que temos e do modo de o fazer.
Tantas vezes fiz suspiros que agora estou a vontade. Mas os suspiros fazem-se sempre com as claras que sobram: do pudim, da aletria, do leite-creme. Nunca se guardam gemas, guardam-se claras, o parente pobre do ovo. Interessante, sendo os suspiros um dos paradigmas da família Melo.
As sobras; a experiência; o método; o conhecimento do conteúdo e do material; a inovação… como em tudo…na vida.
A fotografia não a consigo passar para o computador.

Saturday, May 13, 2006

Para ti, sempre

Separados fomos

Separados fomos por cítaras e canto
E pelos longos poemas silabados
E entre nós dois deitaram-se paisagens
Que nos mantinham imóveis e distantes

Embora o fogo secreto das palavras
E a veemência do canto e das imagens
Embora a paixão das noites consteladas
E o nevoeiro tocando a nossa face

Separados fomos por cítaras e canto
Como outros por prisões ou por espadas

Sophia de Mello Breyner Andresen
O Nome das Coisas; Caminho


Comprei um livro especial para oferecer a uma pessoa, para mim, muito especial.

Friday, May 12, 2006

Alcino Soutinho

Gostei imenso de rever o Soutinho. Duas horas a falar de arquitectura, passando por biologia, por ecologia, por pedras, por sentido, por opção, por política. Já quase me tinha esquecido do que é um arquitecto, telúrico ou eclético com a despretensiosidade de uma conduta que, independentemente de leituras mais ou menos moralistas ou preconceituosas, faz dele um homem integral. Já quase me tinha esquecido de um passado anti-fascista, de uma luta que foi vital e que determina um homem em que a velhice é um dom. Ele relembrou-o de um modo simples mas avassalador, predeterminante na pessoa e na serenidade que transmite, sem contemplações mas com disponibilidade. Lembro aquela crónica que há anos li no Jornal de Arquitectos do Pitum Keil do Amaral, que retratava os arquitectos que perdiam a coluna vertebral à custa de tantas cedências… face ao politicamente correcto e conveniente. Mesmo quando as leituras exteriores, que às vezes fazemos, nos orientem para juízos mais dependentes. Nada é tão linear como os nossos juízos precondiconados por ideais externos e sonhados, romanticamente.
É muito bom ouvir falar apaixonamente do que se faz aos dezoito anos, como aos quarenta, como aos setenta. Só temos uma vida, oferecida. Resta-nos saber honrar a prenda, completando-a com os adereços que conseguirmos resgatar.

Thursday, May 11, 2006

brasileiros

Não gosto de brasileiros. Quem comigo lida já sabe. Digo-o amiúde, também como provocação.
Deixem-me ser primária.
Não gosto porque:
- Falam bem demais;
- Têm um país onde é fácil viver: não precisam de roupa para se aquecer do frio do Inverno, a natureza dá-lhes espontaneamente alimento;
- Têm a música no corpo e não precisam de se construir para a entenderem;
- Usam a nossa língua com um a vontade tão natural que dizem o que não sabem, dizem apenas; …
- O Carnaval faz esquecer tudo;

… e depois na vida é igual: facilidade, improviso, expediente, desigualdade sem remorso e samba.

Puro preconceito talvez …ou não, porque tenho paixão por África, pela África que não conheço.

Wednesday, May 10, 2006

insatisfeita

Às vezes gostaria de ter as palavras certas para dizer. Depois penso que direito, ou melhor que sabedoria tenho eu para o fazer? Estou do outro lado ou penso que estou, não sei. Porque é sempre uma incógnita o decurso da vida e o que ela nos tem destinado. Até que a surpresa surge. Pode sempre surgir a qualquer hora, sem qualquer razão, sem qualquer justificação. A vida não é como a matemática. Há problemas sem determinantes, há resultados sem parcelas. Há resultados que não satisfazem uma incógnita e então na vida quatro podem ser igual a dois. Esta é a minha insatisfação. Não poder determinar a causa do resultado. Sabendo o resultado não poder dar outra resolução ao problema. A vida é o que é … até hoje estou do lado bom, mas insatisfeita.
Para quem me entende ou quer entender, duas parcelas: uma hora de estudo com o Pedro e... uma incógnita, uma injustiça. Estou aqui sempre atenta.

Saturday, May 06, 2006

Chifon de laranja

Este lugar é para tudo, até para deixar a tal receita do “Chifon de laranja”:

1 chávena e meia de açúcar;
1 chávena e meia de farinha
½ chávena de sumo de laranja
½ chávena de óleo
6 ovos

Mistura-se o açúcar com a farinha. De seguida os líquidos ( óleo, sumo de laranja e gemas de ovos), por fim as claras em castelo.
Coze em forno médio.

Friday, May 05, 2006

Morte em Veneza

Pois que a beleza, meu Fedro, e só ela, é digna de ser amada e visível e ao mesmo tempo: ela é – nota bem!- a única forma do espiritual que recebemos através dos sentidos. Ou então, o que seria de nós se, por outro lado, o divino, a razão, a virtude e a verdade se nos quisessem revelar através dos sentidos? Acaso não morreríamos e nos consumiríamos de amor, como outrora Sémele perante Zeus? Assim, a beleza é o caminho do homem sensível para o espírito – só o caminho, um meio apenas, pequeno Fedro… E em seguida proferiu o mais subtil, aquele cortejador astuto: ou seja, que o amante é mais divino que o amado, visto que naquele existe o deus e nestoutro não - ideia que talvez seja a mais terna e a mais irónica que jamais foi pensada e da qual nasce toda a malícia e a mais secreta volúpia do desejo.

Thomas Mann; Morte em Veneza; Biblioteca de Verão; Edição Diário de Notícias; pag59/60

Thursday, May 04, 2006

Vou ler

Trouxe trabalho. Não cheguei tarde. Fiz o jantar com calma e sem rasgo. O tempo esgota-se e eu não tenho vontade de fazer nada. Queria um poema, mas não me apetece procurá-lo. Um poema que falasse da vida, daquela que se conquista por entre a doença e a dor – que eu hoje não tenho ( doença e dor). Que falasse da luta, daquela tal capacidade de transformar o mal-estar em bem estar, das transformações que o nosso corpo opera pela sobrevivência. Pulsão vital e biológica, explicável cientificamente pelas palavras de Damásio. Que falasse da injustiça da doença, que retirasse Deus à Natureza, que não confundisse destino com vida. Que caia do céu o pão da vida para me alimentar a mim e a outros que me parecem menos afortunados do que eu. Mas não sei nada, porque muito se passa sem que o saibamos e a vida é um fio ténue, sempre no limite da tensão. Que não sejamos nós humanos a estica-lo até à ruptura, porque nascemos para ser felizes, ainda que essa felicidade nos chegue pelos mais recônditos atalhos.
Decididamente não vou trabalhar hoje. Vou ler.