Thursday, September 29, 2005

Cultour

Chegou o momento de apresentar a Cultour – outra das minhas motivações. A Cultour é um sonho, um projecto em que acredito. Com seriedade, com profissionalismo, com militância, pela arquitectura. Deixo a ligação e lembro que a próxima visita acompanhada é no dia 15 de Outubro, a Santiago de Compostela. Para os que nos lêem.

Wednesday, September 28, 2005

Matéria/Corpo

"TORSO. Só quem fosse capaz de contemplar o seu próprio passado como fruto de contrariedades e da necessidade estaria em condições de, em cada momento presente, tirar dele o máximo partido. Pois aquilo que vivemos um dia é, na melhor das hipóteses, comparável àquela bela estátua a que o transporte quebrou todos os membros, e agora mais não tem para oferecer do que o precioso bloco a partir do qual terá de ser esculpida a forma do futuro."
Walter Beijamin; Imagens de pensamento; Assírio e Alvim
"O tema um pouco literário da forma incompleta já não é uma resposta suficiente, ocorre a ideia, profundamente rossiana, de uma reabertura de sentido da matéria que sucede quando a forma foi consumida pela vida e pela experência."Giovani Leoni; Eduardo Souto Moura ; Monografia- Gustavo Gili
Estou com muito sono. Tinha estes dois pequenos textos guardados na memória, para juntar, sem mais.

Monday, September 26, 2005

Björk no Meco, 05.07.03

A longa noite do festival de músicas electrónicas do Meco, pródigo em intermináveis filas de trânsito (10 km delas, duas horas para chegar) e em líquidos a preços de 2025 (1,5 € por imperial ou garrafa de água – o mesmo preço dos cachorros quentes picantes em promoção leve-dois-pague-um no já mítico bar/atrelado Psicológico), valeu pela actuação da Björk. Ao seu lado direito, uma secção de cordas e uma harpa; à esquerda uma parafernália de máquinas e respectivos geeks. No meio, a minúscula (e lindíssima) Björk a colar as duas ambiências. Inteligentemente (ao contrário dos senhores que se seguiram), optou por uma actuação menos popzinha a favor de mais experimentação e total entrega. Os ritmos quebravam-se e ressurgiam, a voz ia a sítios quase impossíveis e as explosões tornavam-se verdadeiras apoteoses, com direito a fogo de artifício (literalmente). Resultado: o público via-se na obrigação de estar concentrado; era apanhado de surpresa a cada instante. A actuação pautou-se precisamente pelo uso e abuso do factor surpresa até no que se refere ao alinhamento. Durante a maior parte do concerto, Björk e a sua trupe interpretaram canções menos rodadas. Apenas no fim, novamente para criar um efeito de apoteose – neste caso emocional, não sónica – recorreram a peças mais recentes ou mais populares.

***
O dia 5 de Julho de 2003 já lá vai e eu tive o prazer de fazer parte daquela plateia que, apanhada num misto de surpresa e maravilha, se deliciou com a islandesa mais conhecida do mundo. Hoje, ao ler esta crítica sobre aquele dia bom de Julho, apeteceu-me partilhar um dos melhores concertos da minha (curta) vida. Queria dizer que, quando ela voltar aqui ao 'quintalzinho', eu lá estarei. Vocês só ganhariam se estivessem também.

Outono


é sempre assim que o outono chega cá a casa.

A casa e a música (parte 2)

Regressei à Casa da Música. À sala 2, domingo à tarde. A mesma experiência de contemplar o entardecer através dos mínimos círculos inscritos na cortina de fundo. A mesma experiência de ver o palco a crescer em intensidade e luz.

O Quarteto
O quarteto Borodin, que me levou até àquele espaço infinitamente precário do limite matemático.

A música
Shostakovich - Quarteto n.º 1 e n.º 13. Shostakovich há muitos anos que o procuro. Cada vez que o ouço descubro novidades. É o compositor que me transposta do clássico à contemporaneidade. O Quarteto n.º13, que não conhecia é um grito magoado.
Depois Beethoven - Quarteto n.º13, um descanço.

A vivência da música é uma experiência individual, a mais individual das experiências.

Sunday, September 25, 2005

Drogas Somáticas

Mesmo antes do post conjunto que faremos sobre “Os EduKadores”, filme de Wans Weingartner, que fomos ontem ver, gostaria de deixar uma pequena reflexão sobre um tema levantado que me motivou. Em conversa, Ian referia a Jule que as drogas que o nosso corpo gera são poderosas. Ela adiantava: “A adrenalina?”; ele respondia: “O medo”.
O conjunto de comportamentos destemidos e sem limite que tem origem em estados de pânico, ou outros, menos impulsivos e mais pensados, que têm também por trás situações de medo, como o medo da morte subjacente a um diagnóstico de doença incurável, relembro “ O Amigo Americano” de Wim Wenders, são de facto efeitos dessas drogas construídas dentro de nós, somáticas – biológicas e mentais. Há uma outra, de que eles não falaram explicitamente, mas que perpassou nos comportamentos dos três amigos: o ciúme. Sob este ponto de vista “Os Edukadores”, ainda que correndo o risco de fazer uma exaltação romântica da amizade, dão dela uma perspectiva utópica, que nos permite o conforto de sonhar, ainda, com a bondade das relações humanas.

Saturday, September 24, 2005

Dia


(previamente postado no meu antigo blog)

Depois do rodopio da primeira semana na universidade, entre trabalhos e saidas à noite, a única coisa que quero do dia de amanhã é um bocadinho deste bonito poema da Sophia. E uma boa noite de sono.

Fevereiro


fevereiro de 2004

Friday, September 23, 2005

As cidades de Walter Beijamin

“Extranjería e infancia son dos formas de distanciamento.”
Walter Beijamin move-se pelas cidades com olhos estrangeiros e maliciosamente infantis. Espia lugares insólitos, comuns e desprezíveis das capitais europeias. Sem preconceitos e estereótipos pode distanciar-se da opaca realidade urbana.
“Lo que contienem las miniaturas urbanas de Benjamin son visiones panorâmicas, miradas surrealistas, gracias a las quales, todo lo que parece entrar irremisiblemente en la decadência es, precisamente, la mejor matéria prima para darnos uma iluminación del futuro.”
Las ciudades capitales de Walter Beijamin; Ignasi de Sola Morales, “Metrópolis”; Gustavo Gili

Thursday, September 22, 2005

Ligações

Este, Estação, Mário Cesariny, um bom poema.

Wednesday, September 21, 2005

Comentar apropriando

O erotismo na cidade, Olhares VI interessante. Não pelo poema em si, nada de especial para mim. Mas pelo conteúdo, mensagem: o preconceito de leitura, a predefinição de comportamentos, a relação baseada em pressupostos, a incapacidade de ler o outro. A dificuldade de vermos fundo, de lermos, de nos lermos e de nos darmos, sem preconceito. Muito claro, clarividente.

Tuesday, September 20, 2005

Do encapar livros

Encapar livros. Um ritual que se repete, todos os anos, desde há doze anos. Há quarenta anos, iniciou-se e durante onze, permaneceu o ritual. Foi com papel encerado, colorido, de desenhos geométricos ou motivos livres. Mais tarde capas de revistas, papel de cópias dos desenhos do escritório do meu pai, plástico ou heliocópias, ainda a cheirar a amoníaco. Agora, nestes últimos doze anos, sempre o papel autocolante transparente. Neutro, eficaz, impessoal e uma tortura para quem se dedica à tarefa. Fui aperfeiçoando o método e agora já estou perita (hoje correu lindamente). Faço-o descontraidamente, livro a livro, uma média de dois ou três por dia, para não me enervar com a empreitada.
Mas, estou quase a deixar de o fazer. Mais um anito e estou safa! Ainda bem.
Restarão as recordações do papel encerado, do cheiro a amoníaco ou do desesperante e eficiente papel autocolante transparente.

Monday, September 19, 2005

Greta Garbo

Greta Garbo é como se dizia no Público: única na sua época e geração. Não há quem se lhe compare no tempo que a antecede e no tempo que a sucede. É uma estrela no céu. Supostamente a minha geração já não responde a estes ideais de beleza, a estes padrões e cânones. Talvez eu não faça parte da minha geração. Fazia hoje 100 anos.

Sunday, September 18, 2005

Os sindicatos da vida

“Nunca saberemos nada sobre eles, como nunca saberemos nada sobre ninguém em estado de adolescência.” Alexandre Melo sobre o último filme de Gus van Sant “ Last Days” Cartaz Expresso de 27 Agosto de 2005.

Inquietante. Porque ao fazer esta afirmação consideramos os adolescentes como um grupo próprio, com comportamentos e interesses próprios, como uma classe aparte. Faz-me sempre confusão quando se divide o percurso da vida em partes, sendo cada uma delas estanque. Sai-se de uma classe e entra-se na outra. Vêm-me sempre à cabeça que deveria haver o sindicato dos bebés, das crianças, dos adolescentes, dos jovens adultos, dos adultos em maturidade, do início da terceira idade e dos velhos.
Mas cada um de nós desliza por estas etapas, com mais ou menos consciência delas, vive em grupos heterogéneos e não se associa, nem organiza, em função das fases da vida.
Por isso esta visão de impenetrabilidade que subjaz à frase de Alexandre Melo, como todo o artigo, como provavelmente o filme de Gus van Sant, angustia-me e se, pode fazer todo o sentido em função do que a motiva, o filme, a obra de arte, não faz em termos de vida.
Nós vivemos juntos e queremos ser felizes juntos. Não me tirem os belíssimos momentos de sintonia intergeracional que tenho com os meus filhos e com os amigos deles.
Pelo meio de muitas incompreensões e desajustes reivindico o direito de ainda ser adolescente, às vezes.

Thursday, September 15, 2005

...



Às vezes, na vida, parece que chegamos sempre atrasados. Até à própria vida.
Não se abre lugar para calar a doçura da dor, para chorar os espaços vazios dentro do nosso corpo.

Conta-me o que sabes
eu quero absorver tudo
e morrer sobre a areia quente
de um dia de verão
lentamente.

Prédio do Coutinho

Ainda a sobre implosões, o Ministro do Ambiente e Ordenamento do Território, Nunes Correia, a propósito das implosões em Tróia, referiu a implosão do prédio do Coutinho em Viana do Castelo, esta de interesse público.
Li na edição do Expresso do último sábado, que o arquitecto Eduardo Brito, autor do projecto, vai pôr uma acção contra o estado português com base no Código de Direitos de Autor, pedindo uma “avultada indemnização” se o prédio for demolido. No mínimo polémico.

Wednesday, September 14, 2005

Funcionários Públicos

Ouvi hoje a crónica “Economia dia a dia” do António Peres Metelo na TSF de que sempre gosto. Falou dos funcionários públicos e das reduções orçamentais da despesa pública. Dizia que em Portugal, os vencimentos dos funcionários públicos representam 15% da despesa pública, enquanto que nos países connosco comparáveis é de 11%.Para atingirmos esse valor teria que haver uma redução média de €550 por salário de cada funcionário ou teriam que ser despedidos 200 000 funcionários públicos.
Espero que os números estejam certos, porque ouvidos a tomar o pequeno-almoço às 7.40h, apontados no papel que se tem à mão, para serem reproduzidos às 17.30horas, constituem já uma soma considerável de imponderáveis para serem totalmente fiáveis.
No entanto o que me interessa é pensar sobre eles. Eu como funcionária pública, sei que é preciso reduzir à despesa e não me importo de o fazer. Espero que se mantenha a vontade de mexer com os interesses estabelecidos e que, as medidas sejam levadas até ao fim, sem medo dos juízes, dos professores, dos enfermeiros, dos médicos, dos polícias, dos militares, dos …e dos políticos. Os interesses são muitos e as queixas, evidentemente, cruzadas.

Tuesday, September 13, 2005

Interpretar a Arte


Quando escrevi sobre Mahler concluí que mudamos de patamar no entendimento da música, quando aprendemos a gostar dela, mesmo que ela não sublinhe o nosso gosto, o nosso modo de estar no mundo, ou o nosso estado de espírito.
O mesmo direi para as outras artes. É preciso distinguir o gostar espontâneo, intuitivo, do gostar que vem a seguir ao aprender a gostar. Este, o aprender a gostar, é um processo, que implica tempo, paciência, atenção e estudo. Fazer uma fotografia, é diferente de fazer um desenho do mesmo local; olhar para uma planta ou um alçado não o mesmo que redesenha-los, percebendo os seus traçados; ler um texto não é equivalente a transcrevê-lo; e provavelmente copiar uma partitura não será igual a ouvir uma peça musical (isso infelizmente não posso atestar).
E gostar porque se percebeu a génese e a forma, porque se enquadrou no tempo, é profundo e não se pode esquecer nunca mais. Não é susceptível a mudanças conforme estados de espírito. Pode confortar-nos mais ou menos, mas não é por isso que deixaremos de gostar.
Posso no entanto entender sem gostar? Se gostar implica uma adesão emocional?
Tenho para mim que se nos dedicarmos seriamente a entender uma obra de arte, se lhe dermos esse tempo para ela falar, para ela interferir connosco, aprenderemos a gostar.
Ou então talvez ela não seja uma obra de arte.
Hoje que vivemos a cultura do imediato, do consumo, é essencial educar pela arte, tanto no que isso representa de dedicação e de atenção ao não evidente, como nas portas que abre a valores de solidariedade e de humanidade, sempre na relação com aquilo que nos ultrapassa, ainda que isso, sejemos apenas nós, Homens, na nossa maior dimensão.

Saturday, September 10, 2005

Individualidade

“Por que é que essa vozinha obstinada dentro das nossas cabeças nos atormenta dessa maneira?” disse ele, olhando à volta da mesa. “ Não será por nos recordar que estamos vivos, a nossa mortalidade, as nossas almas individuais – a que, ao fim e ao cabo, temos demasiado medo de renunciar e no entanto são o nosso maior motivo de sofrimento? Mas não é muitas vezes a dor também uma forma privilegiada de tomarmos consciência do nosso próprio eu? É uma descoberta terrível a que fazemos em crianças ao verificarmos que somos parte separada do resto do mundo, que nada nem ninguém dói juntamente com a nossa boca escaldada ou joelhos esfolados, que as nossas dores e sofrimentos são só nossos. Mais terrível ainda é constatar, à medida que envelhecemos, que ninguém, por mais querido que seja, poderá alguma vez compreender-nos verdadeiramente. Os nossos eus fazem-nos terrivelmente infelizes, não acham? Lembram-se de Erínias?”
“As Fúrias”, disse Bunny, com os olhos baralhados e perdidos sobre a madeixa de cabelo.
“Exactamente. E como é que elas enlouqueciam as pessoas? Aumentavam o volume do monólogo interior, ampliavam as qualidades já presentes a um ponto excessivo, transformavam as pessoas nelas próprias a tal ponto que elas não aguentavam.”
Donna Tartt; A História Secreta; Dom Quixote

Religo este extracto, de um dos livros que leio actualmente, com o paradigma da individualidade, constante na pós-modernidade, versus individualismo, enquanto lado destrutivo da individualidade, e ainda com o texto “Vida Real Inventada”, publicado aqui em 7 de Setembro.

Friday, September 09, 2005

UM país?

Dois factos alimentaram as interessantes conversas que tive durante o dia. Não as vou reproduzir, apenas lembrar:
O relatório da ONU para o desenvolvimento humano e a demolição das torres de Tróia.
Segundo o primeiro Portugal é o país com mais desigualdade da União Europeia e desceu um lugar na ordenação em função do desenvolvimento humano. Não é de estranhar porque para a definição do ranking contam os níveis educacionais. (*)Mas no mundo o fosso entre ricos e pobres também aumentou. Temos dois mundos, ou até três – o dos ricos, o dos pobres e dos ricos que oficialmente são pobres – os que não cumprem as suas obrigações fiscais e outras. Infelizmente em Portugal este número cresce.
Quanto à demolição das torres, para além de ser o primeiro processo de implosão com dimensão em Portugal, parece que reverte em alguns ganhos ambientais e, evidentemente económicos. Qual será o mundo que este processo vai enriquecer: o primeiro, o segundo ou o terceiro? Ou será que vamos ainda conseguir construir Um país?
(*) mas como o principal investimento em educação, em Portugal, é no ensino superior, este também contribui para aumentar o fosso entre ricos e pobres.

Thursday, September 08, 2005

Colhe todo o oiro

Colhe todo o oiro

Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.

{Eugénio de Andrade}

vida real inventada

A limitação da comunicabilidade, imposta por regras morais e sociais, reduz a nossa liberdade, limitando a profundidade das relações. Quando fantasiamos comportamentos, construímos histórias, fazemos discursos, que não podemos (pelas tais regras sociais), ou não conseguimos (pelas morais que nos impomos) materializar, ficamos evidentemente insatisfeitos. Neste caso se estamos presentes num quadro real, no qual nos projectamos com um papel diferente daquele que conseguimos realizar, a decepção é maior.
A presença de outro ou de outros, torna-se mais dolorosa, porque se é obrigado a ignorar aquilo que não é ignorável – a vontade intensa de construir aquela história.
É mais fácil, não sei se mais saudável, ter fisicamente afastado o objecto do nosso interesse ou o cenário da nossa história. Assim a nossa imaginação é livre e a confrontação, violenta e presencial, com a impossibilidade não existe, deixando por isso espaço à imaginação para ver apenas o rosto do outro, que eu próprio construo.
Até que ponto esta atitude não se traduz em comportamentos patológicos, em a que realidade se confunde com o sonho, passando o mundo a ser uma ficção? Ou é possível manter um saudável equilíbrio entre sonho e real, que permita dar espaço ao outro diferente da nossa criação, sem perder o sabor dessa nossa criação?
Apesar das dúvidas julgo que ser adulto é perceber este jogo e jogá-lo, constituindo deste modo a almofada para as nossas desilusões quotidianas. Sonhar de olhos abertos e como dizia Walter Beijamin, “nunca contar os sonhos antes de tomar o pequeno-almoço”. Adaptando: partilhar com parcimónia a nossa vida real inventada.

Tuesday, September 06, 2005

Távora, novamente

Hoje, Távora esteve connosco à mesa do jantar.
Raramente, em tempo de trabalho, conseguimos sentar-nos à mesa para jantar, os quatro, a horas decentes (entenda-se, entre as nove e as dez da noite). Hoje, foi mais para as nove, caso raríssimo.
Falamos de arquitectura ( e vida). Da importância de Fernando Távora na arquitectura portuguesa, da Escola do Porto, de Carlos Ramos, do conjunto de circunstâncias excepcionais que nos fazem hoje presentes, e que nós, teimosamente, escondemos no fundo do baú. Da internacionalização e da valorização das origens – legado de Távora, que nos abre portas de um modo consciente e nos faz redescobrir, informadamente, o nosso passado, a tradição. Temos uma enorme herança a defender, um enorme legado para pôr a render. Outros antes de nós o fizeram: Álvaro Siza…e todos os outros, que mais atrás, constituem a base onde ele é, para o mundo, Álvaro Siza.
Os olhos dos meninos brilhavam. Embora nenhum deles se prefigure na esteira da profissão, são sensíveis e sabem o que significa estar de corpo inteiro naquilo em que se acredita.
Por hoje, uma boa noite.

Sunday, September 04, 2005

Foi num dia calmo de fim de verão

Está um magnífico dia de fim de verão. Daqueles de que eu gosto.
De manhã fomos à praia. Não havia vento. Não estava muito quente. Não havia muita gente.
De tarde o tempo correu devagar. Nada foi feito do princípio ao fim, mas à medida do que foi apetecendo: ler, ouvir música, registar CD´s, cozinhar, tomar café fora. Tudo se misturou, na paz que interliga todas as coisas e os seres, inexplicável e harmoniosamente.
Agora um frio ligeiro retesa-me os músculos e o sol vai-se lentamente.
Foi num dia assim que morreu Fernando Távora.
A minha homenagem.
Porque também é preciso merecer a morte.
Para os mais novos (que sei) que lêem este blog.
A Joana teve o privilégio de o conhecer e por isso tem a sorte de o recordar.
Fernando Távora foi um Homem. Que nos seduziu, a mim e a muitos, de um modo suave, como esta tarde de fim de Verão, mas duradouro.
Fernando Távora não morreu, porque um Homem nunca morre.
Para os mais novos que gostam da vida e da arquitectura, comecem por ler " Da organização do Espaço"* e deixem-se ir levados por esta lenta tarde calma de fim de verão.

(*) Edição do Curso de Arquitectura da ESBAP - julgo que foi reeditado pela FAUP

Saturday, September 03, 2005

Nova Orlães - EUA

Acabei de ouvir o testemunho de Mário Rui de Carvalho, em directo de Nova Orleãs, no noticiário da antena 2:
- 400 000 crianças abandonadas;
- 1 000 000 de pessoas sem abrigo (na sua maioria estes são as pessoas de menos posses, que não puderam, em um dia encontrar meios para abandonar a cidade);
- 25 000 pessoas refugiaram-se dentro da superdome, muitas estão armadas;
- 300 soldados com ordens para atirar a matar.


Nova Orleães localiza-se nos Estados Unidos da América do Norte.
Há efeitos exponenciais que derivam de má gestão ambiental e territorial.
Assustador.
Se assistimos, na sequência do Tsunami, a ondas de solidariedade e a comportamentos humanos e humanitários por parte das vítimas e de todo o mundo, porque é que aqui é diferente? Porque é que as pessoas se comportam como animais ferozes e a solidariedade internacional se retrai?

Thursday, September 01, 2005

O primeiro patamar da arquitectura

A leitura do texto de Manuel Graça Dias na publicação da Caleidoscópio sobre o Centro de Documentação e Arquivo do Palácio de Belém, da autoria de João Luís Carrilho da Graça, tocou num ponto que considero essencial no desfazer da condição pós-moderna, na definição da contemporaneidade – a enfatização do indivíduo enquanto ser único, possuidor de um discurso próprio e de uma “visão pessoal” sobre os problemas que aborda, neste caso a obra arquitectónica.

Concordo com Graça Dias quando diz que: “ Encontrar, identificar, lembrar, tornar análogo, é o nosso “processo científico”. Como tal, na pobreza das propostas de leitura residem quase sempre as causas de banalidade das respostas.”
É realmente na falta de capacidade crítica inicial, que se revela na incapacidade de equacionar o problema proposto (no caso da concepção arquitectónica todo o conjunto de condicionantes que informam o projecto), que reside o principal problema da nossa classe. Para além da preocupação em garantir à obra uma fidelidade discursiva que lhe confira uma identidade própria de autor, que Graça Dias tão bem descreve e que relança para o domínio da crítica, há um outro patamar, a meu ver anterior, que não se encontra de todo atingido pela maioria dos profissionais do ofício: a capacidade de leitura da “encomenda” enquanto resposta a um problema concreto, que só o autor do projecto com a sua leitura inteligente, crítica e informada, pode conformar.
Esta ausência de leitura: inteligente (porque relaciona); crítica (porque tem a capacidade de alterar contextos e propor alternativas); e informada (porque conta com a história, com a memória, com o sítio, com as condicionantes técnicas e programáticas e todas as outras); é bem visível na qualidade da nossa produção arquitectónica actual.
É a incapacidade de integrar este “processo científico” na produção arquitectónica e a vontade de afirmação de valores individualistas, em detrimento dos colectivos, que me faz, em parte, duvidar do futuro da arquitectura em Portugal.