Thursday, January 31, 2008

outrora agora

" Fui-o (feliz) outrora agora" este verso de Fernando Pessoa, ou de um dos seus heterónimos ( perdoem-me os meus amigos mais eruditos) persegue-me e acompanha-me.
É bom ter a capacidade de ser feliz outrora agora. Ler o passado com os olhos crentes do presente, dar-lhe outras matizes, se for o caso, e recuperar com a memória o sentido e a alegria de viver. Sabedoria do tempo, coloratura do tempo... o tempo cura, o tempo engana, o tempo transforma, o tempo...
Qual de nós não olha sorridente para as lágrimas do passado que se transformam em condescêndencia e nostalgia?

Wednesday, January 30, 2008

ah - cd mix




telepopmusik | brighton beach
lykke li | little bit
cocteau twins | half-gifts
uh huh her | explode
telepopmusik | close
bonobo | silver
i love you but i've chosen darkness | long walk
uh huh her | run
cocteau twins | heaven or las vegas
brian eno | an then so clear

bardi & noemi | dream
stephanie dosen | way out

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Monday, January 28, 2008

Sunday, January 27, 2008

Pavilhão Multiusos de Gondomar


O Pavilhão não usa materiais nobres, tecnologias sofisticadas ou soluções construtivas inovadoras. É na humildade demonstrada que se releva a grandeza do projecto. Siza usou chapa pintada e caixilhos de série, blocos acústicos aparentes, monopavimentos, rebocos projectados e é com esta matéria que articula o gesto, livre mas consciente, que unifica o projecto e que o interliga com o resto da sua obra.

Siza o arquitecto que já ganhou o pritzker, o meu ídolo arquitectónico, que me habituou a granito, mármore, madeira; que me habituou a programas nobres, bibliotecas, museus, escolas, lazeres; tem neste pavilhão a humildade de usar materiais feios, com pormenores em série de desenho duvidoso, sem que isso afecte a qualidade e o empenho do seu desenho. É também a particularidade do programa: este é um programa difícil porque é um programa múltiplo. Grandes contentores com a obrigatoriedade de se encherem com múltiplos conteúdos e com a ambição de todos acolherem funcionalmente bem. Tarefa díficil e talvez impossível, mas sinal das necessidades contemporâneas.

Outra das reflexões foi gerada na sala de treinos, onde a sensação de clausura é reforçada pelas suas qualidades acústicas. A ausência de reverberação confunde a percepção da dimensão do espaço. A propagação do som dá-nos a medida do espaço. Aqui a ausência de eco fecha-nos sobre nós. Talvez não seja boa para a prática desportiva mas é, sob ponto de vista formal, um objecto notável.

Tuesday, January 22, 2008

Tangerinas

Quando eu era miúda os meus avós paternos moravam no Porto. Ao fim de semana, ao sábado ou ao domingo, vinham primeiro de autocarro e depois de eléctrico, passar a tarde à Maia. A razão da mudança de meio de transporte deveu-se ao lugar da entrada: o autocarro, o L, partia do cimo da Avenida dos Aliados e o eléctrico, o 7, partia da Praça da Liberdade. Os meus Avós moravam na rua Cimo de Vila, nº 25. A minha Avó andava mal, porque tinha bicos de papagaio, por isso custava-lhe subir a avenida e então começaram a ficar pelo 7. Esta opção implicava que o meu pai os fosse buscar à Ponte da Pedra por volta das duas da tarde, quase sempre acompanhado dos filhos ou pelo menos de alguns (somos quatro).

O Avô chegava e, nesta altura do ano, fazíamos uma digressão até à tangerineira que ficava ( e fica ainda agora já velhota e pouco fecunda) à beira do tanque de cima. Nós parecíamos macacos a correr nas bordas do tanque ou a trepar aos ramos para lhe colher as tangerinas com que ele se deleitava. Tangerinas, laranja claro, redondas e achatadas, de sabor agreste, ligeiramente doces, que espirram abundantemente quando se descascam… tangerinas que ainda hoje existem e me chamam à casa da minha infância.

O ritual terminava na sala de jantar quando a minha mãe ia buscar o "aparelho" para medir a tensão aos avós. Nós ficávamos em obrigatório silêncio à volta da mesa a observar o acto. Em silêncio mesmo, para a Mãe ouvir bem o bater do coração, primeiro da Avó e depois do Avô. Quando chegava a vez do Avô, a Mãe media uma vez e não dizia o resultado. Dizia antes: "Vamos lá a acalmar Papá!" À segunda vez os parâmetros baixavam um ou dois pontos e então a minha mãe lá comunicava o resultado ao qual juntava alguns conselhos saudáveis. Depois media-nos a nós com aquela mistura de paciência e ilusão que só as mães sabem usar.

Sunday, January 20, 2008

Expiação

Gosto de escrever sobre o que vejo e ouço sem ler a opinião dos críticos previamente. Esta é uma outra leitura, a leitura do público não especializado, a leitura do espectador amante de cinema, de música, de literatura, de pintura ou de escultura ou de… qualquer forma de arte. Arte aqui entendida como modo de expressar sentimentos e emoções através de manifestações no tempo e no espaço.

Assim será com o filme que hoje fomos ver “ Expiação” de Joe Wright. Não vou, pelas razões expostas, falar do filme como objecto fílmico. Vou falar daquilo que, ainda muito fresco, me impressionou. A cena em Dunquerque, um passageiro contra corrente, observador anestesiado do espectáculo decadente da guerra. Uma vítima da guerra e a guerra vista de outro modo, sem a coerência dos actos, mas lida nas coletaridades da vida dos homens que a fazem. Para mim um modo inovador de filmar a guerra. A atmosfera tem qualquer coisa de felininiano, nas cenas, nas filmagens, nas cores, nas personagens. Depois todas as outras interrogações bem vivas na pequena mas fulgurante intervenção de Vanessa Redegrave: o que é a verdade? De que vale a verdade? Os múltiplos modos de ler a realidade e o modo como uma leitura, verdadeira aos olhos de quem a lê, condiciona o curso da vida e como se transforma ao longo dela. A realidade da ficção, a redenção (expiação) pela ficção.

Parece-me que, não fosse alguma imaturidade no tratamento destes temas, traduzida em excessos de tempo e de imagem, ou cedência a alguns clichés e o filme seria um daqueles que eu elegeria para o patamar dos favoritos. Da música não gostei nada.

Monday, January 14, 2008

Adega Maior

Acabei de escrever três pequenos textos sobre obras de Siza. Partilho um deles:

Adega Maior – Campo Maior – 2003/2006

Fixar o edifício na paisagem aberta e imaculada do Alentejo constitui o primeiro desafio para o arquitecto. Foi preciso encontrar, através da leitura sensível e premonitória de que talvez só ele seja capaz, o “acidente” que determina o local certo para pousar o objecto estranho: estranho à cor, estranho à forma, estranho às culturas e construções locais. É o cruzamento de dois elementos artificiais construídos pelo homem, uma estrada e uma escavação, que dita a localização do edifício.

É uma adega, programa funcional decorrente da actividade agrícola local. A conjugação de espaços com características formais e funcionais específicas permite a articulação de escalas que, se exteriormente afirmam claramente o edifício na paisagem, internamente constroem uma sucessão de espaços sombrios e recolectores, como convém à função e à agressividade climática.

A cobertura verde e com um plano de água acentua o oásis na aridez crua da paisagem.

Sunday, January 13, 2008

manhã de chuva

Com o vento veio a chuva. A manhã foi chuvosa: muita chuva, muito vento, convidam à reclusão.
A imagem gráfica que associo a este estado de introspecção profunda, é a de corpos a devorarem-se a si próprios, voltando-se do avesso, com muitas cores. A esta introspecção associo as cores e as formas da cultura pop, talvez para atenuar ou tornar mais lúdico o acto que assim descrito poderia parecer tenebroso.
A chuva parou - mas atmosfera densa mantém-se - o interior dos corpos permanece visível na impossibilidade do desfrute.

6ª Sinfonia de Bruckner

De Bruckner, a 6ª sinfonia. Gosto de Bruckner. Fui-o descobrindo ao longo dos anos, através de bocados que ouvia no rádio e de textos sobre a sua controversa apropriação pelo nazismo. Hitler venerava Bruckner. Comprei um CD com a 4ª sinfonia dirigida por Otto Klemperer. Hoje fui ouvir a ONP que foi capaz de me fazer arrepiar, sobretudo no segundo andamento. O mistério dos segundos andamentos, ou de como os lentos perturbam os melancólicos. As cordas num só som, contínuo e sombrio, que nos envolve como uma teia da qual não nos conseguimos desprender, eco dos nossos sentimentos mais intensamente mornos e doces.
Na Casa da Música às seis da tarde, a ONP dirigida por Emilio Pomàrico.

Thursday, January 10, 2008

Pavilhão Multiusos de Gondomar

Ainda que correndo o risco de cruzar universos, deixo aqui o link para o site da Cultour, www.cultour.com.pt que programa para o dia 26 de Janeiro uma visita ao Pavilhão Multiusos de Gondomar. Não será o lugar próprio para fazer publicidade ao meu projecto Cultour, mas quem me conhece sabe que não vendo banha da cobra e por isso estou à vontade para dizer que penso que vale a pena. Eu também vou, como espectadora, ver uma obra de Álvaro Siza, por dentro - ele é o meu ídolo, como arquitecto!

Tuesday, January 08, 2008

quando acontece

Muitas vezes acontece. Quando acontece, eu tenho capacidade de o ler, às vezes. Outras vezes, leio sempre dois factos, antes e depois, mas não sou capaz de os relacionar. Sempre foi para mim um enigma e um objectivo conquistar a capacidade de leitura complexa, que sobre vem ao raciocínio relacional. Mas há coincidências evidentes. As mais das vezes, as que consigo ler, derivam da música.
Ontem de regresso a casa, mergulhada em raciocínios complexos, num automóvel com a lotação completa, já noite e com chuva, liguei o rádio e mergulhamos todos nos acordes do segundo andamento do concerto em sol, para piano de Ravel.

Saturday, January 05, 2008

pequenos poderes

Muitos dos pequenos poderes constroem-se através do sonegar de informação. Deste modo as pessoas tornam-se imprescindíveis e não permitem que o seu trabalho seja avaliado.

Na função pública instituem-se muitos pequenos poderes que conduzem ao desespero de quem tem a obrigação e o desígnio de decidir e de quem gosta de trabalhar de um modo aberto e participado. Não pensemos que se mudaram muitas coisas após o 25 de Abril! As atitudes continuam a ser parecidas: as pessoas têm as cabeças fechadas, só pensam nelas, gostam de mandar e precisam visceralmente de ser publicamente reconhecidas. Conjugando estes vícios com uma fraca cultura de exercício do direito de manifestação e de participação, o quadro em que se move a função pública é deprimente. Junto ainda uma boa dose de machismo que anda de braço dado com o caciquismo e pronto, temos um dia a dia que só dá vontade de aspirar pelo fim de semana.

Ei-lo finalmente!

Tuesday, January 01, 2008

Paranoid Park de Gus van Sant

Por estranho que pareça foi o primeiro filme de Gus Van Sant que vi, embora até já tenha escrito sobre outros que não vi, de tal forma este realizador é presente na crítica cinéfila e, de acordo com muitos, portador de uma visão sobre a juventude.
Aqui discordo dos críticos: para eles Gus Van Sant tem uma visão jovem, é mais um deles. Fui ao cinema com um jovem de 16 anos, tal qual o protagonista do filme. Gostou, não o inclui entre os melhores filmes do ano, talvez porque o nosso retrato nos é tão familiar que nunca nos passará pela cabeça que possa ser destacado.
Para mim Gus Van Sant disseca com um olhar adulto e perspicaz a adolescência: mas não são precisas palavras, juízos ou conceitos psico-filosóficos: basta uma câmara, a manipulação do tempo e dos enquadramentos, para nos definir a tristeza, a solidão, ou apenas o desejo de vida, que preenche completamente este miúdo e os outros... Nunca o enquadramento está completo no sentido compositivo tradicional, as caras dos adultos quase não existem, os corpos são vistos pela metade a não ser que interesse destacar qualquer parte para a caracterização do todo. Os movimentos tem o tempo manipulado aumentando-lhes a intensidade dramática, as filmagens são muitas vezes feitas sob ponto de vista da personagem, torcidas, insólitas, apaixonantes como nas cenas de skate. Estas cenas são o sonho, a conquista do tempo e do espaço que qualquer adolescente gostaria de experimentar.
Confirmo que mesmo que este não seja um filme para adolescentes é sem dúvida um filme para os adultos limparem a cabeça de muitos dos preconceitos que a enchem... se forem capazes.