Monday, December 31, 2007

paraíso

Há algum tempo que venho iniciando o tempo do menos. Estou sozinha em casa. Nada mexe. O dia está luminoso... os bichos preguiçam de olhos dormentes. Eu arrumo livros e penso... 2008 - o ano do menos. Tirar, retirar, dar, entregar... do que é que preciso? De nada, apenas o essencial para sobreviver, o resto tenho dentro de mim. A terra é congénita. Ao longo de anos fui adquirindo sementes que pus a germinar... espero apenas ser capaz de fazer com que os outros à minha volta descubram o paraíso que possuem também, para que os possamos partilhar. Convido-vos para o meu ________ imaterial.

Sunday, December 30, 2007

ideias para juntar

Para continuar o post da Joana, antes que perca oportunidade, direi que algumas das imagens que vi ontem me perseguíram durante a noite: em sonhos e nos pensamentos que povoam o limbo entre sonos. Tão fortes e tão negras, tão gritantes e tão soturnas, tão suplicantes e tão resignadas. Será isto que nos é dado ver no culminar da vida? Será isto que nos é dado sentir no limiar da morte? Depois de algumas experiências limite, no hospital, no silêncio, no desatino, a pintura que conhecia mudou e resplandece de um vigor insuspeitado... para além da técnica exímia.
Um único senão - alguns fantasmas do passado, desnecessários, que nos distraem o olhar da essencialidade das obras mais recentes.
(algumas coisas fizeram-me lembrar Goya - eu sei que Goya é um dos seus pintores favoritos)
Confirmo que vale a pena ver.

Álvaro Rocha, Estrada de Santiago



Fomos visitar o Avô ao hospital e, depois, fomos visitar a exposição do Avô. São muitos quadros (mais de 90?) e, como sempre, alguns desnecessários. Mas é o Avô que sabemos existir, como se estes últimos anos de pintura, em que sempre se repetiu o mais do mesmo, o tivessem feito desabar nestas coisas novas. Nunca nenhum de nós teve tanta vontade de comprar uns quadros dele. Nunca nenhum de nós suspeitou que por trás do "estou a preparar uma exposição" estivesse este conjunto de quadros tão novos. Vejam-na, está em Viana, no Centro Académico - IPVC, até 13 de Janeiro. Como assinámos no livro, "Boa, Avô!", boa!

Saturday, December 29, 2007

tempo de natal

O tempo de natal é assim: em casa cedo, com dois filhos a bulir. Filmes na televisão com músicas épicas.
Hoje ao almoço encontrei-me com duas amigas: uma queixava-se do dia de Natal em casa dos sogros. Castro Laboreiro, numa aldeia, longe de tudo, segundo ela. Ouvi a descrição com a reserva mental de pensar que era exactamente o que me teria apetecido! A outra, mais próxima, contava que tinha estado em frente à televisão a ver um desses filmes românticos que falam das vidas dos casais. Sózinha no conforto morno de um lar quente, tinha-se deixado chorar. Que bom! Deixar-se chorar com o filme, sem ter que controlar as lágrimas doces...
Ainda não tive a sorte de chorar lágrimas doces neste natal!

Friday, December 28, 2007

Benazir Bhutto

Luto por Benazir Bhutto.
A morte assim mitifica ainda mais a personagem: mulher, prémio nobel, exilada, política, assassinada.
Fiquemos com o mito e glorifiquemos a mulher.

Thursday, December 27, 2007

Monday, December 24, 2007

A nossa história de Natal

De malas e mentes prontas para rumarmos a Viana para passar o Natal com o lado paterno da família dos meus filhos. O Natal estava já composto, imaginado.
Porém um telefonema aflito e atordoado de uma Avó à deriva decidiu a ida precoce. O Avô estava novamente internado no hospital. Ela estava muito confusa e não sabia bem o que se tinha passado. As compras de natal, o bulício, a obrigatoriedade de preparar a consoada em família e a solidão fizeram-na mingar, encolher perante a vida que jorra em catadupas a um ritmo que já não lhe é confortável.
No domingo, antevéspera de Natal sem projectos mas com um destino fixo, fomos a Viana - os quatro. Esperamos a hora da visita para reencontrar o Avô. Os três de cá de casa e a Avó, aqueles que partilham do seu sangue, foram vê-lo. A primeira foi a Joana, recebida por um espantado " Tu! O que fazes aqui?". No dizer deles o Avô está mais pequeno na cama do hospital. Ele vai passar o Natal no hospital.
A Avó recuperá-mo-la. Precisa de mimo, de muito mimo, dizem os netos. Vão buscá-la de tarde para o mesmo Natal, este no lado materno da família dos meus filhos.

Sunday, December 23, 2007

dia de inverno

Linhas rectas, constantes. Linhas quebradas, com pontos altos e pontos baixos, negativos e positivos. Linhas curvas ascendentes e descendentes... apenas linhas que se prolongam no infinito, se conjugam em troços, se encontram em pontos. Não fechadas e por isso não definem polígonos, não representam figuras. Apenas linhas muitas linhas sem cor. Só linhas.
Às vezes gostava de me expressar pelo desenho e pela pintura. As minhas ideias conformam-se em desenhos que vejo no espaço mas que não sou capaz de traduzir no papel ( ou simplesmente não tento). As minhas ideias e os meus pensamentos são essencialmente gráficos.
Hoje esteve um dia de sol óptimo e o Porto ofereceu-se aos meus passos, horas de passos que comeram lentamente distâncias, pararam, entraram, viram, falaram... em muito boa companhia.
Passeio fora dos tradicionais locais de compras de Natal, do Campo Alegre a Massarelos, pelos caminhos do romântico, de Massarelos ao Infante, ao Largo de São Domingos, Rua das Flores, Clérigos, Carmelitas, Carregal, Palácio, D. Pedro V e novamente ao Campo Alegre.
Com o declinar do dia encontrei Handel na Casa da Música, Messias em concerto do Natal.

Thursday, December 20, 2007

Muito bem feito

Embora tenha a sensação que ninguém me liga nenhuma aqui continuo.
Talvez seja a azafama do Natal que ilude vontades e atira as pessoas para histeria colectiva. Todos os anos, ou talvez apenas nos mais recentes, tento fugir-lhe e encontrar um modo calmo de fazer as necessárias compras ou recomposições de prendas que criam o colo para bem estar na quadra... sem ser mal entendida pelos que realmente me são queridos. Estive cinco dias de férias: passeei pelas lojas ( nunca em centros comerciais gigantes), fui ao cinema, fui a Aveiro, li na cama de manhã, fiz sudokus, transportei meninos, fiz bolos, suspiros, salames, gozei os meus pais e os belíssimos cozinhados do meu irmão, fui ao yoga, conversei com amigos e hoje fui trabalhar para amanhã iniciar o fim de semana grande e festivo - muito bem feito.

Sunday, December 16, 2007

Estamos todos malucos?

Este mundo é muito estúpido e assustador. Se começarmos a desfiar a sucessiva lista de disparates o que apetece mesmo é enfiar-mo-nos num buraco. Só que já não há buracos que nos ponham a salvo.
Na CCDR andam a discutir medidas para melhorar a qualidade do ar. Uma delas será a de diminuir a emissão de gases provenientes da combustão de lareiras! Por um lado temos que diminuir a nossa dependência energética, temos que diminuir a dependência de energias não renováveis, temos que cumprir a regulamentação térmica, criam-se centrais de produção de biomassa e por outro proíbem ou desincentivam o aquecimento através da combustão de madeira ( será que não é o mesmo que a biomassa?). Querem taxar as lareiras domésticas e pedem às Câmaras Municipais para colaborarem nessa tarefa.
E tomem nota que este Plano de melhoria da qualidade do ar parece que é mesmo para ir para a frente!
Estamos todos malucos?

Saturday, December 15, 2007

Promessas Perigosas

" Quem és tu?" esta é a pergunta que Anna faz a Nokolai já perto do fim do filme e é também a pergunta a que tentamos responder durante todo o filme e depois... já cá fora.
Num filme em que Cronenberg nos surpreende pela "banalidade" do enredo, afinal uma história de máfia, tinha que ficar esta ponta por desvendar: mas afinal quem és tu? És bom, és mau, és julgador, és conivente, és um anjo ou és demónio? Quando tudo parecia ser claro, Nikolai surge sentado no restaurante, sem outras personagens, no lugar do antigo "padrinho" que entretanto supomos foi preso. O motorista, que se tinha infiltrado na máfia para a desvendar e destruir, que ganhou o estatuto de "filho" para ser imolado, aparece sózinho no quadro do poder e capaz de tudo, tão inexpressivo é o seu olhar.
Para além de tudo o mais um filme na tradição do bom cinema clássico, uma atmosfera pesada e redonda onde o conforto e o luxo nos fazem admitir o maquiavélico: o poder do luxo, do negro, do vício: o poder do poder.
Uma boa escolha em dia de aniversário.

Promessas Perigosas de David Cronenberg com Vigo Mortensen; Naomi Wats; Armin Mueller-Stahl

Friday, December 14, 2007

No dia do meu aniversário

O dia do meu aniversário é um dia para o meu egoísmo, para os meus prazeres: cinema, ler, ouvir música, amigos a que junto a este ano também uma aula de yoga!

Wednesday, December 12, 2007

Manoel de Oliveira

" Sabe que um artista tende a duas coisas: à perfeição e ao absoluto. Não param de fazer filmes. Por isso o Fellini diz que é um vicioso, porque nunca chegou à perfeição nem nunca chegou ao absoluto. É o que acontece com os outros. Continuam a fazer filmes, filmes, filmes, na esperança de tocar estes dois pontos."
Saudável lucidez de um homem de 99 anos em entrevista ao Expresso!
Manoel de Oliveira, muitos parabéns e muitos anos de vida.

Tuesday, December 11, 2007

Academia Bizantina e Andreas Scholl

Após uma correria, ainda assim controlada e não muito stressante, aterrei na Casa da Música para ouvir a Academia Bizantina e Andreas Scholl. Não me apetece falar muito do que ouvi, apenas direi que gostei muito. Quando assim é as palavras são escassas para descrever o sorriso pacífico que compõe os olhares e os silêncios à saída. Fiquei "compostinha" como costumo dizer, muito compostinha.
Mas apetece-me falar no programa. Gosto de programas assim, coesos e coerentes: um projecto, um autor, vários interpretes que são também autores do projecto. Um concerto com princípio meio e fim, onde nada mais cabe para além daquilo que foi e onde os extras só podem ser repetições de alguma parte do que já foi feito. Assim foi para nosso contentamento.

Saturday, December 08, 2007

Trabalha, joana, vá, trabalha.


estudo (?) de icons para o portfolio

Quarto novo, casa com amigos



múúúdar é muito bom, é muito bom!

Unicornio

Friday, December 07, 2007

marcas do tempo

Aproxima-se o Natal a passos largos.
O ano passado, como adulta que sou, quase me esqueci da quadra. Fui duramente criticada pelos meus filhos. De um modo egoísta esqueci-me que eles precisam do Natal, do ambiente, das prendas, ainda que simbólicas. O Natal é também um símbolo que nos agarra à vida e aos outros. Que independentemente e para além das regras e do incentivo ao consumo tem outros significados e liberta da nossa mente sentimentos louváveis: solidariedade, comunhão, intensidade de sentimentos, que fazem falta na composição da história das nossas vidas.
No próximo fim de semana enfeitaremos a casa em conjunto para darmos início a uma quadra festiva, criando memórias que se perpetuarão para além das nossas perenes vidas.

Tuesday, December 04, 2007

Quim

O Quinzinho morreu. O Quim fez parte da nossa vida. Crescemos com ele, brincamos com ele. Era mais velho que eu doze anos, mas como o seu desenvolvimento mental parou no tempo, quando eu tinha seis, sete, oito, dez anos, brincava com ele e com os meus irmãos: os únicos primos que ele tinha da “mesma idade”. Tinha uma mala de couro com peças de madeira de cores que faziam as nossas delícias. Montávamos cidades na saleta, da casa de Serpa Pinto, e passávamos a tarde inteira a brincar. Mais tarde era o gira-discos que nos encantava, de “baquelite”, e os “singles" coloridos da Madalena Iglésias, Gioliola Cinquetti, Eduardo Nascimento ou do Rui de Mascarenhas. Tinha televisão, sabia os nomes dos jogadores de futebol de todas as equipas, as datas de aniversário de meio mundo e escrevia páginas inteiras de nomes em cadernos exaustivamente preenchidos.

O Quim aprendeu a ler, a escrever e tocava piano. Lembro-me de ir ver uma actuação dele à escola de música “Parnaso” que foi um acontecimento.

O Quim foi uma dádiva nas nossas vidas. Dizia a Joana ontem que a morte dele a tinha apanhado desprevenida, porque o Quim não tinha idade, estava parado no tempo.

Thursday, November 29, 2007

Vésperas

Não serão as de Maria Virgem, que tanto me deliciaram e ainda vêm, a cada passo, ao meu encontro.
Não sei bem o que me apetece escrever em véspera de viagem. Não tenho máquina fotográfica. Levo dois olhos grandes e abertos e um pequeno caderno. Pode ser que partilhe alguma coisa do meu sonho quando voltar.

Sunday, November 25, 2007

Control de Anton Corbijn

Porque é que gostei de "Control"?
Conheço ao de leve Joy Division e Ian Curtis. Mais por interpostas vontades e paixões do que por desafio directo. Ian Curtis morreu em 1980. Deixava eu a adolescência. Chegou-me mais tarde.
Ontem vi o filme com muita intensidade. Foi feito para ser assim: mais que uma obra de arte cinematográfica, o filme - sente-se - foi feito com a amor e devoção. Ian Curtis era uma referência para os que com ele privaram, pelo modo incondicional e idealista como viveu. Incondicionalismo e idealismo, conjugação que, no seu caso, significa depressão, insatisfação, desajuste entre imagem e capacidade de realização dessa mesma imagem.
No filme vejo um tributo daqueles que o conheceram. Uma releitura da sua vida, passados vinte e cinco anos, que talvez permita encarar o mundo sem o peso da sua personalidade. Este é um exercício de libertação do fantasma para que, perdoando-lhe a morte, voltem a ter capacidade de olhar o mundo, agora definitivamente sem ele.
Entrei neste universo a preto e branco para perceber que o limite da entrega chegou muito cedo e a incapacidade de transcendência o levou ao suicídio. A alternativa seria outro suicídio, o do sucesso prometido, que ironicamente se veio a concretizar na mitificação do ícone.

Saturday, November 24, 2007

aqui

Às vezes vagueio sózinha pelo mundo.
Pura ilusão, pelo menos aqui.
Onde me exponho ao mundo.
Ou talvez não.
Não aceito o corrector que diz que sozinha não tem acento. Já entrou em vigor o acordo ortográfico?
Às vezes, quando chego a casa penso que andei distraída: não fiz as perguntas certas à pessoa certa no momento certo.
Hoje penso assim. As perguntas surgem em catadupa: gostaste do concerto de ontem? Lá em casa, como estão as coisas? Estás triste?
Não houve tempo para verbalizar o que vai na alma...
Agora há
Tempo.

Thursday, November 22, 2007

incongruências

QREN - Quadro de Referência Estratégica Nacional
POVT - Plano Operacional de Valorização Territorial
POFC - Plano Operacional Factores de Competitividade
PORN - Plano Operacional Regional Para o Norte de Portugal

E outras siglas e temas, por Secretários de Estado e Ministros, Gestores e vogais executivos, em duas sessões ininterruptas de mais de três horas, no auditório da Universidade do Minho. Sempre atenta, a tomar notas, mais para estruturar pensamento do que para comunicar - uma exaustão!
Cansei-me mais que em cinquenta piscinas.
E para continuar com esta linguagem detectei algumas não conformidades inadmissíveis nos dias de hoje:
A sessão começou com uma hora de atraso. Não foi feito qualquer intervalo. Acabou hora e meia depois do previsto. As pessoas abandonaram a sala ininterruptamente durante a sessão da tarde, perturbando quem estava. Falaram ao telemóvel de maneira audível incomodando quem queria estar atento.
Isto é possível? Modernização e competividade são compatíveis com sessões deste tipo?
Salva-se a bonita cidade de Guimarães.

Wednesday, November 21, 2007

visões do tempo

O tempo está mais lento. A despeito da vertiginosa torrente dos acontecimentos, sobrevivem minutos serenos na constante luta contra o tempo. Desta luta se faz a sua expansão interna, criando espaços entre cada nota, cada impressão. Lembro a técnica do robato: conceito musical que consiste em alterar o tempo sem alterar o ponto de partida e o ponto de chegada - conquistando espaço dentro, para a nossa medida de interpretação do real. Esse sim um espaço perto do infinito.

Monday, November 19, 2007

À volta do barroco

...terminou hoje. Hoje Andreas Staier e no primeiro dia La Petit Bande foram momentos óptimos, para mim momentos muito altos, pelo que souberam inspirar. Aproveito também para aprender um pouco mais com o objectivo de melhor desfrutar outras oportunidades. E depois o catálogo é muito bonito e tem muitas informações interessantes.
Continuo a dizer que é um privilégio ter um espaço destes à porta. Mas a sala nunca encheu. Hoje estaria a um quarto da sua capacidade. Mesmo assim não se sentia desconforto.

Sunday, November 18, 2007

distracções egoístas

Percebi que a distracção é egoísta de duas maneiras. A primeira porque pode prejudicar os outros. Esta é paradigmática quando conduzo: uma simples distracção pode provocar um acidente.

A segunda porque quando nos distraímos entramos noutro mundo, um mundo em que só nós contamos, um refúgio.

A distracção é uma falta de respeito pelos outros.

Há tempo e lugar para tudo, no lugar certo e à hora certa.

Friday, November 16, 2007

POR FAVOR!

RESPONDAM-ME A ISTO POR FAVOR!!!

diospiros

Nas minhas prendas de anos conto com três árvores de fruto: uma macieira, um limoeiro e um diospireiro. É deste último que vou falar.
Tem cinco anos e é a quarta vez que dá frutos. Ainda é pequeno, mas este ano tem sido pródigo em frutos de um modo educador. Vai oferecendo parcimoniosamente pequenos conjuntos de frutos maduros que me obrigam à contenção. Porque eu sou daquelas que não resisto à cor, à textura, ao sabor, ao prazer da oferta. Dá-me imenso gosto dividi-los em sacos pelos amigos queridos que são da mesma categoria que eu - adoram diospiros.
De manhã antes do pequeno almoço como um. À noite quando chego para fazer o jantar deleito-me com outro. Conheço-os na árvore e espero lentamente que amadureçam.
Há um, lá no alto, que espio. Não lhe chego e há semanas que me desafia. Talvez o comam os pássaros ou caia ao chão e se desfaça. Entretanto contenta-me os olhos só de o ver e faz-me sonhar!

Tuesday, November 13, 2007

paixões

Pode-se exigir aos adolescentes que eles dêem sem esperar retorno? Pode-se pedir aos adolescentes que esperem? Pode-se explicar-lhes que há ritmos diferentes e que às vezes eles não estão certos, mas se soubermos esperar o momento certo eles, por vezes condizem? Pode-se ensinar a viver o desgosto com calma, como um luto que nos constrói por dentro?
Talvez não. A adolescência são momentos de fogo e de gelo, de abnegação e de crueldade, tudo misturado e sucessivo ou, por vezes coincidente.
Hoje Miguel Real, que apresenta o seu novo livro sobre o amor de Snu e Sá Carneiro, dizia, o que outros disseram e dirão, que a história só reconhece como grande amor o amor trágico!

Saturday, November 10, 2007

focagens

Voltando a este tema. Quantas são as vezes que o projector de slides ( que imagem tão antiquada!) tem que focar? Se se lembram contava que o meu projector de slides não foca logo. Entre a entrada da imagem e o momento de a visualizar, o projector procura alguns segundos, a focagem certa. Cada vez mais me acontece. Focar em função do momento, da pessoa, do contexto. O problema é que a focagem é cada vez mais difícil, porque a distância entre o ponto de partida e o de permissão de visão pública é mais distante.

Friday, November 09, 2007

individual e colectivo

A dissociação entre o eu colectivo e o eu individual. O eu individual espraia-se em individualismos enquanto que o eu colectivo se redime nos caminhos da reivindicação. Mais espaços verdes, mais equipamentos desportivos, mais qualidade ambiental, água e saneamento, um território ordenado. Mas quando estes mais implicam um menos para o eu individual (ista) a "porca torce o rabo". Tenho o saneamento à porta mas acabar com a minha fossa implica pagar uma ligação ao colector e pagar uma taxa mensal, por isso continuo com a minha fossa e a política colectiva que se faça no terreno do meu vizinho. A lei obriga, mas eu não faço, mas a lei obriga... e entretanto escrevo um artigo para o jornal a reivindicar quilómetros de rede para ter a tão famosa qualidade ambiental.
Desenvolvemos este tipo de esquizofrenia colectiva sem que isso perturbe a nossa paz, conseguindo construir, num plano completamente abstracto, uma filosofia distorcida de vida.

Wednesday, November 07, 2007

Esperada Sícilia

" Inesperada e funesta é a trajectória que a vida traça aos nossos destinos individuais. Anos antes, em Chipre, eu não poderia ter previsto a sua vida e morte sicilianas. Na verdade, o convite siciliano era antigo e o projecto de uma visita a Naxos fora adiado durante muitos anos. Mas existira sempre." O Carrossel Siciliano; Lawrence Durrell
O convite feito pelas palavras de Durrell existia há muito! Será matéria em breve, quando...
" Mas agora o avião pairava e inclinava-se e o entardecer verde, a escurecer sobre os plainos de campos coloridos que cingiam Catânia, subia ao nosso encontro. A ilha estava ali, por debaixo de nós." do mesmo Durrell no mesmo livro.

Tuesday, November 06, 2007

Entretanto

Desde o momento em que descobri que a minha carteira tinha sido roubada, em Madrid, até que cancelei o meu cartão de crédito andaram a fazer compras com ele numa loja de nome Today's Man ( €2190,00). Ora bem, uma boa prenda para um ladrão! Esperemos que o retorno funcione. Contarei o desfecho.

Saturday, November 03, 2007

O yoga da Maria.


A nova prática da Maria, o Yoga, que vai crescendo como mania. Ela aponta e desenha para se tornar "pro" e surpreende-nos sempre com a sua macacada tão bem desenhada. Ó, como é bom estar em casa!

Wednesday, October 31, 2007

Duas ideias

A primeira: a passividade activa constrói-se na consciência do que somos, sem nada ter que provar a ninguém.
A segunda: A consciência do que somos dá-nos a perceber a nossa insignificância.
Não sou mais do que um ínfimo elo de uma cadeia, mas porque é um elo, une a cadeia , tem um significado insignificante no conjunto de todos os elos.

aguardemos

Ainda que a vontade seja alguma, o tempo é pouco. Repartido entre trabalho, lida da casa complicada por circunstâncias imprevistas e outros afazeres quotidianos, quase só dá para vir aqui ver se há algum sinal dos outros e da outra. Por isso paciência é o que se espera e perseverança o que se propõe. Até novos dias mais calmos.

Friday, October 26, 2007

Parabéns JOANA

Amanhã a outra blogueira faz anos. Como não tem vindo aqui espreitar, consta que anda muito ocupada noutras paragens cibernáuticas, ficam já os parabéns, meus e vossos, dos que tem saudades dos seus post's.

Thursday, October 25, 2007

Como os espaços influenciam a audição

Ontem voltei ao Teatro Circo para ouvir David Sylvian. Já lá tinha estado a ouvir Philip Glass. Da primeira vez muito pior instalada. Desta, apesar de melhor, mal também. Decididamente penso que este teatro foi mal recuperado. Talvez porque a pré-existência, e a decisão de a manter, não tenha permitido a adaptação às novas necessidades regulamentares... e sobretudo de conforto pessoal. Os espaços de ante-câmara entre a rua e a sala de espectáculos são muito maus, exíguos, atrofiados, demasiado expostos ao exterior. Os apoios, como as instalações sanitárias, insuficientes e metidos "a martelo" no edifício pré-existente. Tudo isto cria uma atmosfera proviciana e devassada que me perturba. Já não gosto de ver pessoas a entrar e sair durante os espectáculos nem de ver portas a abrir revelando a luz crua dos corredores. Não gosto das cadeiras, nem dos espaços entre elas, demasiado apertados, mesmo para uma pessoa de dimensões módicas, como eu.
E em David Sylvian o espaço é muito importante. O conforto que permite a ausência e o alheamento são essenciais. A música não é permissiva à devassa do espaço pessoal necessário à audição como experiência individual. David Sylvian merece uma cama, um colchão, tapetes ou simplesmente um espaço ao livre pleno de natureza.
Talvez na Casa ... da Música fosse melhor. Ele, o próprio, para mim foi bom.

Sunday, October 21, 2007

A casa e a Música

Às vezes a casa sobrepõe-se à música. Às vezes a casa também é música. Casa e música misturam-se.
Quanto ao concerto, soube-me bem. Talvez não fique nada de excepcional na memória para além de um António Saiote sempre impressionante. Vivo, próximo, humano, sem preconceito. E depois toca muito bem: um clarinete com alma.
Sibelius e Prokofief já conhecia, ainda que não muito bem - mesmo para o padrão de uma leiga. Bolcom - a novidade. O universo e a cultura americana sempre me atraíram e gostei - à medida do despretensiosismo de Saiote. Ecléctico e mix, os nossos ouvidos e a nossa pele podiam ouvir e arrepiar-se de muitas maneiras, ou não. Podiam simplesmente descansar, foi isso que fiz sem muito esforço.
Mas a casa, o anoitecer dentro dela é sempre bom. A cortina negra vai-se tornando mais negra pela ausência de fundo oferecido pelo anoitecer.
É bom viver no Porto. Ou será assim porque a casa nos faz sair do Porto?

Saturday, October 20, 2007

estamos podres

Dou comigo a pensar que não sou deste tempo. Ou ando a dormir, ou sou inocente .
Fui educada segundo princípios de integridade, de verdade para além da aparência, de espírito de entreajuda, de solidariedade. A metáfora do que presencio é o de um fruto, por exemplo uma maçã ou um pêssego, muito bonitos e perfeitos por fora e completamente podres por dentro. Cheios daqueles lagartinhos brancos que perfuram o fruto, minando-o por todos os lados, criando cavernas que inutilizam e apodrecem todo o interior. É assim que vivemos. Olhamos para as pessoas e vemos caras, pintadas e esticadas, sem sonharmos que as suas vidas se fazem de arranjos, prisões, mentiras. Estão todos presos uns aos outros por malabarismos inconfessáveis mas sempre tolerados, pelos medos gerados por quem tem telhados de vidro.
Tenho saudades das famílias que contavam o dinheiro que tinham e viviam à medida do pouco que possuíam. Não do miserabilismo, mas do orgulho de ser sério.
Espero que este discurso não seja interpretado como retrógrado ou reaccionário... porque para mim reaccionário é quem vive de fachadas mantidas à custa do dinheiro de plástico.

Wednesday, October 17, 2007

guerra

Não tenho grandes reflexões para este lugar... talvez porque simplesmente não me apetece puxar pela cabeça. Trabalho o dia inteiro, um BI para renovar em corrida à loja do cidadão, um texto para escrever à noite e ainda o documentário Guerra, hoje em estreia. Não gostei dele como documentário, como objecto, mas enriqueceu-me, porque soube algumas coisas que não sabia. O Pedro viu comigo. Parece impossível como conseguimos rir-nos perante tamanha crueza. Talvez qualquer coisa não esteja bem, ou então, mesmo na altura, muita coisa não esteve bem.

Sunday, October 14, 2007

Avô

Isto hoje é muito sério…não que habitualmente não o seja.

O Avô dos meus filhos está doente. Cheguei a casa à hora do almoço e disse que ia vê-lo. Não é perto e a decisão da ida implicava a “perda” de um sábado. De imediato os dois disseram que também iam. Eu não disse: “ Meninos, vêm comigo ver o avô.” Eles disseram espontaneamente que iam. Aliás a Joana já o tinha dito antes.

O Avô está doente. Esteve no hospital e está muito debilitado. Quando lá chegamos estava sozinho porque a Avó tinha ido às compras. Ficamos cerca de uma hora a falar com ele, sobre teatro, sobre literatura, sobre desenho, sobre pintura, sobre a experiência do hospital. Há muito que não o fazíamos. Ele sempre foi a personagem superior e distante que distribui máximas e repreensões veladas pelos netos, sobretudo por estes, que são mais “destemperados”. Hoje era um homem frágil, humano, sensível que se emocionou com a nossa – deles- presença.

Isto leva-me a reflectir sobre a tendência para esconder a doença, a velhice ou a morte às crianças e aos adolescentes. O contacto com estes lados da vida só os enriquece e os faz mais homens e mais sensíveis. Eles não precisam de procurar emoções feitas ou induzidas para sentirem. Regressaram felizes e eu com eles, em paz.

Saturday, October 13, 2007

The pillow man

Os lugares sociais condicionam o relacionamento humano. Só é possível estabelecer relações de amizade em situações de equilíbrio. A admiração incondicional ou a dádiva calculista mascaram a entrega gratuita. Ser em relação sem esperar, ser à vontade na certeza que há sempre um ombro para chorar, incondicional e gratuito, é bom. The pillow man, ainda que não na acepção da peça de teatro, porque não troco a vida pelos sofrimentos futuros, ainda que sejam muitos! Porque a felicidade ( palavra vã) se faz da soma de muitas infelicidades - ou como nos ensina a matemática menos com menos dá mais.

Wednesday, October 10, 2007

Conta-mina em Madrid

identidade

Ouvi uma entrevista com o psiquiatra Pio de Abreu que dizia que a nossa identidade se define através da imagem que os outros nos devolvem. Hoje reflectia nesta circunstância da definição da identidade individual, que não se define por si só, mas precisa de ser devolvida pelos outros para que dela tenhamos consciência – um paradoxo irónico, sem dúvida! O individual uno e solitário não existe se não houver outros que reflictam a sua imagem. Um eremita no meio do deserto não se concebe a ele próprio como ser com identidade?

Tuesday, October 09, 2007

Goya

À parte alguns percalços que me impedem de ilustrar com imagens momentos geradores de estados de alma, venho de "barriga cheia".
De todas as experiências uma se destaca, pela particularidade de ser o motivo próximo da ida e pelo prazer que proporcionou.
Sábado de manhã, um dia luminoso. Direcção interface Príncipe Pio. Rumo Glorieta de Santo António de la Florida para visitar a ermida do mesmo nome. Uma ermida pequena, com a densidade e a clareza que lhe é conferida pelo estilo neo-clássico, erigida entre 1792 e 1978, segundo desenho de Felipe Fontana, para substituir uma outra, mais antiga, ambas dedicadas à devoção de Santo António - o nosso, o de Pádua, como é referido na literatura.
Entramos pelo lado esquerdo na nave e ao mesmo tempo que elevamos o olhar as imagens agarram-se à nossa pele e transportam-nos para um espaço entre... o céu e a terra, onde os dois se misturam. Imagens transparentes, cheias de leveza e movimento, enigmáticas, terrenas, à espera do milagre que ali se realiza, no momento. O espaço envolvente à igreja, entrada, sacristia, loja, salas, de uma escala caseira e acolhedora, enfatizam a sensação de grandeza que experimentamos quando entramos no corpo da igreja, afinal uma pequena ermida. ( A escala é matéria que poucos sabem dominar.)
Goya foi convidado para decorar a igreja com frescos em 1798, quando recuperava da grave doença que quase o levou à morte e que sem dúvida o transformou. Também aqui tem tanto de luminoso como de negro, tanto de humano como de divino.

Thursday, October 04, 2007

Madrid

De partida para a capital do país vizinho. Até Domingo!

Wednesday, October 03, 2007

O corte

Afinal o corte não foi substancial. Mesmo assim em conjunto com outras mudanças de hábitos e de horários, espero que resulte nalguma diferença.

Monday, October 01, 2007

“ A mulher é o bicho mais complexo.”

Uma das frases de Aquilino naquela entrevista de que falei, marcada pelo tempo, penso. Penso mais: seria inadmissível hoje chamar à mulher "bicho". Seria inadmissível, que um homem da estatura de Aquilino, assim se referisse à Mulher numa entrevista na rádio nacional. No entanto, à parte o "bicho" aqui tido em consideração depreciativa, pode exprimir apenas estranheza para sua compreensão de homem. Os homens e as mulheres - como se fôssemos duas faces da mesma moeda que tem entre si um muro, que não deixa ver o outro lado.

Thursday, September 27, 2007

Corte de Cabelo

Cortar o cabelo é uma catarse. O corte de cabelo é o acto que mais me transforma. Quando estou deprimida, quando quero um novo folgo, quando quero mudar, sentir-me leve, solta, confiante - vou cortar o cabelo. Para além de me dar imenso prazer a acção integrada do corte ( olhem que expressão tão moderna!), a lavagem, a tesoura, a secagem, a conversa ( minha ou a que ouço dos outros), quando saio sou outra ( embora me apeteça vir logo lavar novamente a cabeça para desfazer a obra de arte da profissional do corte).
Não sou a única! O efeito benéfico do corte parece colher adeptos em muitos extractos: novos, menos novos, velhos, deprimidos, eufóricos, comuns, homens, mulheres, padres ( as freiras não sei, escondem o cabelo!), carecas, de cabeleira farta, de cabeleira rala, atrevidos, discretos. Muitos.
Na próxima terça feira vou cortar o cabelo!

Sunday, September 23, 2007

Os relógios do Avô

Ouvia uma entrevista feita em 1955 a Aquilino Ribeiro por Igrejas Caeiro. Ao fundo ouvi um relógio a bater as horas e tive saudades do meu Avô.
O meu Avô tinha a paixão por relógios. No salão enorme da casa de Cimo de Vila os relógios batiam as horas ao mesmo tempo. Ele levanta-se de manhã e a primeira coisa que fazia era dar corda aos relógios e acertá-los, ao segundo, pela hora da emissora nacional. Depois da tarefa dava um pequeno balanço ao pêndulo para ele continuar a trabalhar, a marcar o tempo. Também tinha relógios de bolso e de pulso que tratava com a mesma dedicação. Um deles foi o meu relógio durante muitos anos, um relógio grande, um relógio de homem, de mostrador creme e com os números bem desenhados. Quando se adiantavam ou atrasavam, ele abria-os e com a lâmina do canivete, que trazia sempre no bolso, "dava ao zarelho", expressão que usava para expressar o acto de empurrar uma pequena alavanca interior.
Em Melcões, casa mãe da Beira Alta, também tinha relógios. Quando lá chegávamos a primeira coisa que fazia era pô-los a trabalhar. Quando, raramente, íamos lá sem ele e telefonávamos, perguntava sempre: "Já deste corda ao relógio?"
Tinha doze netos. Quando acabávamos a quarta classe e entrávamos para o liceu, o Avô oferecia-nos um relógio que íamos com ele escolher à Relojoaria Adriano, que ainda existe, entre a Rua das Flores e o Largo dos Lóios - o meu era rectangular.

Saturday, September 22, 2007

Marmelada


Aqui está a de 2007! Bem feita. Menos do que o costume, mas mais doce e mais densa. A prática assim o destina a experiência assim o confirma.

Friday, September 21, 2007

Ideia recorrente

...ou filosofia de vida.
Cada vez mais me convenço e acredito verdadeiramente, que o crescimento ( ou dito de outro modo) que a nossa realização como ser individual e integro, se faz não através do que adquirimos, mas daquilo que perdemos, recusamos.

Eficiência

Sem confundir eficiência com eficácia, conceitos, ou diferenciação de conceitos tão na moda dos nossos gestores ineficientes e ineficazes, estou aqui para apenas dizer que:
- terça-feira enviei a Ilíada para troca;
- quarta -feira recebi um email que noticiava a sua chegada;
- hoje cheguei a casa e ela já cá estava!
Eficiência ( gosto mais desta) é a palavra que se me sugere.

Thursday, September 20, 2007

Setembro

O princípio do ano em Setembro (os anos durante uma época da vida contam-se assim) é sempre difícil. O meu lema é cada dia por si, até acertar a rotina - maravilhosa e libertadora rotina! Cada dia é diferente: acertar horários, combinar transportes, montar ambientes, fazer marmelada...
é assim em Setembro. A tarefa de encapar livros já acabou e por isso aquele post que fiz há dois anos ( 19 de Setembro de 2005), sobre esse tema, que fez chorar a Joana ausente, foi ultrapassado pela vida.Hoje as tarefas são outras, as autonomias são gratificantes - os meus filhos, para além de filhos, são pessoas completas (ou quase) que me libertam para as tarefas do prazer de os ter.

Wednesday, September 19, 2007

A odisseia da Íliada

Após a profícua leitura de "Mancha Humana" de Philip Roth aventurei-me novamente na Íliada. Embebida na epopeia cheguei à pág. 124, quando deparei com uma, duas, dez, onze páginas não impressas que interromperam a minha deleitada leitura. Escrevi para as edições cotovia, porque tinha comprado a edição na feira do livro de 2006 e já não possuía qualquer prova de compra. Eficientes, responderam-me no dia seguinte, dizendo que deveria devolver o livro, com cobrança na recepção e ser-me-ia enviado um novo.
Assim fiz. Hoje fui ao correio e expliquei a situação. Pergunta-me a senhora: " A pagar em Lisboa, os portes só, ou os portes e o conteúdo?" "Desculpe, não percebo, disseram-me apenas que deveria ser pago pago lá." " Tem que pagar cá e depois é-lhe devolvido o dinheiro. Quanto vale o conteúdo?" "Sei lá", respondi e logo de seguida perguntei " O quê, o livro? Não vale nada, está estragado." e lá percebi: provavelmente perguntava-me se eu estava a mandar o livro para venda! Então respondi: " Só os portes!"
Quando as pessoas fazem sempre a mesma coisa, adquirem vícios de linguagem e de raciocínio, que são inintiligíveis para os comuns dos mortais, que só vão ao correio enviar encomendas a pagar no destinatário uma vez na vida!

Monday, September 17, 2007

precalços

Depois de três semanas de férias verdadeiras acontece isto: quero entrar no meu PC em casa e não consigo: esqueci-me do nome do computador! Tive que vir ao de recurso para procurar umas coisas na net, mas não posso a aceder aos meus documentos pessoais e bem me apetecia. Talvez seja bom assim, porque vou descansar mais cedo.
Talvez mude o modo de escrever neste blog porque a minha parceira está cansada. Talvez faça sentido organizar de outro modo o tipo de reflexões e torná-las mais temáticas e menos anárquicas e pessoais. Sendo que serão sempre as minhas opiniões e nunca as minhas confidências: como nunca o foram. As confidências e os segredos guardam-se, porque eles são a nossa força e permitem a construção do nosso(individual) caminho. Mas acho que vale a pena partilhar algumas das reflexões mais ou menos abstractas, que se impõe a uma mulher de meia-idade e mãe de dois filhos, de sexos diferentes, em rota de diáspora. Veremos

Saturday, September 15, 2007

Nódoa


Este é o famoso Nódoa. Gato estranho, muito estranho, com comportamentos indecifráveis se olharmos para ele enquanto animal.
Este é o Nódoa hoje de manhã, quando se aventurou em malabarismos já habituais. Onde está o gato? Em cima de uma viga do pé-direito triplo!

Friday, September 14, 2007

Praia


A praia em Setembro mantém intactas outras marcas durante mais tempo, muito tempo, até que o mar as lave, até que o mar as leve.

Thursday, September 13, 2007

Meteorologia

Hoje o mar estava óptimo e o sol também.

Wednesday, September 12, 2007

Mar

Hoje o mar não me apanhou e eu mingo. Sou do mar.

Tuesday, September 11, 2007

O Grande Silêncio

O efeito do filme quase passou depois de uma manhã passada na conservatória e nas finanças da Maia para desipotecar a minha casa. As finanças registaram mal o prédio, enganaram-se no número de pisos da casa e agora tenho que pedir uma nova certidão na Câmara Municipal, para depois pedir a actualização do registo nas finanças, como se eu tivesse modificado a casa, que não modifiquei. Até me deu vontade de chorar, quando me vi enredada nos papéis, nos erros dos papéis, que ditam sempre mais do que a realidade. Mas ficará assim: para efeitos legais a minha casa não tem andares, mas tem um corpo com r/c e andar e na realidade tem três pisos. Viva a trapalhice!
Decerto que a paz e a felicidade só podem morar no alto dos montes mais altos, em vida de silêncio e meditação.
As três horas do silencioso filme trouxeram-me perguntas, dúvidas, perplexidades, mas deram-me também a tranquilidade que esperava obrigando-me a, desprotegida, "aguentar" a maratona fílmica das horas no interior e exterior da Grande Chartreuse, casa mãe da Ordem dos Cartuchos. Tem o tempo certo para nos levar e elevar.
De Philip Gröning, ontem à noite no Teatro do Campo Alegre.

Sunday, September 09, 2007

tralha

Detesto fazer arrumações. Juntamos tanta tralha, tantas coisas inúteis que depois guardamos para a inutilidade. Não vale a pena arrumar, guardar, para depois perdermos o lugar e a memória do que guardamos. Guardamos para a inutilidade.
Mas também não gosto de deitar fora. Lembro-me das montanhas de lixo que produzimos. Das toneladas de lixo que produzimos diariamente neste mundo estúpido. O que deito fora podia fazer falta a alguém? Mas a quem? As cadeias estão desfeitas e mesmo que as demos a instituições de solidariedade, sabemos a que as coisas não vão parar aos sítios certos ou ficam a apodrecer noutro lugar qualquer.
Mesmo que decida comprar só o essencial chegam cá a casa imensas inutilidades: oferecidas como bónus, como prendas, como brindes ou mesmo recolhidas por nós próprios. Se não deitamos fora e não compramos quebramos as cadeias produtivas. Se deitamos fora produzimos lixo. Se guardamos afogamo-nos em tralha e ficamos sem espaço.
Finalmente, nestas maratonas de arrumação, dá-me uma fúria e deito fora, deito fora, deito fora...
Queria ter uma casa vazia para não encher. Queria viver apenas com o essencialmente necessário à vida ( ou à sobre-vida?) - outra questão. E os livros, a música, os papéis escritos...também esses me são cada vez mais acessórios.
Gosto de os trocar com os meus amigos.

Saturday, September 08, 2007

gatinhos II

O Eurico voltou. "O gatinho está bom?" perguntei. "É mau mas está bom." e mostrou as mãos mordidas. "Mas o meu amigo também quer um gatinho." O amigo é um grandalhão, feio que não inspira muita confiança. Mas terá também um gatinho, amanhã.
Parece que dei em fornecedora de gatos da vizinhança, da desconhecida vizinhança.

Friday, September 07, 2007

o gatinho

“ A senhora tem um gatinho?” Eram quatro e meia e tinham tocado à campainha dois miúdos. Perguntei de longe o que queriam e o mais pequeno disse-me “ Tem que vir cá”, para de seguida me fazer a pergunta. “Tenho”, respondi. “É que eu queria um gatinho. Já tive um mas fugiu. Já perguntei à minha mãe e ela disse que podia ter um gatinho.”

Iniciamos a caça aos gatinhos. Pequenos, são seis agora. Fugiam, enquanto os miúdos desesperados, tentavam agarrá-los. A minha inabilidade e apreensão não ajudaram nada. Então propus: “ Voltem às sete horas que o meu filho já está e ajuda-vos.” Lá foram tristes. Passado um quarto de hora voltaram a tocar. O miúdo mais pequeno, o que falava e queria o gatinho, já o tinha ao colo. “O senhor aqui do lado ajudou-me a apanhá-lo. Eu disse que podia, que a senhora me dava o gatinho”. “E tu vais tratar bem dele?”, respondeu-me logo “Vou, eu gosto muito de animais”. Perguntei-lhe como se chamava “Eurico”, respondeu-me. “Quando passares aqui à porta toca para me dizeres como está o gatinho.”

Foi embora feliz, senti-o.

Thursday, September 06, 2007

sol mar


Foi-me dado o privilégio do sol e do mar. Aproveito-o sem hesitar.
Binómio que me carrega de vida. Assim também o é com as plantas e com os outros animais.

Wednesday, September 05, 2007

os tempos

Parece que estamos todos de férias...até o conta-mina. Mas estamos acessíveis, embora preguiçosas até para estas andanças. A praia do sul prolonga-se no norte, com muito bom tempo e bons banhos à medida do nosso apetite. Por isso nada de reflexões "profundas" que dão muito trabalho a alinhavar.
Apenas uma, sugerida como quase sempre por uma entrevista, sobre a dificuldade de representar um texto escrito. Essa dificuldade tem a ver com o tempo. Quando falamos, o pensamento e a organização do discurso estabelece um tempo ( a alguns sairá melhor e a outros pior, mas o tempo não é coisa que nos preocupe quando falamos - às vezes até temos tempo a mais, porque as palavras não saem). Quando estamos a reproduzir um texto escrito é preciso criar-lhe um tempo, senão ele não tem consistência, nem é credível. Aí está a dificuldade da representação teatral.
O mesmo já não se passa quando se interpreta um texto musical porque a própria música dita o tempo.

Sunday, September 02, 2007

À noite, no Alentejo.

porto


...mas há sempre um porto para abordar.

água


É sempre a praia, é sempre o mar. Eterno retorno à água em pacíficos embalos, em voltas sem retorno.

Monday, August 27, 2007

Transmutações

A casa transmuta-se. Acabaram as horas e com elas a escravidão dos minutos e dos segundos. O mar estava calmo, o tempo quente, a praia quase deserta ( evidentemente uma bela metáfora). Conversamos na água enquanto nos sustínhamos que nem patos ao sabor da ondulação lenta com uma traineira ao fundo. A água estava límpida ( isto não é metáfora embora seja uma raridade.)
O pátio é mágico bem como a concentração do conjunto das quatro pessoas às duas da tarde ( li-o pelo sol e pelo sentimento porque não há relógios em férias). A música "2008" uma bela surpresa que veio da janela do primeiro andar.
Pergunto como é que fui capaz do construir esta atmosfera? E se penso que me estou a valorizar, pondo-me criadora deste estado, olho pelo outro lado e agradeço a Deus ser-me dada a capacidade de ler, sentir.

Saturday, August 25, 2007

saber ler

Muitas são os pensamentos para transformar em post's que desde manhã me sugestionaram. No entanto uma pergunta e resposta, ouvidas em entrevista na antena 2, conquistam a dianteira. Perguntava o entrevistador a um velho apanhador de ameijoas " ...e sabe ler?", ao que ele respondeu: " Eu sei ler, sei. Não sei ler é as letras".
A resposta concretiza a sensação que tenho: hoje, muitos sabem ler as letras e não sabem ler.

:

Gostei da forma como José Luís Peixoto usa os dois pontos. Dois pontos, dentro de dois pontos, dentro de pois pontos e assim sucessivamente. A partir daí já os usei, aqui também neste blog.
Acho uma boa maneira de traduzir o pensamento, de o aproximar a linguagem escrita.
São tantos os discursos dedutivos, as cadeias de pensamento, que é difícil traduzi-las em texto a não ser deste modo. Assim posso passar de uma ideia para outra e para outra, sem as desligar, mas também, sem as prender excessivamente.
Gosto desta escrita desprendida em que a regra não espartilha o pensamento, em que a estrutura se pode desestruturar sem medo... e por isso a gente lê sempre sem a sensação de que tudo tem que ser coerente e inteligível por partes. No fim resta um todo forte que nos agarra e se recorda.

Thursday, August 23, 2007

televisão


A primeira televisão que compramos, quando fomos viver juntos era a preto e branco. Já havia televisões a cores mas eram muito caras. Quando em casa quis ver uma série de culto, que se chamava " A Jóia da Coroa", julgo, e era passada na Índia, cedi à proposta do meu pai e fui trocá-la por uma televisão a cores. Ainda hoje funciona, sem comando e sem controlo do volume do som, mas tem uma bela imagem. Depois compramos outra há quinze anos. Trouxe-mo-la para a nova casa e agora tinha uns riscos verdes, fixos,e a imagem era toda em tons de rosa.
Hoje quando cheguei, não estava ninguém em casa. Uma hora depois chegaram com uma televisão nova "LCD"!
Será que vou ver mais televisão? Não me parece. O divórcio da televisão começou há anos por outras razões que não as da qualidade da imagem. Selecciono os programas que vejo e alguns dão-me muito gozo. Continuarei a fazê-lo do mesmo modo, só que agora os meus olhos verão de outro modo.

Tuesday, August 21, 2007

... e agora...

Estas pré-férias são boas. Regressei a tempo de fazer um bolo para o jantar e de ficar a conversar no pátio ao fim da tarde. Outra novidade deste tempo é que não há mais ninguém na casa para além de nós: os quatro, o que significa: arrumar a casa, lavar roupa, passar a ferro. Tudo isto cá para a mulher. Sabe-me bem, mas não vou deixando uns recados invisíveis : gostaria de ter algumas surpresas!

músicas

Recordo um livro, que li há muitos anos, seguramente mais de vinte e cinco, do Fernando Lopes Graça, que era do meu pai. Recordo que ele escrevia, ou foi simplesmente isso que eu li no que ele escreveu, relê-lo-ei com olhos mais cansados agora, que a música deve ser apreciada por ela sem recurso a imagens literárias. A música não tem que evocar o mar, o vento, a primavera, nem sequer sentimentos: gera sentimentos. O verdadeiro amante de música ouve e sente a música. Dizia o Pedro em conversa que a música é a mais completa de todas as artes, porque não precisa de usar outro sentido senão a audição. As outras artes experimentam-se por diversos sentidos. Eu contrapunha com a pintura: a pintura usa só um sentido. Mas a música acrescenta outra dimensão: a do tempo: a música é passado presente e futuro - o instante não é música.

Saturday, August 18, 2007

descobertas

Hoje de manhã fui nadar. O programa é sempre o mesmo: 20 piscinas de crwall; 12 de bruços; 14 de costas; uma de mariposa; uma de costas; uma de bruços e uma de crawll para terminar. Ao todo 50 piscinas x 25 metros ... é só fazer as contas!
Mas hoje de manhã aventurei-me nas escadas que via alguns subirem. Usualmente a piscina está vazia, ou quase. No cimo das escadas encontrei um jacuzzi. Entrei e boiei na água quente e turbulenta durante alguns minutos.
Este deixou de ser um segredo para se tornar um prazer!

Friday, August 17, 2007

Outro de David

Canção amarga

Que importa o gesto não ser bem

o gesto grácil que terias?

- Importa amar, sem ver a quem...

Ser mau ou bom, conforme os dias.


Agora, tu, só entrevista,

quantas imagens me trouxeste!

Mas é preciso que eu resista

e não acorde um sonho agreste.


Que passes tu! Por mim, bem sei

que hei-de aceitar o que vier,

pois tarde ou cedo deverei

de sonho e pasmo apodrecer.


Que importa o gesto não ser bem

o gesto grácil que terias?

- Importa amar, sem ver a quem...

Ser infeliz, todos os dias!

Invólucros

Invólucros, caixas, receptáculos, balões, qualquer coisa que recebe, que acolhe, que tem que ter sempre espaço, até...
Mulher, mãe, companheira, aguenta sempre, tem que aguentar sempre...SEMPRE.
Até sempre.

Há uma tomada que se desliga, um interruptor que interrompe. Há um outro lugar, outro, outro, outro.

Frases entrecortadas, choros, desesperos, desencontros... muros.

Hoje uma amiga vinda de África falava-me de outros problemas, mais evidentes, mais primários, de sobrevivência. Será que sim? Será que é assim?

Wednesday, August 15, 2007

David Mourão Ferreira

E por vezes


E por vezes as noites duram meses

E por vezes os meses oceanos

E por vezes os braços que apertamos

nunca mais são os mesmos E por vezes


encontramos de nós em poucos meses

o que a noite nos fez em muitos anos

E por vezes fingimos que lembramos

E por vezes lembramos que por vezes


ao tomarmos o gosto aos oceanos

só o sarro das noites não dos meses

lá no fundo dos copos encontramos


E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes por vezes ah por vezes

num segundo se evolam tantos anos


David Mourão Ferreira, Matura Idade 1973

Antologia Poética, Publicações D. Quixote, 1983

Tuesday, August 14, 2007

as férias dos outros

... não são as minhas férias. Não anseio nenhum idílico lugar, apenas parar de trabalhar por alguns dias. Esses idílicos lugares são onde eu estiver, sem relógio, sem tarefas. Esse idílico lugar sabe-me a Douro, a Beira-Alta, a "terras do demo" feitas de pedras e de centeio, do calor que se vê às três da tarde. Lá estará uma pedra à minha espera, para me deitar de barriga para o ar a olhar o céu de olhos fechados e ver o zumbido dos insectos inacansáveis.

Friday, August 10, 2007

Era uma certeza que construíra nos meus olhos

quando acordei, não sabia do mundo senão a derrota.

acordei com a música e com os gritos de terror

que atravessavam as paredes.


lá fora, os pássaros a voarem na claridade,

vozes distantes sopradas pela aragem.


eu sentia que as palavras que podia dizer

eram ridículas. eu acreditava que nascem lugares

para o amor e que, nesses jardins etéreos,

a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto

suavemente.


José Luís Peixoto, A casa a escuridão

Cemitério de Pianos

Hoje apanhei a reedição de uma entrevista com José Luís Peixoto sobre o livro "Cemitério de Pianos". Faz hoje oito dias devorei quase todo livro, que acabei no sábado. Esta semana, Maria, Marta, Francisco, Simão, Ana, Elisa, Íris e Hermes, misturaram-se com a mãe o pai, as memórias, as deles, a dele e as minhas. Fiz no meu caderno estruturas que me ajudassem a perceber as relações familiares e concluí que a estrutura é um circulo que se fecha em si próprio. Como a vida - circular. E nós sempre à espera que o círculo se transforme em espiral, que tenha uma ponta que nos conduza ao infinito.
Apesar da sua desestruturação, assumida e justificada conceptualmente pelo autor, para mim o livro surgiu perfeitamente coerente, tão coerente quanto a desestruturação da forma se agarra à do pensamento e este à nossa maneira de pensar a vida e de a comunicar.
Eu já gostava dele, do escritor. "Morreste-me" foi-me querido, bem como a forma pura da sua poesia. Perto de mim, perto de nós, perto do modo intenso, livre e melancólico como me situo nesta teia dos afectos e dos factos que constroem o meu quotidiano. Aconselho-o.
e são estas as tais coincidências de pegar num livro oferecido pelos meus anos, não ter ouvido a entrevista no dia da sua primeira edição e dar com ela por acaso hoje.

Thursday, August 09, 2007

existências

A ponta final é sempre a mais difícil. Para feitios como o meu, ainda mais. Gosto de acabar, gosto de fazer, gosto de ver feito. Gosto de desfazer para fazer. Gosto de desarrumar para arrumar. Gosto do caos para ordenar. Gosto de me deitar sobre o caos das ideias quando sei que o dia seguinte existe. E quando não existe? Pode não existir, como tudo.
E depois pode ( como comentavam os mais novos ao jantar) tudo ser pura invenção, prodigiosa invenção de uma mente prodigiosa, como a minha...
e vocês existem? Ou será que esta máquina e esta estrutura lógica que me lança no mundo apenas me atira para o mais interior do meu universo?

Tuesday, August 07, 2007

A ver... vamos a ver

A ver mesmo! Porque hoje o dia está como o tempo. Passou a custo...com muito custo. Quase que me apetece pedir aquele poema salvador. Nem o Mário Cesariny pela manhã me salvou.

Sunday, August 05, 2007

Ora toma lá, 2!


Em jeito de comemoração o conta-mina foi até à beira mar. Não foi propositado, mas o vento até nem soube mal. À vinda, de carro, planearam-se novas rúbricas. A ver.

o que nos é familiar

“ O que é certo é que cada vez me vou apercebendo menos da existência da estrada. Porque já a conheço de gingeira. A nós, no entanto, parece-nos belo aquilo, sobretudo, que nos é familiar. É o que se diz. Mas provavelmente comigo não acontece o mesmo. Ou então a familiaridade com uma coisa deixa-me livre para ver outra coisa no mesmo lugar. Para ver as ludovias. Assim, rectifiquemos: a nós parece-nos belo tudo aquilo que é suficientemente indiferente para nos permitir ver, em seu lugar, o que nos apraz. Talvez faça mal em pôr isto na primeira pessoa do plural. Voltemos ao singular: a mim parece-me… (vide acima).”

boris vian em O Arranca Corações.

Por mim pode ficar na terceira pessoa do plural, pelo menos para mim e para ele.

bi-aniversário

542 mensagens. O conta-mina faz dois anos.
Tem sido apenas isto - para mim um lugar que me custa dispensar.

Saturday, August 04, 2007

férias

O fim-de-semana. As férias sem férias.

O calor bole lá fora. Silêncio, bichos e pássaros. Cerveja muito fria e jornal. Um livro acabado… mais um, pelo silêncio da casa, em hora do convencional almoço. Um trabalha, outra espraia-se em almoço de conforto, outro dorme, para recuperar da noite sem dormir e a restante, está de férias, sem férias. A tarde seguirá na mornidão inactiva das horas até ao esperado banho de mar, lá para as sete. Antes algumas tarefas obrigatórias para que tudo decorra dentro do previsto: sempre há um jantar a providenciar. A mesa de verão já retomou, só agora, o seu lugar no pátio. Ontem contávamos as árvores e refazíamos a sua existência: pinheiro (agora só um) ácer pseudo-plátano, dois carvalhos, um ginco, um liriodendro tulipeiro, vários cedros, magnólias, macieira, limoeiro, oliveira, e outras perdidas na ignorância dos habitantes presentes….

Ontem ainda a magnólia tornou-se visível a preto e branco, em flor de janeiro.

O cemitério de pianos

Ofereceram-me a tarde e eu ofereci-a ao prazer …da leitura.

Encontrei Francisco Lázaro. O nome despertou-me um fio de memória. Apeteceu-me ligar ao meu pai para confirmar a realidade. Não o fiz. Sei que vai morrer em breve. Com a morte virá toda a sabedoria. Porque será que só a morte nos completa?

Thursday, August 02, 2007

transfor...

É assim o condomínio. Alguém pára e diz... as nossas casas são... as nossas casas são a nossa alma: transformam-se, param, são generosas, dão ... dão muito. Nós somos melhores porque vivemos nestas casas. Quem me dera acreditar que quem experimenta o belo se educa para o bem!

Tuesday, July 31, 2007

O Silêncio dos Livros

Não sei se sou capaz de contar a reviravolta que este pequeno ensaio provocou. O amor pelos livros, a paixão pelos livros – senti-me retratada, senti-me possessa, percebi como a leitura (não leitura de trabalho) toma conta de mim e me ilude, transporta, me abre o tal “silêncio só meu” que posso manter fazendo as tais outras tarefas diárias: o que li continuará fervilhando no meu pensamento.

“ O erudito, o verdadeiro leitor, o fazedor de livros, vive saturado pela intensidade terrível da ficção. Por formação, fica predisposto a identificar-se de maneira mais intensa com as realidades textuais, com a ficção.” George Steiner, mas também Michel Crépu, na reflexão centrada em Em Busca do Tempo Perdido, que ainda me perde.

“ O que é a literatura? Um lugar que não é lugar, um tempo que não se mede pelo tempo, uma língua que não é linguagem. Esse lugar, esse tempo e essa língua podem tornar-se objecto de desejo, permitem pressentir uma forma particular de conhecimento, ou talvez de revelação” Esse vício ainda Impune, Michel Crépu integrado no "Silêncio dos Livros" editado pela Gradiva em Junho de 2007.

Monday, July 30, 2007

outros registos


Trienal de Arquitectura de Lisboa


Não posso fazer qualquer post oficial no site da Trienal porque simplesmente não vi o Pólo I- o Pólo por excelência.

Vi os outros dois. Vi o que me apetecia ver e fiquei com umas réstias de sentimento de culpa, como profissional, por ter cedido à tentação de uma “imperial” fresquíssima numa esplanada em vez de…

Siza é Siza e sabe bem à alma, aparte as fotografias serem más (ou mal impressas) e a Serpentine ter sucumbido ao calor do espaço. A organização do espaço pareceu-me bem e a selecção das obras interessante. Sem a pretensão que é tão comum à nossa colectividade profissional.

O Pólo II, que visitei por interesse pessoal, pareceu-me bem no modo de exposição da secção destinada às áreas metropolitanas. Menos bem quanto ao conteúdo. Levanta-me uma questão: organizar uma exposição mais que projectar a forma é construir o conteúdo de um modo legível e apreensível. Não chega dizer que o tema é o “vazio urbano” e deixar quase totalmente aos participantes a definição do conteúdo. Os textos são cada um de sua nação, compridos e maçadores; os projectos seleccionados muito díspares e pouco coesos no conjunto; a grande percentagem de planos, mal expostos e mal explicados ( e um plano é sempre difícil de explicar). Por isso a exposição parece mais uma feira de vaidades do que uma mostra das áreas metropolitanas. Como pode um projecto como o do Metro do Porto estar ausente, enquanto tal, da exposição? É ou não o projecto mais relevante e mais estruturante da região?

Mas talvez seja mesmo assim: não temos áreas metropolitanas temos conjuntos de municípios, cada um por si.

Do outro lado, na secção destinada ao sector imobiliário, achei a concepção de um mau gosto atroz. Dei umas voltas por entre cortinas e panos tensos para dar de caras com Foster ou outros protagonistas inesperados desta cena. Mas não é hora para percorrer qualquer labirinto, nem momento para descobrir o minotauro- é apenas a I Trienal de Arquitectura de Lisboa.

No Polo I, uns contentores azuis, à entrada expulsaram-me do recinto e fui cair à esplanada para a já apresentada imperial.

Espero que daqui por três anos se volte a realizar, para fazer jus ao nome e para melhorar…

Saturday, July 28, 2007

a MINHA cozinha

Porque é que eu gosto de arrumar a cozinha?
Já tentamos mudar os hábitos, fazer escalas para contrariar o "machismo" e inverter o secular papel da mãe. Mas, sempre caímos no mesmo. Acabo de jantar e levanto-me. Arrumo escrupulosamente a cozinha, de imediato. Só quando tenho visitas é que a ordem cronológica dos factos se inverte. Então, gosto de ficar sentada na conversa à mesa... mas a cozinha é MINHA. Dá-me uma enorme satisfação fazê-lo diariamente, com o ruído da casa por fundo. Hoje com o meu DJ mais novo (que se está a exceder em imaginação e aprumo)! Nos outros dias, os das visitas, o arrumar da cozinha é o arrumar das ideias. O intervalo que pontua a rotina, que estabelece a ponte para o outro estádio: a leitura, o trabalho, a arrumação lúdica ( aqui entendida como deitar fora jornais, revistas ou livros seleccionando matérias), ou simplesmente a preparação para a noite de sono ou de sonhos!
Boa noite.

Wednesday, July 25, 2007

mudança de paradigma

Do paradigma da complementaridade ao paradigma da individualidade. Se no século passado, tendo como fundamento a cultura judaico-cristã realizávamos o Homem, com o sentido do dois em um(homem+mulher=um), essa meta/missão (na linguagem contemporânea) desvanece-se. Infelizmente apenas para aquela extensa minoria.

Se no final do século passado e princípios do século XXI, prevalece o paradigma da individualidade, confundido com o do individualismo (não raras vezes egoísmo, egocentrismo, narcisismo), acredito que só daremos o salto quando nos centrarmos na complementaridade múltipla. Recordo a reflexão sobre trabalho de equipa e transformo-o em respeito pela liberdade individual que se realiza paralelamente à realização colectiva.

Do lado dos afectos também. Eu, que sou eu, bebo em muitas fontes, preciso de múltiplos sabores para colorir a minha pessoa( a que gosto de chamar alma). Cada um na sua especificidade e para cada um, o respeito pela sua integridade e liberdade.

Esta reflexão apenas sentido no mundo ocidental, naquele em que não se pensa que, em quanto se luta pela sobrevivência, os nossos queridos morrem de fome, de SIDA ou de uma simples gripe por falta das drogas banais que a curem.

Tuesday, July 24, 2007

Queria.

Queria ter a posição dos claustros
A posição do monge antigo que os varre
A posição do moribundo que pergunta as horas
A posição das árvores quando as crianças sobem
A posição dos ramos quando os ninhos nascem
A posição de alguém que já não mora. Queria
Como se tivesse
A posição da casa e alguém me visitasse.

Daniel Faria

prendas

Regressei. Pelo meio de muitas experiências, de nós as duas, o fim-de -semana fluiu na pacatez das horas.
"Como as demais produções humanas, os livros são portadores de uma história, história essa cujos primórdios continham já em germe a possibilidade ou a eventualidade de um fim."George Steiner na contra-capa de "O silêncio dos livros". Cá chegou e eu lá chegarei, a lê-lo, em breve. Sabe quem sabe e sabe-me bem, em todos os sentidos.

Thursday, July 19, 2007

novidade

Quando a minha parceira se decidir passaremos o conta-mina a fundo preto, porque...
leiam o que diz este site http://www.treehugger.com/.

Por isso vou passar a usar este google www.blackle.com/.

Wednesday, July 18, 2007

ele e a arte

A última decisão da casa... contra as expectativas (será?) artes, novamente. O neófito lá foi parar. Qual o futuro, não sabemos... mas as artes, cá estão sempre. Penso: A arquitectura é a mais científica das artes. É preciso ter bons espaços para se viver bem. Continuo a acreditar que a qualidade ou a não qualidade dos espaços modifica as pessoas. E agora há as energias, as acústicas, as térmicas ... tudo contribui para a qualidade do espaço e a qualidade de vida. A nossa casa não será indiferente à escolha : artes. Sempre disse que a nossa casa é bonita. Pode não ser um modelo de conforto, mas é um espaço luminoso que se transforma a cada momento: com a luz, as pessoas, os cheiros, a música.
Mas a arte pura, como a matemática pura, como a música erudita ou clássica, são tão essenciais ao Homem como a ciência .... ou a ciência na arte - a arquitectura. E se ele escolhesse pintar ou esculpir? Porque é que agora essa Arte perde amantes? A Arte - sei que ele em todas as qualidades para criar.

Tuesday, July 17, 2007

pela manhã

Às voltas com a manhã. Umas quantas decisões tomadas na hora apenas pelo apetite. E depois...coincidências. Antena dois e um magnífico poema de Ruy Belo interpretado, não menos magnificamente, por Luís Miguel Cintra. Fiquei em êxtase. Felizmente pude gozar 30 minutos de solidão na minha sala antes de chegar o bulício da manhã. O poema encontrei-o dito no regresso a casa, no meio dos livros da minha biblioteca. Oferecido pelo meu irmão mais velho - será que ele sabia? dona isabel freire, em granada, no ano de 1526. Falta-lhe a música, que estava lá de manhã e estará lá... outra vez pelas mãos da Joana. Amanhã.

Monday, July 16, 2007

Lady Chatterley de Pascale Ferran

Fomos ao cinema ver Lady Chatterley, que a Joana já tinha visto. Durante o longo filme uma pergunta pôs-se-me: o que seria possível cortar sem que ele perdesse intensidade? Quando saímos a pergunta surgiu. Também ela se pôs a L.

É difícil perceber como tornar o filme menos longo. É um filme construído de contextos, onde as paisagens, as flores, as ervas, as árvores, as roupas, os gestos, aparentemente supérfluos, participam do erotismo presente –sempre presente e mais presente do que latente. A evolução da relação lê-se nos olhos, nas mãos (impressionantemente animadas dela – finas e grandes - e rudes e directas dele), lê-se em cada passo refeito, em cada repetição do gesto anterior que avança um pouco mais.

Esta é uma história universal e intemporal. Tão nossa – tão perdida num tempo em que a os actos tendem a confinar-se ao presente e à repetição apenas. Aqui o aprender o corpo é a dois, é para além dele, na ousadia da dádiva.

Gostei … gostei muito, apesar do cansaço e vou lembrar-me deste filme muitas vezes para sobreviver ao quotidiano.

Saturday, July 14, 2007

Sem título

não me lembro da cidade, do mês e do dia em que a tirei.

descontraidamente

É sempre assim. Digo ao meus amigos que sou como o tempo nos Açores: no mesmo dia faz sol, está enevoado, chove e volta a fazer sol. Vou arranjando motivos para esquecer os maus momentos e vertê-los em energia. Ocupo-me mental e fisicamente. Por isso as famosas "depressões" em mim, para já, não pegam. ( agora bato com os nós dos dedos na mesa para esconjurar o mau agouro, gesto que nunca fiz, mas consta da inexperiência e dos livros). Penso e repenso. Penso com a minha cabeça e tento pensar com a dos outros. Desconstruir - nada mais pós-moderno e por isso nada mais do meu tempo - eu que me fiz adulta na pós-modernidade.
E o fim de semana constrói-se por entre as férias dos outros, na inconsciência dos actos que conscenciosamente excluo do meu quotidiano. Este será verdadeiramente fim de semana porque não tenho qualquer tarefa confiscada ao dever para me entreter ... apenas estar a quatro... ou a quem mais vier por bem.

Friday, July 13, 2007

reedição

Giovani Drogo continua às voltas com o tempo na sua espera intemporal que devora o tempo.
Bach desenrrola-se nas cordas do viloncelo - as suites para...
O meu filho pergunta-me: Mãe por que me fizeste de porcelana?
Está na altura de reeditar aqui um poema que escrevi para a irmã:

Boneca de linho, o que fazes?
Porque reeditas sentimentos?
Levas-me contigo
e não sabes que as tuas penas
são momentos.
Sombras do pecado ancestral
Sempre eco
de uma culpa irreal
Que torna a angústia em tensas linhas
Montadas em redes finas
Tecidas na mesma malha das minhas.

A pergunta:

( sempre uma miragem):
Como é possível viver assim,
Em terreno de alta voltagem
Rumo ao horizonte sem fim?

Wednesday, July 11, 2007

a irremediável fuga do tempo

“ A vida é como a recta do Mindelo. Quando olhamos para trás já não sabemos onde é que ela está.” Há dois anos transcrevia esta frase do Sr Albino para um post neste blog.
Leio "O deserto dos tártaros" de Dino Buzzati, do qual a Joana já falou.
"... justamente naquela noite principiava para ele a irremediável fuga do tempo. (...) E assim se prossegue caminho numa esfera confiante, e os dias são longos e tranquilos, o Sol brilha alto no céu e parece nunca ter vontade de chegar ao ocaso.
Mas a certa altura, quase instintivamente, voltamo-nos para trás e vemos que uma cancela se fechou nas nossas costas, obstuindo-nos a via do regresso. Então sentimos que algo mudou, o Sol já não aprece imóvel, desloca-se rapidamente, ai de nós, nem temos tempo de o fixar pois já se precipita no confim do horizonte; apercebemo-nos de que as nuvens já não ficam estagnadas nos golfos azuis do céu, foram encavalitando-se umas nas outras, tal é a sua urgência; percebemos que o tempo passa e que também a estrada um dia deverá terminar."

Dino Buzzati; O deserto dos Tártaros; Cavalo de Ferro; Pág 50

Sunday, July 08, 2007

casamento

Ontem fui a um casamento. Ao fim de algumas fotografias a bateria da máquina acabou. Problemas da falta de prática. Agora tive alguns problemas para passar esta fotografia para aqui porque não tenho instalado neste computador o programa que me permite mudar o tamanho das imagens. Estou a ficar uma expert. No entanto a minha cabeça e a minha vontade são muito mais céleres que as informáticas adaptadas...quero fazer tudo depressa e faço asneiras. Mas parece que desta vez não resultou mal.

Friday, July 06, 2007

Os Arcade são de FOGO!



Enquanto as palavras extraordinário, grandioso, fenomenal, religioso não assentam para criar frases decentes sobre os Arcade Fire que vimos no SBSR, deixo-vos um videozinho da noite. Reparem naquele público. Ali, salto eu, a mãe, o pai, o P., a L., o N., o L., a M. e a S.. E como não saltar?

mulheres

Novamente hoje, para deixar um texto que me transformou pela manhã, vindo de uma amiga querida. Só é pena que não tenha sido enviado por nenhum homem...daqueles que nos amam e admiram. À parte algumas referências, que sofrem o problema da continentalidade, sinto-me perfeitamente retratada ( ou gostaria que assim fosse!)

AS MULHERES DA MINHA GERAÇÃO

………elogio profundamente merecido!

Hoje têm quarenta e muitos anos, inclusive cinquenta e tal, e são belas, muito belas, porém também serenas, compreensivas, sensatas e sobretudo diabolicamente sedutoras, isto, apesar dos seus incipientes pés-de-galinha ou desta afectuosa celulite que capitoneam as suas coxas, mas que as fazem tão humanas, tão reais.

Formosamente reais. Quase todas, hoje, estão casadas ou divorciadas, ou divorciadas e casadas, com a intenção de não se equivocar no segundo intento, que às vezes é um modo de acercar-se do terceiro e do quarto intento. Que importa?

Outras, ainda que poucas, mantêm um pertinaz celibatarismo, protegendo-o como uma fortaleza sitiada que, de qualquer modo, de vez em quando abre as suas portas a algum visitante.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!

Nascidas sob a era de Aquário, com influência da música dos Beatles, de Bob Dylan, de Lou Reed, do melhor cinema de Kubrick e do início do boom latino-americano, são seres excepcionais.

Herdeiras da revolução sexual da década de 60 e das correntes feministas, elas souberam combinar liberdade com coqueteria, emancipação com paixão, reivindicação com sedução.

Jamais viram no homem um inimigo, apesar de lhe cantarem algumas verdades, pois compreenderam que a sua emancipação era algo mais do que pôr o homem a lavar a louça ou a trocar o rolo do papel higiénico quando este tragicamente se acaba.

São maravilhosas e têm estilo, mesmo quando nos fazem sofrer, quando nos enganam ou nos deixam.

Usaram saias indianas aos 18 anos, enfeitaram-se com colares andinos, cobriram-se com suéteres de lã e perderam a sua parecença com Maria, a Virgem, numa noite de sexta-feira ou de sábado, depois de dançar El Raton com algum amigo que lhes falou de Kafka, de Neruda e do cinema de Bergman.

No fundo das suas mochilas traziam pacotes de rouge, livros de Simone de Beauvoir e fitas de Victor Jara, e, ao deixar-nos, quando não havia mais remédio senão deixar-nos, dedicavam-nos aquela canção, que é ao mesmo tempo um clássico do jornalismo e do despeito, que se chama “Teu amor é um jornal de ontem”.

Falaram com paixão de política e quiseram mudar o mundo, beberam rum cubano e aprenderam de cor as canções de Sílvio Rodriguez e de Pablo Milanez, conhecerem os sítios arqueológicos, foram com seus namorados às praias, dormindo em barracas e deixando-se picar pelos mosquitos, porque adoravam a liberdade e, sobretudo, juraram amar-nos por toda a vida, algo que sem dúvida fizeram e que hoje continuam a fazer na sua formosa e sedutora madureza.

Souberam ser, apesar de sua beleza, rainhas bem educadas, pouco caprichosas ou egoístas. Deusas com sangue humano. O tipo de mulher que, quando lhe abrem a porta do carro para que suba, se inclina sobre o assento e, por sua vez, abre a do seu companheiro por dentro.

A que recebe um amigo que sofre às quatro da manhã, ainda que seja seu ex-noivo, porque são maravilhosas e têm estilo, ainda que nos façam sofrer, quando nos enganam, ou nos deixam, pois o seu sangue não é suficientemente gelado para não nos escutar nessa salvadora e última noite, na qual estão dispostas a servir-nos o oitavo uísque e a colocar, pela sexta vez, aquela melodia de Santana.

Por isso, para os que nascemos entre as décadas de 40 e 60, o dia da mulher é, na verdade, todos os dias do ano, cada um dos dias com suas noites e seus amanheceres, que são mais belos, como diz o bolero, quando está você.

Que belas são, por Deus, as mulheres da minha geração!

(escrito por Santiago Gambôa, escritor Colombiano)