Sunday, December 04, 2005

ruínas

Hoje, numa festa de família alargada, reencontrei os meus tios e primos que já não via há muito. Fez-me pensar.
Reencontrei-os no passado e não os reconheci no presente. Quebrei laços e com isso perdi um pedaço de história. Isso não me preocupa minimamente nem me faz sentir mal. Só que faltavam lá pessoas, as pessoas do passado que faziam parte da essencialidade daquele quadro. Sem elas o quadro não é o mesmo. Por isso tive saudades dos meus avós, muitas saudades. A continuidade da relação teria permitido a substituição: os avós morrem e são substituídos pelos pais, para que o tecido se reajuste e remende os buracos que se sucedem ao desaparecimento. No meu caso os buracos continuam lá, bem visíveis, bem presentes, ainda bem. Não preciso de fotografias para os lembrar. Basta-me o quadro desfeito desta existência.
Porque temos sempre a necessidade de substituir para recompormos o nosso quadro afectivo? Porque lidamos mal com a ausência? Porque inventamos outros destinos para os que desaparecem? A nossa tradição cristã empurra-nos para a ilusão de uma outra vida para que os mortos não morram e para apaziguarmos a nossa pouca aptidão para lidarmos com o nosso certo destino.
Isto leva-me a um texto de Henry Miller, sobre a ruína e o modo de com ela lidarmos:

“Um dos fascínios das ruínas é que sugerem ou revelam sempre a configuração original ou, por outras palavras, a intenção. No meio da maior devastação temos a certeza de encontrar pedaços isolados de perfeição: um arco, um pilar, uma cúpula, um pedaço de pavimento. O trabalho de restauro não só dissipa o charme e o mistério como produz o efeito, um simulacro, de rigor mortis. Nunca nada parece o que foi. O tempo é o mestre apaixonado da decomposição. A criação e a destruição são gémeas, como o foram o amor e a justiça.”

Viagem a uma terra antiga, in Viragem aos oitenta; Henry Miller; Editora Fenda; Lisboa 1999

1 comment:

maria said...

Tudo faz sentido e o seu contrário. Cada vez mais penso assim. Aparentemente o que escreves é o contrário do que seria a minha resposta.Mas esta também poderia ser a minha resposta. O interesse da vida está em sabermos ouvir e aceitar a diferença, o inexplicável, o que nos ultrapassa. Concordo.