Sunday, August 03, 2008

O Leopardo

O livro é de casa dos meus pais. Fui buscá-lo para o emprestar a um amigo. Num intervalo de leituras programadas decidi lê-lo. Em boa hora. Um livro único em todas as acepções, porque também foi o único romance do autor, o Príncipe de Lampedusa.

Aqui o Príncipe de Salina, que tão bem recordo na figura de Burt Lencaster.

“D. Fabrício conhecia desde sempre aquela sensação. Havia dezenas de anos que ele sentia o fluído vital, a faculdade de existir, a vida em suma, talvez até a vontade de viver, desprendo-se de si, vagarosa mas continuamente, como os pequenos grãos de areia que escorregam um a um, sem pressa e sem detença, pelo estreito orifício da ampulheta. Em certos momentos de actividade intensa, de grande atenção, esse sentido de contínuo abandono desaparecia para reaparecer, imperturbável, nos fugazes momentos de silêncio e de introspecção: tal como um zumbido contínuo nos ouvidos ou como o bater de um pêndulo se impõe quando todo o resto se cala; e, nesse momento, apercebemo-nos de que eles sempre ali estiveram, vigilantes, mesmo quando não se ouviam.

(…) A sensação, de resto não andava, de princípio, ligada a qualquer mal-estar. Muito pelo contrário, esta imperceptível perda de vitalidade era a prova, a condição, por assim dizer, da sensação de viver; para ele, afeito a escrutar espaços exteriores ilimitados, a explorar vastíssimos abismos interiores, aquilo estava bem longe de ser desagradável: era o sentimento de um esboroamento contínuo, miudinho, da personalidade, acompanhado porém da vaga esperança de que, algures, essa personalidade se reconstruiria (obrigado, Senhor!) menos consciente mas mais ampla.(…)”

O Leopardo; Tomasi di Lampedusa; Capítulo VII, Pág 277/278; Colecção Autores Universais; Livros do Brasil

4 comments:

Ninguém said...

intrigante,tal personalidade!

Anonymous said...

"O Leopardo", é o primeiro, de muitos filmes da minha vida. Visconti fez do livro, uma obra prima do cinema. E Burt Lencaster tem aqui uma interpretação inesquecível. Também tenho esta edição, que já é bastante antiga.

maria said...

Muito antiga! Segundo o texto impresso na banda do livro, Lampedusa terminou este romance poucos meses antes de morrer, tal ocorreu um 1957.
O meu pai deve ter comprado a primeira edição portuguesa, que não tem data. Da década de sessenta provavelmente. O filme permace indelével e entre cortado por outras memórias no meu arquivo maior!

Anonymous said...

então (...) esse sentido de contínuo abandono desaparecia para reaparecer, imperturbável, nos fugazes momentos de silêncio e de introspecção(...) na fantástica experiência do tempo, mais ainda se medido ao ritmo da dança de um bando de pássaros, recortados contra o por-do-sol sobre o sereno e antigo mediterrâneo....