Wednesday, October 01, 2008

Clarice Lispector

Clarice lispector. Ainda que a sua escrita não seja bonita, pelo menos à nossa portuguesa conceptualização, é extremamente reveladora, iniciática, diria. Sempre surprendente pelas múltiplas leituras que provoca e, ainda mais, pelo que se antevê virá ainda a gerar. Um excerto de "Maçã no Escuro", menos sintético do que "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres", mas em certa medida, talvez por isso mesmo, mais arrebatador!

“Apenas isso? Quase nada! ainda rebelou-se o homem, mas meu Deus isso é quase nada.
Não, isso é muito. Porque, por Deus, havia muito mais do que isso. Para cada homem provavelmente havia um momento não identificável em que teria havido mais do que farejar: em que a ilusão fora maior que se teria atingido a íntima veracidade do sonho. Em que as pedras teriam aberto seu coração de pedra e os bichos teriam aberto seu segredo de carne e os homens não teriam sido “outros”, teriam sido “nós”, e o mundo teria sido um vislumbre que se reconhece como se se tivesse sonhado com ele; para cada homem teria havido aquele momento não identificável em que se teria aceite mesmo paciência de a monstruosa Deus? Essa paciência que permitia que homens durante séculos aniquilassem com o mesmo obstinado erro outros homens.” pág 230/1; edição Relógio de Água

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