Monday, August 27, 2007

Transmutações

A casa transmuta-se. Acabaram as horas e com elas a escravidão dos minutos e dos segundos. O mar estava calmo, o tempo quente, a praia quase deserta ( evidentemente uma bela metáfora). Conversamos na água enquanto nos sustínhamos que nem patos ao sabor da ondulação lenta com uma traineira ao fundo. A água estava límpida ( isto não é metáfora embora seja uma raridade.)
O pátio é mágico bem como a concentração do conjunto das quatro pessoas às duas da tarde ( li-o pelo sol e pelo sentimento porque não há relógios em férias). A música "2008" uma bela surpresa que veio da janela do primeiro andar.
Pergunto como é que fui capaz do construir esta atmosfera? E se penso que me estou a valorizar, pondo-me criadora deste estado, olho pelo outro lado e agradeço a Deus ser-me dada a capacidade de ler, sentir.

Saturday, August 25, 2007

saber ler

Muitas são os pensamentos para transformar em post's que desde manhã me sugestionaram. No entanto uma pergunta e resposta, ouvidas em entrevista na antena 2, conquistam a dianteira. Perguntava o entrevistador a um velho apanhador de ameijoas " ...e sabe ler?", ao que ele respondeu: " Eu sei ler, sei. Não sei ler é as letras".
A resposta concretiza a sensação que tenho: hoje, muitos sabem ler as letras e não sabem ler.

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Gostei da forma como José Luís Peixoto usa os dois pontos. Dois pontos, dentro de dois pontos, dentro de pois pontos e assim sucessivamente. A partir daí já os usei, aqui também neste blog.
Acho uma boa maneira de traduzir o pensamento, de o aproximar a linguagem escrita.
São tantos os discursos dedutivos, as cadeias de pensamento, que é difícil traduzi-las em texto a não ser deste modo. Assim posso passar de uma ideia para outra e para outra, sem as desligar, mas também, sem as prender excessivamente.
Gosto desta escrita desprendida em que a regra não espartilha o pensamento, em que a estrutura se pode desestruturar sem medo... e por isso a gente lê sempre sem a sensação de que tudo tem que ser coerente e inteligível por partes. No fim resta um todo forte que nos agarra e se recorda.

Thursday, August 23, 2007

televisão


A primeira televisão que compramos, quando fomos viver juntos era a preto e branco. Já havia televisões a cores mas eram muito caras. Quando em casa quis ver uma série de culto, que se chamava " A Jóia da Coroa", julgo, e era passada na Índia, cedi à proposta do meu pai e fui trocá-la por uma televisão a cores. Ainda hoje funciona, sem comando e sem controlo do volume do som, mas tem uma bela imagem. Depois compramos outra há quinze anos. Trouxe-mo-la para a nova casa e agora tinha uns riscos verdes, fixos,e a imagem era toda em tons de rosa.
Hoje quando cheguei, não estava ninguém em casa. Uma hora depois chegaram com uma televisão nova "LCD"!
Será que vou ver mais televisão? Não me parece. O divórcio da televisão começou há anos por outras razões que não as da qualidade da imagem. Selecciono os programas que vejo e alguns dão-me muito gozo. Continuarei a fazê-lo do mesmo modo, só que agora os meus olhos verão de outro modo.

Tuesday, August 21, 2007

... e agora...

Estas pré-férias são boas. Regressei a tempo de fazer um bolo para o jantar e de ficar a conversar no pátio ao fim da tarde. Outra novidade deste tempo é que não há mais ninguém na casa para além de nós: os quatro, o que significa: arrumar a casa, lavar roupa, passar a ferro. Tudo isto cá para a mulher. Sabe-me bem, mas não vou deixando uns recados invisíveis : gostaria de ter algumas surpresas!

músicas

Recordo um livro, que li há muitos anos, seguramente mais de vinte e cinco, do Fernando Lopes Graça, que era do meu pai. Recordo que ele escrevia, ou foi simplesmente isso que eu li no que ele escreveu, relê-lo-ei com olhos mais cansados agora, que a música deve ser apreciada por ela sem recurso a imagens literárias. A música não tem que evocar o mar, o vento, a primavera, nem sequer sentimentos: gera sentimentos. O verdadeiro amante de música ouve e sente a música. Dizia o Pedro em conversa que a música é a mais completa de todas as artes, porque não precisa de usar outro sentido senão a audição. As outras artes experimentam-se por diversos sentidos. Eu contrapunha com a pintura: a pintura usa só um sentido. Mas a música acrescenta outra dimensão: a do tempo: a música é passado presente e futuro - o instante não é música.

Saturday, August 18, 2007

descobertas

Hoje de manhã fui nadar. O programa é sempre o mesmo: 20 piscinas de crwall; 12 de bruços; 14 de costas; uma de mariposa; uma de costas; uma de bruços e uma de crawll para terminar. Ao todo 50 piscinas x 25 metros ... é só fazer as contas!
Mas hoje de manhã aventurei-me nas escadas que via alguns subirem. Usualmente a piscina está vazia, ou quase. No cimo das escadas encontrei um jacuzzi. Entrei e boiei na água quente e turbulenta durante alguns minutos.
Este deixou de ser um segredo para se tornar um prazer!

Friday, August 17, 2007

Outro de David

Canção amarga

Que importa o gesto não ser bem

o gesto grácil que terias?

- Importa amar, sem ver a quem...

Ser mau ou bom, conforme os dias.


Agora, tu, só entrevista,

quantas imagens me trouxeste!

Mas é preciso que eu resista

e não acorde um sonho agreste.


Que passes tu! Por mim, bem sei

que hei-de aceitar o que vier,

pois tarde ou cedo deverei

de sonho e pasmo apodrecer.


Que importa o gesto não ser bem

o gesto grácil que terias?

- Importa amar, sem ver a quem...

Ser infeliz, todos os dias!

Invólucros

Invólucros, caixas, receptáculos, balões, qualquer coisa que recebe, que acolhe, que tem que ter sempre espaço, até...
Mulher, mãe, companheira, aguenta sempre, tem que aguentar sempre...SEMPRE.
Até sempre.

Há uma tomada que se desliga, um interruptor que interrompe. Há um outro lugar, outro, outro, outro.

Frases entrecortadas, choros, desesperos, desencontros... muros.

Hoje uma amiga vinda de África falava-me de outros problemas, mais evidentes, mais primários, de sobrevivência. Será que sim? Será que é assim?

Wednesday, August 15, 2007

David Mourão Ferreira

E por vezes


E por vezes as noites duram meses

E por vezes os meses oceanos

E por vezes os braços que apertamos

nunca mais são os mesmos E por vezes


encontramos de nós em poucos meses

o que a noite nos fez em muitos anos

E por vezes fingimos que lembramos

E por vezes lembramos que por vezes


ao tomarmos o gosto aos oceanos

só o sarro das noites não dos meses

lá no fundo dos copos encontramos


E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes por vezes ah por vezes

num segundo se evolam tantos anos


David Mourão Ferreira, Matura Idade 1973

Antologia Poética, Publicações D. Quixote, 1983

Tuesday, August 14, 2007

as férias dos outros

... não são as minhas férias. Não anseio nenhum idílico lugar, apenas parar de trabalhar por alguns dias. Esses idílicos lugares são onde eu estiver, sem relógio, sem tarefas. Esse idílico lugar sabe-me a Douro, a Beira-Alta, a "terras do demo" feitas de pedras e de centeio, do calor que se vê às três da tarde. Lá estará uma pedra à minha espera, para me deitar de barriga para o ar a olhar o céu de olhos fechados e ver o zumbido dos insectos inacansáveis.

Friday, August 10, 2007

Era uma certeza que construíra nos meus olhos

quando acordei, não sabia do mundo senão a derrota.

acordei com a música e com os gritos de terror

que atravessavam as paredes.


lá fora, os pássaros a voarem na claridade,

vozes distantes sopradas pela aragem.


eu sentia que as palavras que podia dizer

eram ridículas. eu acreditava que nascem lugares

para o amor e que, nesses jardins etéreos,

a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto

suavemente.


José Luís Peixoto, A casa a escuridão

Cemitério de Pianos

Hoje apanhei a reedição de uma entrevista com José Luís Peixoto sobre o livro "Cemitério de Pianos". Faz hoje oito dias devorei quase todo livro, que acabei no sábado. Esta semana, Maria, Marta, Francisco, Simão, Ana, Elisa, Íris e Hermes, misturaram-se com a mãe o pai, as memórias, as deles, a dele e as minhas. Fiz no meu caderno estruturas que me ajudassem a perceber as relações familiares e concluí que a estrutura é um circulo que se fecha em si próprio. Como a vida - circular. E nós sempre à espera que o círculo se transforme em espiral, que tenha uma ponta que nos conduza ao infinito.
Apesar da sua desestruturação, assumida e justificada conceptualmente pelo autor, para mim o livro surgiu perfeitamente coerente, tão coerente quanto a desestruturação da forma se agarra à do pensamento e este à nossa maneira de pensar a vida e de a comunicar.
Eu já gostava dele, do escritor. "Morreste-me" foi-me querido, bem como a forma pura da sua poesia. Perto de mim, perto de nós, perto do modo intenso, livre e melancólico como me situo nesta teia dos afectos e dos factos que constroem o meu quotidiano. Aconselho-o.
e são estas as tais coincidências de pegar num livro oferecido pelos meus anos, não ter ouvido a entrevista no dia da sua primeira edição e dar com ela por acaso hoje.

Thursday, August 09, 2007

existências

A ponta final é sempre a mais difícil. Para feitios como o meu, ainda mais. Gosto de acabar, gosto de fazer, gosto de ver feito. Gosto de desfazer para fazer. Gosto de desarrumar para arrumar. Gosto do caos para ordenar. Gosto de me deitar sobre o caos das ideias quando sei que o dia seguinte existe. E quando não existe? Pode não existir, como tudo.
E depois pode ( como comentavam os mais novos ao jantar) tudo ser pura invenção, prodigiosa invenção de uma mente prodigiosa, como a minha...
e vocês existem? Ou será que esta máquina e esta estrutura lógica que me lança no mundo apenas me atira para o mais interior do meu universo?

Tuesday, August 07, 2007

A ver... vamos a ver

A ver mesmo! Porque hoje o dia está como o tempo. Passou a custo...com muito custo. Quase que me apetece pedir aquele poema salvador. Nem o Mário Cesariny pela manhã me salvou.

Sunday, August 05, 2007

Ora toma lá, 2!


Em jeito de comemoração o conta-mina foi até à beira mar. Não foi propositado, mas o vento até nem soube mal. À vinda, de carro, planearam-se novas rúbricas. A ver.

o que nos é familiar

“ O que é certo é que cada vez me vou apercebendo menos da existência da estrada. Porque já a conheço de gingeira. A nós, no entanto, parece-nos belo aquilo, sobretudo, que nos é familiar. É o que se diz. Mas provavelmente comigo não acontece o mesmo. Ou então a familiaridade com uma coisa deixa-me livre para ver outra coisa no mesmo lugar. Para ver as ludovias. Assim, rectifiquemos: a nós parece-nos belo tudo aquilo que é suficientemente indiferente para nos permitir ver, em seu lugar, o que nos apraz. Talvez faça mal em pôr isto na primeira pessoa do plural. Voltemos ao singular: a mim parece-me… (vide acima).”

boris vian em O Arranca Corações.

Por mim pode ficar na terceira pessoa do plural, pelo menos para mim e para ele.

bi-aniversário

542 mensagens. O conta-mina faz dois anos.
Tem sido apenas isto - para mim um lugar que me custa dispensar.

Saturday, August 04, 2007

férias

O fim-de-semana. As férias sem férias.

O calor bole lá fora. Silêncio, bichos e pássaros. Cerveja muito fria e jornal. Um livro acabado… mais um, pelo silêncio da casa, em hora do convencional almoço. Um trabalha, outra espraia-se em almoço de conforto, outro dorme, para recuperar da noite sem dormir e a restante, está de férias, sem férias. A tarde seguirá na mornidão inactiva das horas até ao esperado banho de mar, lá para as sete. Antes algumas tarefas obrigatórias para que tudo decorra dentro do previsto: sempre há um jantar a providenciar. A mesa de verão já retomou, só agora, o seu lugar no pátio. Ontem contávamos as árvores e refazíamos a sua existência: pinheiro (agora só um) ácer pseudo-plátano, dois carvalhos, um ginco, um liriodendro tulipeiro, vários cedros, magnólias, macieira, limoeiro, oliveira, e outras perdidas na ignorância dos habitantes presentes….

Ontem ainda a magnólia tornou-se visível a preto e branco, em flor de janeiro.

O cemitério de pianos

Ofereceram-me a tarde e eu ofereci-a ao prazer …da leitura.

Encontrei Francisco Lázaro. O nome despertou-me um fio de memória. Apeteceu-me ligar ao meu pai para confirmar a realidade. Não o fiz. Sei que vai morrer em breve. Com a morte virá toda a sabedoria. Porque será que só a morte nos completa?

Thursday, August 02, 2007

transfor...

É assim o condomínio. Alguém pára e diz... as nossas casas são... as nossas casas são a nossa alma: transformam-se, param, são generosas, dão ... dão muito. Nós somos melhores porque vivemos nestas casas. Quem me dera acreditar que quem experimenta o belo se educa para o bem!