Saturday, June 23, 2007

Quintas de Leitura

"Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta

uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre

e sonha com viagens na pele salgada das ondas.


Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão

das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;

mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,

porque o ar que respiras junto de mim é como um vento

a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces –


o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno

nos dias sem ninguém – longe de ti, o corpo não faz

senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta

as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto

espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.


Se me abraçares, não partas."


Maria do Rosário Pedreira em "O Canto do Vento nos Ciprestes"


Este foi o poema que nos juntou, ontem, para "olhar os sons e ouvir os gestos"(no dizer de Maria João Seixas) de Maria do Rosário Pedreira, no Teatro do Campo Alegre. Este poema entrou na minha vida pelas mãos de outra companheira de viagem e passou das minhas mãos para as de outra companheira, que iniciou a viagem muito mais tarde. Nada impede que nos encontremos no mesmo barco, bebendo a mesma brisa e discorrendo nas mesmas ondas.
Ontem o mar estava sereno mas intenso, arrastou e lavou todas as feridas, numa boa maré.

1 comment:

verde said...

Foi fantástica esta Quinta de Leitura, quer pelos poemas da Maria do Rosário Pedreira quer pela presença encantadora da Maria João Seixas...e a voz fantástica da Aldina, e a guitarra portuguesa. Gostei do Blog. Visita o nosso blog, temos comentários sobre a noite de Quinta