“Oh, havia pouco tempo, sim, ele sabia. Quase podia ouvir o enorme silêncio com que os ponteiros do relógio avançavam. Mas não se sentia revoltado por ser o guardião de tempo tão curto: o tempo de uma vida inteira também seria curto. Aquele homem já aceitara a grande contingência. (…)
Aliás no seu trabalho de construção da realidade, havia em desfavor de Martim a novidade de as coisas não serem mais óbvias; ele esbarrava a cada momento. Contra si, também, havia consciência do tempo preciso. Embora Martim tivesse uma grande vantagem: se a vida era curta, os dias eram longos. Ainda a seu favor ele tinha o facto de saber que devia andar em linha recta, pois seria pouco prático perder o fio da meada. A seu desfavor tinha um perigo à espreita: é que havia um gosto e uma beleza em uma pessoa se perder. A seu desfavor tinha ainda o facto de entender pouco. Mas sobretudo a seu favor tinha o facto de que não entender era o seu limpo ponto de partida.”
Clarice Lispector; A Maçã no Escuro; Relógio d’Água; pág. 144, 145
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