Fomos os três ao cinema. Eu a Joana e o Pedro.
Depois do filme, como sempre e como gosto, conseguimos quebrar silêncio e falar sobre ele. O silêncio depois de um filme é essencial. Como depois de um sonho, depois de um concerto, depois de uma conferência, depois de... qualquer coisa que, porque nos tocou, precisa de espaço. Ficamos tensos se temos, logo de seguida, de manifestar opinião.
Foi igual com este. Passaram duas horas. Mesmo assim não sei se sei alinhavar alguns pensamentos. Tentemos.
Perguntava-me a Joana: Gostaste? Respondi: Não sei.
Agora posso dizer gostei. Porquê?
Porque de um modo directo e sensível vi abordar a homosexualidade. Sem preconceito? Julgo que não. O filme é feito sobre o preconceito. Ele próprio discorre sobre ele. Sobre a dificuldade de assumir preferências. Sobre a impossibilidade de assumir preferências. O que não é possível viver de outra maneira, porque a vida normal e a sociedade o impedem, será vivido assim, sob o olhar magnífico e ominipresente de Brokeback Mountain, inventando fins-de semana de pesca entre amigos. Apenas sob a discrição do céu e das montanhas pode ser consumada e vivida uma relação interpessoal tão natural e saudável que se transforma em desejo. Cá fora, no mundo real, tudo continua sob o domínio da regra e do correcto, ainda que o caminho da paixão leve, por inexistência de alternativa, à vida solitária. Quando assim não é, sobrevém a morte – destino ou castigo social – fica a dúvida
Dizia a Joana e eu concordo: “ O filme devia ter acabado quando eles se encontram a última vez em Brokeback Mountain”. De facto nada do que se segue acrescenta ao filme, apenas baralha. Ennis viverá sobre a culpa e sobre a dor da perda, encontrando pedaços do passado, mensagens de amor, que tendem a reduzir o filme a um melodrama tradicional. Mas o que me impressionou foi exactamente o contrário: contra o que o mundo heterosexual pensa e faz passar o amor entre dois homens, é realmente entre dois homens, másculos e viris. A idéia de fazer corresponder a cada homem um dos sexos, como se o amor, a paixão e o desejo só fosse possível entre dois contrários, dois seres que se completam, se fundem e se unem porque se complementam, não é verdadeira, pelo menos aqui. É puro preconceito.
Gostaria de perceber, para além da opinião dos críticos cinematográficos, que vêem o filme sob o ponto de vista do o objecto artístico, como é que um homem assumidamente heterosexual, entende este filme.