Friday, February 24, 2006

no príncipio

(…)
Dir-lhe-ia
Vê como vejo. Não quero viver contigo, nem com ninguém. Quero ser nómada ou eremita. Ir ou estar, de modo só. Ocupar-me na observação do que vejo, e sinto, e imagino.
Criar mundo no pensamento, praticar o paradoxo.
Cuidar absurdamente do meu jardim, limpar o limiar da minha porta.
Dar forma. Aprender a linguagem dos pássaros.

De tempos a tempos, vir ter contigo, humana.
Praticar o rito do chá, a delícia da tua morada, a claridade do teu espírito,
O prazer do corpo. (…)

A tal página 107 de Finita de Maria Gabriela Llansol. Isto e muito mais. A tal escrita que poderia ter sido hoje e aqui escrita por alguns de nós. Escrita presente. Sem passado e sem futuro. Vida intensa e silêncio…mas também reverberação.
No princípio era o Verbo. Não era o nome, nem o adjectivo, era o Verbo – acção pura imaterialidade.

1 comment:

Anonymous said...

«Criar o mundo no pensamento…»
Antes do princípio já tudo tivera que ser o suficiente para não ter prosperado. Tal situação estaria definida pela nostalgia mais profunda que não decorria do transacto mas de um certo tipo de força (in) crível como o amor. Portanto, na minha concepção, à temperatura do neutro e à velocidade do circular, o silêncio era amolecido numa bigorna de espasmos muito longos cuja consequência atingia o seu próprio existir nocturno ao difundir uma pequena exaltação que no entanto não tinha ainda nexo definido. O tempo e o espaço não se preservavam mutuamente, a tal ponto da eternidade pensada hoje e da via láctea desenhada agora terem o mero sinónimo de um espelho desprovido. Portanto, esse pequeno alvor de alento que se ia despindo era recôndito e ignorante, abismado pela regra do inútil. Todavia, motivado pela sua própria constância, abrindo-se progressivamente a nenhum facto, veio a originar um cadência de fósforos que embora tremeluzissem como se estivessem a figurar matéria, mais não eram ainda do que o umbigo claro da vanguarda que haveria de surgir desse almanaque de enigmas que então vigiava o impossível. Subitamente tornou-se uma raiz e, dada a surpresa, o primor radical que abarcou tudo e que tudo sustêm, possibilitando a aclamação da nossa viagem magnifica. No princípio era a nossa imaginação, desactualizada pela nossa inexistência amorosa.
«… Na prática, é uma cena infinita – o lugar onde somos figuras» [página desconhecida de outro livro que continua o teu]

A