Saturday, February 18, 2006

nostalgia negra

Escrever hoje é uma catarse. Tentar pelo encadeamento de uma linguagem comunicável encontrar o sentido que falta para ligar o somatório de estratos quotidianos. A língua é uma estrutura de pensamento, que se funda na nossa cultura e por isso nos agarra, submetendo-nos. A estrutura do meu pensamento feito linguagem permite-me clarificar o meu modo de estar no mundo, reconhecer uma filosofia.
Não me é difícil escrever. A escrita está muitas vezes além do que consigo pensar, estruturar, relacionar. Por isso a dicotomia entre o que escrevo e realizo pensamento e o que sinto/vivo é muito acentuada. Aquilo em que acredito como verdadeiro sinto-o como dor. E a essa dor, ao contrário do que diz António Damásio, não tem para mim correspondência física. Não a detecto conscientemente no meu corpo, apenas no vazio da minha alma, talvez acompanhada sim, de uma respiração activamente lenta e funda que ocupa dentro do meu peito um lugar maior do que ele.
Para estes momentos, apenas estádios de linguagem poética ou música podem constituir sinónimo, acentuando o sentimento, numa doçura de morte.
A música sei onde vou buscá-la: Arvo Pärt, Mahler, Ravel ou Debussy.
O poema vou procurá-lo…ou alguém, que o saiba, me prende.

26 comments:

maria said...

comento-me
Agradeço um café, dois telefonemas, um livro, Finita pág. 107…patamares para o reencontro, apenas e muito.

joana said...

estou assim. já corri os corredores todos do deca hoje, aos saltos, aos berros, para por a minha nostalgia, melancolia, tristeza cabra e estupidez pura ao lixo. talvez consiga. hoje à noite, a arrumar a cozinha.

Anonymous said...

«O que em nós sobra
à maré pertence.»

de Albano Martins





V

Anonymous said...

Não é fácil alimentar a escrita neste tipo de espaços, portanto haverá trabalho de goiva para manter a iniciativa, tambores de arrojo para desbravar pudores, e fiação de linho para cerzir incertezas a desejos. Nós “respondemos”, atravessando a ambiguidade que sempre está presente, como o vapor num vidro, e muitas vezes a resposta não é mais do que escrever algo com o dedo nesse embaciamento.

Q

Anonymous said...

O vento divulga longitudes a partir de um equador imaginário. Somos pássaros da sua amável insistência.

H

Anonymous said...

Não é fácil “retribuir” porque a suposição mútua deve ser sempre uma esfera líquida em movimento através do magnífico litigio das nossas mesmas estéticas. Portanto, ninguém retribuirá que não seja metamorfosear-se de si mesmo na invenção de algo que possua entre o pouco e o muito daquele de que se torna plausível, sentado neste baloiço que tu inicias.

B

Anonymous said...

Ás vezes venho mentir, tanto quanto mentir me permita anular certos cânones que os dias impõem à significação do meu nome e da minha voz íntima. Trata-se de mentir deliberadamente perante os factos do mundo, i.e., dizer algo sem que haja motivos para acreditar na justiça da minha imaginação e, metido nessa ilusão, para que eu próprio padeça de uma saudável e inimputável subjectividade humana.

L

Anonymous said...

Saturno está a sofrer uma violentíssima convulsão – revelou-o uma sonda no fim da semana passada – apesar de ninguém ter desmentido a suspeita desse ser o seu estado inato.

P

Anonymous said...

Somos actores de um cenário admirável que se estende das profundezas do mar aos torreões do vácuo cósmico, e embora tenhamos participação mais elevada na cenografia humana e nela nos evidenciemos, dentro de nós habita uma causa de impaciência a que chamamos individualidade, antípodas de qualquer plural, primeira pátria das pátrias conhecidas.

C

Anonymous said...

«Quem sabe que elevado símbolo é o sangue?», pergunta Novalis.

N

Anonymous said...

Não consigo escrever ou dizer o que teria raciocinado se hoje não tivesse chovido copiosamente ou se não tivesse visto inadvertidamente o olhar de um homem que acabava de urinar contra um muro

V

Anonymous said...

Qualquer palavra pode iniciar um romance mas apenas duas permitem concluir uma sentença. Afastemo-nos delas!

S

Anonymous said...

Através de A. Damásio tomei conhecimento do caso de Phineas Cage; um exímio trabalhador da construção do caminho-de-ferro que atravessa os Estados Unidos, devido a um acidente em que o bordão de ferro com que comprimia a pólvora no umbigo de uma rocha acabou por lhe perfurar o crânio segundo um eixo específico, tendo sobrevivido, tornou-se num indivíduo portador dos mais pavorosos atributos. Adiante A. Damásio veio propor que deverá existir um elo de ligação, em termos anatómicos e funcionais, da razão aos sentimentos e destes ao corpo. É de tal modo a dissecação que ele faz da nossa consciência racional e emotiva que, apesar do mérito da sua ciência, me afastei o suficiente para entender menos. Temo verdadeiramente conhecer melhor a condição do fluxo que me determina.

A

Anonymous said...

O silêncio também legitima a súplica.

T

Anonymous said...

[________________________________]

Anonymous said...

Estamos ocupados com o nosso próprio progresso quando decidimos a temperatura da água do banho.

M

Anonymous said...

Mahler

Anonymous said...

O anonimato já terá perdido o seu efeito, por isso também já não há motivo para acabar com ele.

Zavial

Anonymous said...

_____ __surpreendido!


Z

maria said...

Diverti-me. Mas será que, apesar de tudo, não tenho lugar nesse monólogo?

maria said...

Melhor, não temos, porque este blog é de duas.

Anonymous said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Anonymous said...
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Anonymous said...

Seguindo o itinerário da minha última “passagem” teríamos:
* poema-hipótese.
* acerca da escrita no blog, primeiro vossa, depois nossa.
* somos levados pelo impulso de descobrir.
* acerca da minha presença no blog.
* acerca do que escrevo no blog.
* sabemos de Saturno o que não sabemos de alguem .
* acerca da individualidade, tema proposto por ti.
* Novalis.
* tudo o que digo é fruto do meu estado.
* “partilhemos”... sem juízos.
* acerca de A. Damásio, tema proposto por ti.
* acerca do silêncio, como o inserir neste espaço?
* proposta de grafismo para o silêncio.
* elogio do prosaico, dimensão injustamente desmerecida.
* Mahler, também eu ...
* acerca do meu anonimato.
* «tens-me ___________ !», um elogio à tua convicção elegantemente serena.
* Etc * a forma dispersiva com que apareço é a que melhor me permite viajar sem itinerário definido. Bem sei que por vezes me intrometo com uma voz paradoxal ou heterodoxa; devo-o em partes incertas, a Lobo Antunes que desconstrói na polifonia, a Pessoa cujo ortónimo não soma os heterónimos, a Llansol que abre silêncios na voz, a A Breton que deu ânimo estético à sub-consciência ( o peixe solúvel é um texto notável do manifesto surrealista obtido pela automação da escrita) a Rilke e a Borges, a Espinosa que antecipadamente consumou a geometria da modernidade filosófica, a Pascoaes que proliferou a voz dos reinos não humanos, ao búzio de Sofia, ao barqueiro de Gil Vicente, ao delírio de Dylan Thomas, à cosmogonia India, á densidade metafórica de H Helder, à imagética de Ramos Rosa, a Leopardi, a Hollderlin, a Antero que sucumbiu no desespero, ao existêncialismo lúcido e coerente de Virgilio, à obstinação telúrica de Torga, a ... e ...
* Nunca intervenho se o tema é exclusivamente vosso.


X

Anonymous said...

Estava com dificuldade em inserir o post, parecia haver um bloqueio e, de tanto carregar no botão de publish, quando dei conta já tinham entrado três. Desculpem e por favor removam o excesso.

L

Anonymous said...

sem pensar muito, porque exausta, mas feliz. de conforto e calma.
Conforto, porque a redução e a desintegração assumem cada vez com mais sentido um lugar de construção.
Calma, porque vertical entre a terra e o céu/universo.

provavelmente um diálogo que se manterá por entre silêncio e sorriso, imaterialidade e convicção. sou tambem assim, anónima.