Sunday, February 12, 2006

on line

Por dentro. Ainda por dentro, com medo de que alguma pedra do dia venha desfazer esta magia:

Sol quente, conduzindo na VCI, acima, lentamente
Deixei a Joana em Campanhã
Herberto Helder por Herberto Helder
De (no) regresso
poesia
A minha vida feita poema – melancolia.

Encanto que não se quebrou
inflexões integradas
vozes, barulho de colheres - o silêncio
interior povoado
de rupturas, imprecisões
inteiras
que convivem ternamente
no limbo de um torpor maior…
Deixem-me estar.

Quem me dera ter o dom de vos levar a esse lugar!

2 comments:

Anonymous said...

E


no indecifrável calendário que organiza as tardes, por vezes acontece-me fechar os olhos e, com plena consciência de que o ar é áspero, como se estivesse deitado num lugar inovador e fascinante, - correspondente a uma metáfora perfeita que inclui árvores vivas para possuir tal sugestão - parece-me lícito não sentir os membros e uma âncora pende-me da nuca.
De facto, esse parece ser o lugar onde a unânime imobilidade das coisas se dá e todas elas se manifestam apenas pela textura e tamanho que obtêm do crepúsculo, com excepção das de cor-válvula que pertencem à contingência do desejo e que se movimentam sempre. Essa paisagem-polígono, tal é a exactidão do seu marítimo limite, é igravitacional ainda que pareça afectada pelo pêndulo mudo da força grave que o peso póstumo do tempo me deixou. Mas não é disso que se trata. Na verdade, o que sucede na pedra paisagem sem qualquer interrupção é o silêncio, ou seja, uma nuvem morta a defini-la e, por consequência, nenhuma expectativa dela imana que possa dar nexo ao navio da minha imaginação.
Depois, vagarosamente, a atmosfera adquire atributos de ardor e calda que lhe são transmitidos pela luz que se esvai, e a maré-cuágulo, subindo e ampliando-se docemente, envolvendo-me o espírito com a anémona do translúcido, com o seu inexplicável sossego pairando no meio moderado da absoluta insipiência, ignorância tal que nem os nomes se significam nem as épocas se alongam, durante um breve perpétuo, quase, ou mesmo, durmo o abismo feliz de uma regalia que acontece dentro de mim sem eu estar. Mas também é possível levantar-se uma silhueta de inclinações ou declives abundantes, quase sempre a partir do espaço não ocupado pelos muros de uma cidade desabitada, e nela ver-se nitidamente o telhado onde um gato se apropria de outra vida.
Para ser mais preciso, diria que o corpo não sabe da alma ou, ao inverso, que o meu espírito abdicou dos ossos e dos pulmões para se expor ao impossível de que tanto se maravilha. Ora, não cumprindo ordens minhas, ele mesmo me deve uma razão que explique o facto da sua liberdade ter sido momentaneamente expressa por um gato, por uma anémona ou, como ontem, pela neutralidade dura de uma pedra.
Conclusão possível: Se colocasse uma gota de sangue no estojo daquela nuvem, no fim dos tempos ainda estaria quente e manteria o sabor a avelã, embora só no corpo transparente de uma anémona pudesse voltar a despoletar a hélice da vida.
Outra conclusão: Para aprender como é a pedra é precisa uma arte de assobios. Evidentemente, não direi que seja fácil levar os dedos à boca e ter a destreza do vento, e não sei mesmo se para o conseguir não será necessário tentar alguns pássaros. Mas é provável que a sua revelação me conduzisse ao pulmão mineral de um livro.
Ainda uma (hipo)tese: Aqueles que vivem no reflexo assíduo desta metamorfose são felizes, ainda que tenham ossos...


E

maria said...

Nesse lugar que experimentamos tudo se suspende. Num dos meus sonhos recorrentes, caminho centímetros acima do chão e ando sempre, por muito tempo, sobre a terra ou sobre a água, sem lhes tocar. Essa imagem traduz para mim esse lugar. Levito…talvez como os monges budistas, como em Leviathan de Paul Auster, mas nunca como Remédios a Bela de Gabriel Garcia Marques. Este lugar só se conquista aqui, na Terra e com ela, não é um lugar celestial nem etéreo.