Sunday, April 30, 2006

Santa Maria

Dizia, a quem me entende, duas horas depois de terminar a visita a Santa Maria no Marco, que se não for mais, só por momentos destes vale a pena continuar a Cultour.
Só pode ser assim, com pessoas que gostam de ouvir, gostam de entender e vão apenas à espera de que aconteça. Se esta viagem fosse só com arquitectos, Álvaro Siza não teria a oportunidade de nos falar de espírito, de teatro, de arquitectura. Porque é de arquitectura que se trata, quando fala do movimento do ajoelhar, do levantar, do barulho do objecto que cai. Porque, como bem terminou, o espírito não se constrói porque se quer, o espírito está… e está sempre, numa, casa, num museu, num hotel, em suma numa pedra ou numa árvore. O espírito não faz parte do programa de um templo, cristão ou pagão.
Mas ele, Siza, é assim, disponível e total. Sentado no meio da assembleia a falar e a responder às inteligentes perguntas que lhe foram feitas. Ouviu e contou…e nós absorvemos por dentro, ficamos impregnados de um estado.
Não tenho fotografias, guardo-as na alma: o azul intenso recortado na alta porta de madeira já vivida; a barriga grávida da parede pronta à oferta, a reflexão difundida da luz tépida sobre os azulejos que reflectiam ainda o som…da água que escorre pela pia de mármore, a marca do homem que vem até nós pela paisagem exterior que se oferece, pelo som dos passos, dos objectos manipulados e até dos grafittis ou das esmorradelas nas paredes.
Não precisamos por certo que nos indiquem o caminho, que estabeleçam paredes/regras nem que nos dirijam o olhar, basta que nos deixemos guiar para esse estado, essa eterna viagem, que nos leva de nós para Deus.
Agradeço o prilégio.

2 comments:

Anonymous said...

Siza fala e move-se como desenha __ ocupa cada circunstância espacial e temporal (mesmo a página) abrindo com a caneta ou com a voz uma e outra dedução consagrada ao espírito fiável das coisas do mundo: nesta obra, mais do que a qualquer outra matéria, à luz … e depois explica a obra com tal aparência de facilidade e óbvio que nem parece possível haver enigmas naquilo que faz. É tão raro nessa qualidade conhecedora que, ouvindo-o, nem se dá pela ponderação reflexiva que a sua simplicidade acarreta, decerto implícita de litígios que a sua linguagem arquitectónica [e humana] dissolve no espírito do lugar onde se constrói.
E eis como, num tempo de acelerada diálise dos teores e conceitos das arquitecturas transnacionais, fluxo e influxo de problemáticas e imaginações, de escalas e simbolismos, de soluções e protagonismos, ainda, ou mesmo cada vez mais, o “regionalismo crítico” de Siza pôde eleva-lo a uma condição Universalista que outras vias mais espectaculares e menos dialécticas não lograram. Saramago ou Vieira da Silva são exemplos de igual equiparação.

[merecidos parabéns para o vosso arrojo…]


H

maria said...

Ainda me mantenho em estado de graça. Entretanto leio palavras do então Padre Higino"(...) A sua mão mede e desenha. O seu olhar discreto, e aparentemente distraído, descobre novas coerências. A ironia precorre-lhe o espírito e salta nas palavras tão lúcida como a sua arquitectura. Nestes anos nunca lhe detectei uma ponta de vaidade ou arrogância. intolerante só com a incompetência.
Quando os pedreiros tentam convencê-lo a diminuir o tamanho das pedras do embasamento do edifício, responde tão simplesmente:
- Com o sagrado não se brica. (...)