Senti desconforto. O filme, do princípio ao fim, não nos deixa desviar um segundo do problema essencial: a violência extrema e potencial que todos nós carregamos e a fina e precária linha de fronteira que separa o bem do mal. Porque a mais pura violência tem justificação.
O percurso da personagem principal Tom Stall e Joye, não é linear como também não é linear a mistura das duas identidades, no presente. Elas no mesmo tempo se misturam, num tempo cronológico, embora coexistindo separadas ainda, são, sem qualquer sombra de esquizofrenia partes do mesmo homem, presente. Embora para Edie talvez essa fosse, a esquizofrenia, a justificação mais pacífica para perceber o marido, quando, ao fim de vinte anos de casamento, o descobre um assassino.Ela manifesta repulsa ao descobrir que o marido que amava é também outro: porque não o possuia completamente e porque não o reconhece nesta nova personagem.
Mas não é esse o caminho que segue a história, nem que seguem as outras personagens, de que o caso evidente é o filho. Para o bem e para o mal o assassino mistura-se com o marido, sem se destruírem, antes reconstruindo-se e dando corpo à sua verdadeira identidade. Um, sem o outro, não existem. E no olhar final que trocam, ela percebe-o integralmente (esta é a minha leitura, já que tudo fica em aberto).
Tom nunca deixou de ser Joye. Tom apagou Joye por opção até ao momento em que, para defender a sua nova vida (a empregada, o filho e a si próprio), deixou explodir a violência de Joye. Não era uma questão de esconder o passado, mas de sobrevivência, de uma escolha definitiva da sua vida de opção. A ideia de que são os contextos que criam os assassinos também não justifica comportamentos, por si só. Porque Tom teve que atravessar o deserto para mudar e mudou, deixando para trás o irmão e a violência gratuita. Mudou para a aparente “normalidade”, que contém sempre, ainda que submerso e oculto, o lado de Joye. Mas não é essa a normalidade?
Impressionaram-me ainda as duas cenas de sexo: a primeira pelo reencontro com a adolescência e a paixão de um casal com vinte anos de casamento. Num cenário recomposto, ela seduz o marido para outro tempo. Tempo de gozo, de desprendimento, de surpresa, de subversão. A segunda pelo reencontro de Edie com Joye, um lado violento e essencial, sem limite e sem tempo, em que o prazer se consuma no desconforto de o viver para além da coerência e do já adquirido.
Na linguagem o filme é também essencial. Na construção do discurso narrativo transporta-nos, desde o início, para um limiar alto e contínuo, sem oscilações. Nada ( ou quase nada) está a mais. A transfiguração das personagens obtida pela posição da câmara e pela iluminação é incomodativa de tão real: sem nada aparentemente se passar.
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