Tuesday, January 22, 2008

Tangerinas

Quando eu era miúda os meus avós paternos moravam no Porto. Ao fim de semana, ao sábado ou ao domingo, vinham primeiro de autocarro e depois de eléctrico, passar a tarde à Maia. A razão da mudança de meio de transporte deveu-se ao lugar da entrada: o autocarro, o L, partia do cimo da Avenida dos Aliados e o eléctrico, o 7, partia da Praça da Liberdade. Os meus Avós moravam na rua Cimo de Vila, nº 25. A minha Avó andava mal, porque tinha bicos de papagaio, por isso custava-lhe subir a avenida e então começaram a ficar pelo 7. Esta opção implicava que o meu pai os fosse buscar à Ponte da Pedra por volta das duas da tarde, quase sempre acompanhado dos filhos ou pelo menos de alguns (somos quatro).

O Avô chegava e, nesta altura do ano, fazíamos uma digressão até à tangerineira que ficava ( e fica ainda agora já velhota e pouco fecunda) à beira do tanque de cima. Nós parecíamos macacos a correr nas bordas do tanque ou a trepar aos ramos para lhe colher as tangerinas com que ele se deleitava. Tangerinas, laranja claro, redondas e achatadas, de sabor agreste, ligeiramente doces, que espirram abundantemente quando se descascam… tangerinas que ainda hoje existem e me chamam à casa da minha infância.

O ritual terminava na sala de jantar quando a minha mãe ia buscar o "aparelho" para medir a tensão aos avós. Nós ficávamos em obrigatório silêncio à volta da mesa a observar o acto. Em silêncio mesmo, para a Mãe ouvir bem o bater do coração, primeiro da Avó e depois do Avô. Quando chegava a vez do Avô, a Mãe media uma vez e não dizia o resultado. Dizia antes: "Vamos lá a acalmar Papá!" À segunda vez os parâmetros baixavam um ou dois pontos e então a minha mãe lá comunicava o resultado ao qual juntava alguns conselhos saudáveis. Depois media-nos a nós com aquela mistura de paciência e ilusão que só as mães sabem usar.

2 comments:

Anonymous said...

No novo ritual da neta agora adulta, que continua a subir à arvore, e depois das clementinas, fico à espera dessas deliciosas tangerinas.
L.

Anonymous said...

Bonita descrição de uma terna memória familiar.