Saturday, February 04, 2006

gineceu ii

Rescaldo de outro gineceu.
Voltando ao tema da casa de mulheres. Desta vez sem qualquer provocação.
Tenho para mim que o sexo, entendido no sentido restrito, limita um relacionamento profundo e intenso, quando falamos em grupos de mais que duas pessoas. Quando numa relação de partilha e de dádiva se intromete o desejo sexual e com ele o sentido de posse, de exclusividade e de ciúme, a relação fica prejudicada. Por isso será mais fácil que a intensidade das relações se atinja em grupos do mesmo sexo ou em grupos em que o objecto sexual sejam pessoas do sexo oposto (para não excluir situações de homosexualidade, já que as de bisexualidade nunca se poderão englobar nesta reflexão).
Isto para chegar a outra interrogação: será que a célula base da nossa sociedade ocidental, a família (pai, mãe e filhos ou homem e mulher) é a mais correcta ou, dito de outro modo, a que nos faz mais felizes? Porque assentes nesta célula base de organização social, somos induzidos a regrar as nossas vidas pelo sentido da exclusividade e da fidelidade (entendida como tudo vale, menos partilhar o corpo – quanto a mim um conceito muito estrito e materialista). Para alguns mais evoluídos, até a admissão dos chamados “casos” pode ser integrada no conceito de família. Desde que tenha sido uma coisa episódica, confinada no tempo... satisfeito o desejo: foi uma “fraqueza” passou e até muitas vezes consolidou a relação do casal.
Não partilho de modo nenhum esta perspectiva. Entendo que qualquer relação interpessoal tem que partir da base da individualidade e do respeito por ela. A concepção cristã de que pelo casamento são “dois num só” não faz, para mim, qualquer sentido. Eu sou Um, completo e independente, que me relaciono com outro(s) para valorizar ou intensificar partes desconhecidas ou adormecidas desse Um. Eu aceito viver com outros desde que o respeito pela minha individualidade e pela minha intimidade seja total e assim de total confiança. Não a confiança básica, que se justifica pela hipotética certeza da exclusividade da relação. Antes a confiança de que tudo o que o outro faça é para a sua realização enquanto pessoa e isso nunca pode prejudicar os outros que ele ama – eu/nós. Eu gosto do outro, sou amada por ele na minha especificidade, amo-o na sua e permito-lhe a liberdade de ele se expressar, se realizar nas múltiplas facetas, algumas das quais, não tem nada a ver com as minhas. Viver assim exige verdadeiro amor: dádiva sem espera de retorno. Duro, difícil na prática, quando há o tal desejo de posse e medo de perda, que sobrevém ao sexo e à paixão física ( ainda que platónica). Porque, se for platónica, as nossas mentes desculpam, mesmo que o nosso credo condene. Um dos dez mandamentos é: Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos.
Regresso ao início: viver numa casa de mulheres heterossexuais. Muitas das quezílias, zangas, pecados e “mortes”, que se vivem no seio das famílias tradicionais, ficariam de lado… e permitiria partilhar os encargos pesados da educação dos filhos, da logística do lar e algum conforto afectivo que sempre faz falta.

7 comments:

Anonymous said...

A ver se consigo dizer alguma coisa que sirva para levar a sério mas que também pareça uma treta…

Cada transeunte é único! Coisas eloquentes ou vãs dentro do sapiens facto que cada um reporta, têm em si um indício revolucionário quando se nasce num horário vago que se converterá num sentido conservador quando se morre num epitáfio preciso. Disto já percebemos todos bastante, excepto os que já morreram e ainda não foram avisados.
No corpo, comecemos por ai, a impressão digital do indicador e a elipse da íris celebram essa vanguarda. Vanguarda, e não façamos a coisa por menos porque o universo parece perpetuar-se através dela, em nós, no pólen cósmico, na ilharga de vazio, no Zodíaco, na amnésia plena e talvez mesmo no hálito do diabo! Afinal, deixando de lado outras considerações – algumas insanáveis – somos portadores de instruções e instintos que, sendo de um bípede cuja eficiência o sustém, parecem ter correspondência semântica e somática na mosca da fruta, no búzio lilás ou no rinoceronte pasmado. Mas, entrando nesse plano da exclusividade que nos caracteriza, i.e. que faz da nossa condição uma «condição de consciência», consciência de nós e do universo cujo nexo nos arbitrou, talvez até uma consciência muito imperfeita e previsível para a finitude que acolhemos, procuremos ir directos à própria ambivalência que possuímos, que nos é exclusiva, e que é essa habilidade inusitada para usar a mentira com uma mão e a verdade com a outra; alternadamente, em simultâneo, aos pares, à sorte, ..., tarefa tão simples como a abertura de uma lata de atum e tão frequente como coçar a extremidade de uma das sobrancelhas. E, literalmente, assim acontece. Estudos demonstram que a sobrancelha direita coçada com a mão esquerda quer dizer uma coisa e que a mesma sobrancelha coçada com a mão do hábito quer dizer outra bem diferente, considerando ambas desocupadas ou em iguais circunstâncias de utilização. Também se pode averiguar a dilatação das narinas do amante para determinar a sua postura perante o verdadeiro e o falso de cuja mescla desconhecida é feita a ilusão amante - mas é preciso assegurarmo-nos de que a ultima constipação tenha ocorrido há mais de onze dias úteis. Portanto, com processos muito simples, podemos conhecer ou escolher o nosso parceiro ou pelo menos saber quando está a fugir do lado iluminado das nossas expectativas dizendo palavras certas correspondentes a actos errados ou o inverso. Acontece porém que a recolha destes dados é mal usada, sobretudo ao não considerar atitudes de prevenção e precaução afectiva e, frequentemente, muito frequentemente, diria mesmo que à razão da nossa nutrição estética, moemos sempre o problema original que nos atormenta: o de querermos saber o que parecemos quando amamos e não tanto o de querermos saber quem somos quando aparentemente nada exibimos aguardando a chegada do comboio, do dentista ou precisamente do parceiro amado e amador.
Vejamos por cima do ombro, olhando portanto para fora do espelho que está à nossa frente: Amar dentro do intervalo definido no ponto inferior pela vulgaridade e no ponto superior por uma arte que fica um pouco aquém do cúmulo estético de Pedro e Inês, fazê-lo continuadamente, com ou sem cobertura canónica e jurídica, enquanto haja pelo menos uma carta de amor ridícula que o confirme e um anel que o desminta, enquanto haja à cabeceira alguns instantes de ciúme que o confirme e quase meia hora de insónia possessiva que o desminta, enquanto haja pelo menos uma relação sexual na noite de núpcias que o confirme e um elevador de cobiça que o desminta, enquanto haja conta solidária que o confirme e escova dos dentes que o desminta, portanto, enquanto por cada «etc» que o confirme haja algum «e tal» que o desminta, o facto é que Amar dentro desse intervalo comum e que perdure o tempo suficiente para que se sucedam as quatro estações algumas vezes, a sério e sem reservas, sem remorsos, é uma tarefa para poucos. E, provavelmente, quanto maior for o tempo decorrido, menor é o amor do principio e maior é o amor da jurisprudência. Amar é uma ilusão e por certo das maiores e mais potenciadoras da nossa causa, embora nunca admitamos com total veracidade a cor e a textura do nosso alter-ego. Ora é ele que melhor nos define, muito para lá da forma social e mesmo civilizacional, dos contratempos dos fusos horários ou dos clamores da gravidade do planeta, é ele que melhor nos indica quem falhamos em nós mesmos, embora desconheca a projecção que estendemos sobre o(s) outro(s). É o obscuro inconfessável, umas vezes pavoroso com presilhas de sombra e outras vezes eloquente com trompetes de luz que, todavia, perante as leis da linguagem do consulado amante, transportamos em silêncio desde o eterno e para o eterno. Nesgas ou deduções dessa região inaudita do nosso vulgo chegam e são suficientes para nos mantermos ocupados disso que é rir e chorar dentro da mesma ilusão de amarmos e sermos amados sabe-se lá com que critério ou geometria. Talvez por isso, odiar de corpo e alma seja exactamente aquele bem mais fácil prazer de um egoísmo bem sucedido e uma perna a enrijecer perante toda a solidão que ficar.










Que seria de nós sem a divergência e a compatibilidade, sem o perigo e a abstinência, sem o amor e o amor?













A negado por B que está exposto em C como resultado de D cuja conjugação se subtrai em E apesar de F, tal como G, se justaporem a H ...

maria said...

Tentei entender… não tenho dúvida que tudo contempla tudo e o seu contrário. Deixa-me no entanto pensar que para mim é mais fácil e mais gratificante lutar pelo amor ( ainda que ele seja por vezes, como dizes, mais “querermos saber o que parecemos” do que acreditar que somos amados pelo que somos, independentemente do que pensamos ser), do que odiar. Procuramos no outro o nosso reflexo? Também. Mas quero crer que, o procuramos com a humildade de perceber que somos, ainda que dolorosamente, a ideia que ele faz de nós.

Anonymous said...

Vale a pena ler os "estudos sobre o amor" de Ortega e Gasset. Recordo esta frase assustadoramente verdadeira ou pelo menos assustadoramente significante: « Seria um pouco estranho que, nós, enganando-nos constantemente no nosso trato com a realidade, só no amor tivessemos certezas.»
Estou do lado dele, e sinto-me vivo neste mágico jogo de todas as possibilidades que cada eu inventa para si e para o outro.


Nota:a minha ultima frase diz: odiar=facil=egoismo=solidão


N

maria said...

Certezas nunca. Possibilidades muitas... ainda e que apenas e só possibilidades, eternas possibilidades. Penso muitas vezes que não sou apenas aquilo que realizo ou que provoco...sou também aquilo que não sou, o que fica por realizar ou mesmo aquilo que nunca sonhei realizar. A forma define-se pela ausência de matéria que a rodeia, a música pelo silêncio, a figura pelo contorno, linha limite que a separa do espaço.

Anonymous said...

«Certezas nunca. Possibilidades muitas...» Estamos de acordo, e, afinal, dizemos o mesmo de modos diferentes!



G

Anonymous said...

[_______]
d
e
conversar
c
o
n
t
i
g
o

maria said...

Eu também.