Tuesday, November 29, 2005

Beleza e Comunicação

Hoje estava a ouvir o Ritornello na antena 2 e o Jorge Rodrigues pedia a um compositor, de que não me lembro o nome, que explicasse a música que seguidamente ouviríamos. Ele disse que não o fazia, porque se a música não fosse capaz de se explicar por si mesma, então tinha falhado.
Lembrei-me de um pequeno e delicioso texto que li ontem, de Gao Xingjian, todo ele intenso de conteúdo e sentido. Escolho no entanto uma passagem que tem tudo a ver com o que diz o compositor.
“ Suprimir el sentimiento estético individual en provecho de explicaciones no contribuye en nada al desarrollo de la individualidad en la creación artística, pues, en ese caso el individuo se hunde en el último concepto artístico de moda. Desde el momento en que el artista intenta ser el primero en expresar la voz de su época, en hablar de su época, debe recurrir al lenguaje más común, pero cuanto más común es el lenguaje, más vacío resulta. Entonces el discurso non tiene nada de novo que expresar, solo tiene una apariencia de discurso.”

"La belleza está en el instante"; Gao Xingjian; Em "Por outra estética seguido de relexiones sobre la pintura"; El Cobre Ediciones, S.L. ; España 2004

Sunday, November 27, 2005

O Fiel Jardineiro- notas sobre o filme

Fui à procura do meu lugar em África. Aquele lugar quente, feito de luz dourada onde, para além do essencial, só existe lixo. Percebi que o lixo é o nosso, o do mundo desenvolvido, exportado para África por interesse e pretenso altruísmo. Já o sabia. O Pedro saiu do filme e perguntou-me: Mãe, isto é mesmo assim?
A leitura que faço para mim, não é tão benevolente: A verdade da vida não é tão clara, a divisão do mundo entre bons e maus, parece-me aqui demasiado linear. Tessa, um anjo; Justin um amante, no sentido em que o amor dá força e sentido a tudo, até à própria morte. Ele vai ao encontro dela deliberadamente, prepara-a continuando o projecto que ela deixara inacabado, redimindo-se das suas pequenas infidelidades a Tessa.
Por outro lado a construção da narrativa, interessante e capaz de nos prender, possui alguns ruídos que nos desviam a atenção, prejudicando a leitura do encadeamento dos factos que constituem o triller, que adensam a estória, mas que lhe retiram força.
Encontrei o meu lugar em África, bem no seu interior, onde nada existe para além das pessoas, com insignificantes roupas que as protegem, fome, doença e o lixo exportado do mundo global (neste caso medicamentos fora de validade e novas drogas para teste) para ajudar este outro mundo global que é África.

Delírio de mar e pátria.


Temos andado a correr para o Museu Marítimo de Ílhavo, duas vezes por semana, à custa de um projecto acerca da pesca do bacalhau. Sinto uma proximidade às ondas, ao mar, às redes, à pesca, ao trabalho árduo quase comparável às directas. Sinto uma proximidade à vida solitária do pescador sozinho no seu dory. E uma proximidade à nossa tradição, à nossa nação. É pá, desculpem, é do sono. Não durmo desde as 9.30 de ontem. São 7.24. Mas isto é uma bela fotografia, se é!

Wednesday, November 23, 2005

Os passarinhos

O Pedro tem quatro passarinhos numa gaiola, daqueles que lhe deu o Sr. Albino. Dois bengalins e dois mandarins. Estão na cozinha enquanto não lhes arranjo novo poiso. São muito vivos e brincalhões. Mas também são muito porquinhos, sujam tudo à sua volta.
Hoje depois de jantar, já tarde, estava na cozinha a tomar café e a observar os passarinhos… a namorar. A namorar no Outono. O bengalim macho com a bengalim fêmea e o mandarim macho com a mandarim fêmea. Não se misturam. Encostam as cabeças e “beijam-se” com os biquinhos duros. Os dos mandarins são vermelhos e os dos bengalins escuros. À noite juntam-se todos em linha no poleiro, nunca intercalados – dois bengalins e dois mandarins, mas os quatro completamente encostados. Encolhem as cabeças nas penas e adormecem. A graça deles advém da sua vitalidade e dos movimentos muito entrecortados e frenéticos. Piam só. Um piar grave, mas sonoro.
Mas certo, certo, é que namoram no Outono.

Monday, November 21, 2005

Outra lógica

Acabei de ler os jornais de fim de semana. Algumas notícias misturam-se na minha cabeça. Cabo Verde, Brasil, AMI, Banco Alimentar Contra Fome, minorias, colapso da economia mundial,…. Lógicas que precisam de uma outra lógica que não a da desregulação. Essa outra lógica que cresce nos contra-poderes que surgem, também eles, às vezes já ameaçados pela do poder. Mas isso não nos pode fazer desacreditar das nossas qualidades humanas. São sinais de contra-poder a recuperação dos excedentes alimentares recusados pela economia de mercado para a confecção de alimentos cuja venda revertem a favor do Banco Alimentar contra a Fome, como o são as iniciativas da AMI, transformando imaginação em solidariedade.
Mas porque é que esta lógica, que deveria ser a lógica da vida, é hoje, como ontem, uma lógica de contra-poder? Parece evidente, para qualquer mente saudável, que não faz qualquer sentido deitar fora alimentos quando há milhões a morrer à fome. Não me esqueço da bem conseguida imagem do Live Aid, quando puseram a multidão a estalar os dedos de três em três segundos, significando cada estalar uma pessoa a morrer à fome. Em cada três segundos morre uma pessoa à fome! E não me venham com discursos de globalização da economia mundial, de garantias de preços de mercado ou de cotas, ou de qualquer outra coisa.
Reivindico a minha ingenuidade, os meus sonhos de ser missionária, a minha condição de humanista outsider, para relembrar à Joana e ao Pedro e a muitas Joanas e Pedros de qualquer idade, que o mundo não é só aquele que lhes é dado viver. É preciso ver mais longe e sobretudo ambicionar ser solidário a qualquer preço.

Friday, November 18, 2005

E mais um poema

Estas sombras que nos encaixam
Em paredes, em pedaços,
Turvam-nos os dias em horas
De amarguras, de demoras.

Estas sombras que morrem
Sobre os sonhos dos que dormem
E o mundo não recolhe.
Só mente, só acolhe.


Olívia Rosmaninho

(É que, ao que parece, hoje é mais um dia com uma noite mal dormida e muito trabalho para fazer, enfim.)

confidências

A partir de segunda-feira estarei noutro lugar.
A disponibilidade a mesma. O lugar sabido. Convoquem-me sempre.
Essa será a circunstância da minha vida…de resto contínuo, como sabem, a mesma.
Sonhadora, romântica, efabuladora, mas sempre com muitos por perto.
Este tom épico, não vem só da Íliada que leio com gosto…mas de mim que exaltada e confiante continuo a acreditar que o que nos move é o amor e a confiança de que não somos indiferentes.

Thursday, November 17, 2005

Balanço

Desculpem o desmazelo. Não é preguiça, apenas impossibilidade física. Incapacidade de lidar com o tempo material. Para quem, como eu, sempre defendeu a verticalidade do tempo, e por isso o tempo infinito, esta situação é imperdoável ou, no mínimo, enganadora. Infidelidade.
Como também ainda não tenho certeza da importância deste espaço para outros, sinto que posso ceder a outras paixões e esquecer este lugar. Por outro lado acredito-o como uma ponte que nos leva para universos insuspeitáveis.
Digam de vossa justiça.

Monday, November 14, 2005

exactamente

Encontrei este poema de Torga no "Dias com árvores". Não sei o título, não estava lá. Vou procurá-lo. Não gosto desta falta de rigor, desta maneira de se usarem as palavras dos outros sem correctamente as referenciar. Mas hoje dão-me jeito e por isso transcrevi o poema na forma em que o li, ali.

Tarde triste.
É o Outono doente que começa.
Cada folha parece que tem pressa
De morrer.
Madura e fatigada, a natureza,
Roída por não sei que súbita incerteza,
Até nos frutos quer apodrecer.

E há um desalento igual dentro de mim.
Uma renúncia assim
Calada e conformada.
Perdi o gosto verde de cantar,
A emoção vem à tona e degenera,
Infecunda, a negar
As muitas flores que dei na Primavera.

Miguel Torga, Diário XIV, 1984

Thursday, November 10, 2005

...não é só arquitectura

No fim de semana passado li um testemunho de Júlio Machado Vaz na revista Linha que acompanha a edição do Expresso que me tocou. Ele transcreveu-o no seu blog, com o título"Agradecimento mais do que mercido". Sugiro que o leiam. Se tiverem a revista podem perceber um pouco mais.
Eu vou de fim-de-semana, sem Internet. Saboreiem bem o texto.

Wednesday, November 09, 2005

Maria do Céu Guerra na Fábrica

Foi com surpresa que me deparei, Segunda, dia 7 de Novembro, numa das paredes do meu Departamento, na Universidade de Aveiro, com um cartaz acerca de um Ciclo de Poesia, sobre os 4 Elementos, na cidade de Aveiro. Logo, os meus olhos deslizaram um pouco mais e encontraram um nome conhecido: Maria do Céu Guerra.

Assim, nesse mesmo dia, às nove e trinta da noite, caminhei até à Fábrica, com a Helena e o Daniel “caladinho”. No caminho, ainda me cruzei com a Carolina, que vinha da print-shop, com o último projecto que nos foi proposto impresso. Dei-lhe a opinião que ela queria ouvir. Quando cheguei à Fábrica já a Maria do Céu se movia e contava poemas, deixando que eles se mexessem no seu corpo, que o tomassem, que o moldassem. Desde logo, achei-lhe a voz muito mais bonita, muito mais grave, muito mais sincera. A telivisão estraga as pessoas, torna-as pouco intensas. Seríamos quarenta na sala? Logo passei para a fila da frente, para que ela me fitasse os olhos em alguns versos, para eu não perder os pormenores dos movimentos. Quarenta com o mesmo gosto, a mesma entrega? Fiquei meia hora a conversar com ela, no fim. Tem uns olhos que parecem o mar. Quarenta a ver na poesia a única salvação? Quero deixar tudo. Deixar tudo pela Poesia. E por isso já mandei um email. O princípio.

Tuesday, November 08, 2005

De Sophia

Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus laços
Como se de novo fosse criada cada coisa.

Sophia de Mello Breyner
Arte poética

Declaração

Continuo a querer os mesmos amigos, as mesmas conversas, os mesmos cafés, as mesmas rotinas. Se elas se mudarem é porque nós, eu convosco, já não precisamos delas, sem drama, sem dor. Continuo a acreditar nos mesmos projectos e a combater militantemente por eles. Eles que são: realizar-me como arquitecta que faz arquitectura pondo os Arquitectos a fazer Arquitectura; realizar-me como arquitecta enquanto divulgadora de uma profissão e de um modo de a exercer com paixão; realizar-me como mulher que acredita na condição feminina, com especificidade e com igualdade de oportunidades; realizar-me como educadora, que acredita na juventude responsável e sem preconceitos raciais, religiosos, sexuais. Que combata a pobreza e a discriminação e que assuma uma postura de vida que assenta na dádiva sem retorno. O único retorno, será porventura o da amizade ou o de percepção de que pela nossa acção alguma coisa mudou para melhor. Mesmo assim teremos que ter humildade para aceitar que a nossa vontade e a nossa crença pode ser vã. A verdade não é única. Verdade/valor universal é apenas o respeito pela dignidade de cada homem.
Concluir que uma alteração circunstancial modifica relações fundamentais não era, até hoje, para mim evidência. Não estou disposta a aceitá-lo a não ser pela liberdade de esquecer aquilo que ingenuamente julgava verdadeiro.

Sunday, November 06, 2005

Sábado sempre

Sábado, Sábado, Sábado…
Cá em casa cabe música, cabe diálogo, cabe…
Cá em casa quase não cabemos nós.
Mas cabe trabalho, jantar (fazer jantar) leitura.
Cabe natureza, folhas, orvalho, cor de Outono.
Cabe a angústia da segunda-feira também.
A certeza de que o sábado não cabe na segunda-feira.
A angústia de que vou subir aquela escada para um mundo que não entendo.
…e onde suspeito não vou poder descobrir o meu canto…
O meu sábado. O ilusório real.

( A Joana está copiosamente bonita. Rosada. Os olhos negros e vivos. O som do teclado do computador, a duas, mistura-se. A boca é uma flor. Ela é a Joana eu, a sua mãe. A música de fundo - Ryuchi Sakamoto)

Alberto Carneiro em tinta vermelha


Alberto Carneiro de volta às nossas manhãs de fim de semana. Homemade Conceptual Art, baby! Hoje, eu, a mãe e o Pedro saímos para encontrar a Natureza e manchá-la, infelizmente. Encontrámos quedas de água e rios, àrvores e fungos, pedras e folhas e, nisto tudo, uma bela manhã de Outono. Senhor Francisco Providência, se por acaso ler isto, pode bater-me na terça, que eu não me importo!

Friday, November 04, 2005

Para viver é preciso namorar a vida.

Para viver é preciso namorar a vida.
Por favor arranje um amante.
Durar é ter medo de viver. É trocar o hoje pelo incerto amanhã.


Frases soltas que retirei de conversas em programa de rádio ao sábado à tarde.

Que significado tem para mim? Muito.
Quantas vezes hipotecamos a vida presente por um amanhã supostamente melhor? Faz-me lembrar, aquela imagem recorrente, dos que tem por objectivo ganhar dinheiro que não tem tempo para gastar. Trabalhar por gosto é viver. Praticar desporto por gosto é viver. Namorar a vida é encontrar gosto a cada passo, é descobrir encanto nas coisas mais simples, é ser capaz de contemplar. Mais importante do que tentar adiar a morte é viver.
A ideia de vida eterna é markting. Sob a ideia de qualidade de vida vende-se imagem, corpos belos e saudáveis, iguais, indefinidamente e por muitos anos. O corpo não se transforma, envelhece e mantém-se jovem. Luta-se exaustivamente contra as rugas, contra a flacidez, contra o cabelo branco, contra ….Fazem-se sacrifícios imensos e compram-se hipóteses. Põem-nos uns óculos que só deixam ver beleza na juventude e na perfeição do modelo esteticamente convencionado. Os mesmos óculos que ficcionam a vida e a transformam em imagem de telenovela: praias idílicas de mar azul turquesa, palmeiras e bebidas espirituosas, claro que com a melhor companhia, quente e bronzeada deitada ao nosso lado ou nas suas melhores brincadeiras fogosas.

Viver hoje não é ficção. Comprar a beleza eterna é um logro. Entender que a beleza é eterna é sabedoria e saber vê-la sempre, a minha ambição.

Wednesday, November 02, 2005

Sophia & a poesia

É possível que esta maneira esteja em parte ligada ao facto de, na minha infância, muito antes de eu saber ler, me terem ensinado a decorar poemas. Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar muito quieta, calada e atenta para os ouvir.

Sophia, extracto de
arte poética iv

***

Consigo imaginá-la, uma miúda quieta num canto, tão nova e já a ver a música das coisas. Com poemas a cairem-lhe nos ouvidos, para ela os escrever. A verdade é que a poesia paira no ar e basta-nos estar atentos para agarrá-la. Às vezes, agarra-se com uma fotografia, outras vezes com a memória, às vezes é um desenho, umas frases, às vezes agarra-se a poesia com um poema. Mas poucos agarraram os momentos como a Sophia.

(este post é para a Susana, que ouve a poesia suspensa no ar.*)