Sunday, September 23, 2007

Os relógios do Avô

Ouvia uma entrevista feita em 1955 a Aquilino Ribeiro por Igrejas Caeiro. Ao fundo ouvi um relógio a bater as horas e tive saudades do meu Avô.
O meu Avô tinha a paixão por relógios. No salão enorme da casa de Cimo de Vila os relógios batiam as horas ao mesmo tempo. Ele levanta-se de manhã e a primeira coisa que fazia era dar corda aos relógios e acertá-los, ao segundo, pela hora da emissora nacional. Depois da tarefa dava um pequeno balanço ao pêndulo para ele continuar a trabalhar, a marcar o tempo. Também tinha relógios de bolso e de pulso que tratava com a mesma dedicação. Um deles foi o meu relógio durante muitos anos, um relógio grande, um relógio de homem, de mostrador creme e com os números bem desenhados. Quando se adiantavam ou atrasavam, ele abria-os e com a lâmina do canivete, que trazia sempre no bolso, "dava ao zarelho", expressão que usava para expressar o acto de empurrar uma pequena alavanca interior.
Em Melcões, casa mãe da Beira Alta, também tinha relógios. Quando lá chegávamos a primeira coisa que fazia era pô-los a trabalhar. Quando, raramente, íamos lá sem ele e telefonávamos, perguntava sempre: "Já deste corda ao relógio?"
Tinha doze netos. Quando acabávamos a quarta classe e entrávamos para o liceu, o Avô oferecia-nos um relógio que íamos com ele escolher à Relojoaria Adriano, que ainda existe, entre a Rua das Flores e o Largo dos Lóios - o meu era rectangular.

1 comment:

Família Giroflé said...

Tenho a certeza de que se o Avô pudesse ler este teu texto, Maria, ficaria com os olhos cheiinhos de lágrimas... sentiria que deixou recordações e marcas inesquecíveis.
Obrigada pelo facto de o teres passado a escrito, num local em que alguém acabou por o descobrir, até porque o Avô será sempre nosso, assim como os seus relógios e a inesquecível terra de Melcões.
Obrigada pela partilha e, consequentemente, o momento bom que me fizeste passar ao ler-te.
Filomena