Thursday, May 04, 2006

Vou ler

Trouxe trabalho. Não cheguei tarde. Fiz o jantar com calma e sem rasgo. O tempo esgota-se e eu não tenho vontade de fazer nada. Queria um poema, mas não me apetece procurá-lo. Um poema que falasse da vida, daquela que se conquista por entre a doença e a dor – que eu hoje não tenho ( doença e dor). Que falasse da luta, daquela tal capacidade de transformar o mal-estar em bem estar, das transformações que o nosso corpo opera pela sobrevivência. Pulsão vital e biológica, explicável cientificamente pelas palavras de Damásio. Que falasse da injustiça da doença, que retirasse Deus à Natureza, que não confundisse destino com vida. Que caia do céu o pão da vida para me alimentar a mim e a outros que me parecem menos afortunados do que eu. Mas não sei nada, porque muito se passa sem que o saibamos e a vida é um fio ténue, sempre no limite da tensão. Que não sejamos nós humanos a estica-lo até à ruptura, porque nascemos para ser felizes, ainda que essa felicidade nos chegue pelos mais recônditos atalhos.
Decididamente não vou trabalhar hoje. Vou ler.

2 comments:

Anonymous said...

Quando consideramos a "vida", normalmente referimo-nos a uma vida. Uma de unidade, seja ela a da árvore, a do peixe, a do réptil ou, mais frequentemente, à nossa “própria vida” colocada sobre um termo de comparação. Pelo menos parece ser este o caso frequente das nossas considerações. Mas dei por mim a pensar que considerar a vida «nossa» é uma violenta inferiorização da causa que nos acolhe. A vida como domínio ou propriedade nossa é um desterro auto-imposto. A Vida é uma entidade antiquíssima cujo significado progride consoante a elevação ou desgraça das civilizações mas, como quer que ocorra e decorra o trânsito da história, com mais ou menos messianismos, com mais ou menos niilismos (um e outro de novo em voga - ambos radicais, embora de sentido contrário – aquele por reacção e este por indução do desconstrutivismo que parece não ter ainda terminado), manterá a sua inquebrável qualificação suprema. Se quiséssemos algum conformo dialéctico, talvez pudéssemos dizer que somos seus inquilinos. Apenas! E este apenas, é evidente, devia fazer-nos menos moderados na utopia do mundo. A Vida, obviamente, tem trechos de morte. O problema reside no facto de muitos deles serem excertos da máxima brutalidade e estupidez humana; alias, o homem é o mais audacioso fazedor de destino…


O

maria said...

O que assusta é que enquanto os animais se integram sem resistência no grande projecto da Vida,sobrevivendo, nós homens artifializamo-nos e perdemos capacidades de auto preservação intervindo decisivamente no decurso da história, também pela destruição. Por outro lado o que nos faz sofrer é a consciência da morte por antecipação, e essa temo-la nós humanos. Resta-nos a esperança, como saudade do futuro ou melhor, no sentido Espinosiano, que transcrevi num post passado.