Friday, May 05, 2006

Morte em Veneza

Pois que a beleza, meu Fedro, e só ela, é digna de ser amada e visível e ao mesmo tempo: ela é – nota bem!- a única forma do espiritual que recebemos através dos sentidos. Ou então, o que seria de nós se, por outro lado, o divino, a razão, a virtude e a verdade se nos quisessem revelar através dos sentidos? Acaso não morreríamos e nos consumiríamos de amor, como outrora Sémele perante Zeus? Assim, a beleza é o caminho do homem sensível para o espírito – só o caminho, um meio apenas, pequeno Fedro… E em seguida proferiu o mais subtil, aquele cortejador astuto: ou seja, que o amante é mais divino que o amado, visto que naquele existe o deus e nestoutro não - ideia que talvez seja a mais terna e a mais irónica que jamais foi pensada e da qual nasce toda a malícia e a mais secreta volúpia do desejo.

Thomas Mann; Morte em Veneza; Biblioteca de Verão; Edição Diário de Notícias; pag59/60

4 comments:

Anonymous said...

Arrisco a dizer, porventura com excesso, que Espinosa, através da Ética, escreveu o Novo-Testamento da diáspora filosófica contemporânea. Foi o grande percursor da genealogia do debate que hoje se trava. «Diáspora» porque foi um apátrida enquanto elaborava a concepção humana, integramente humanista, que ultrapassou o seu tempo – que a carta fundamental dos direitos humanos que hoje vigora não pôde consumar – e ainda, mais propriamente, porque empreendeu uma clivagem severa e literalmente dolorosa com os guardioes das escrituras judaicas. Steiner por exemplo, salvo do nazismo pelo serviço diplomático dos influentes, segue hoje contudo a mesma via ao expatriar-se voluntariamente do desígnio hebraico actual. Isto o que significa? Talvez possa indicar que a liberdade da Ideia, que o seu utopismo mais genuíno e progressista, que a sua «revolucionária» premência (Trotski teve igual génese e elaborou um sonho de grandeza inultrapassável; mas a história declara que o usurpado funcionamento supra-realista do seu anúncio – o Construtivismo panfletário aplicado ás massas – veio a corromper o maior algoritmo social e cultural alguma vez inventado na era moderna, exactamente nos mesmos termos daquilo que posteriormente sucedeu com a fórmula que desvendava a energia infindável da fusão nuclear e que haveria de devastar o solo Japonês e a nossa esperança. Aquele cogumelo é o símbolo do nosso actual cepticismo desesperado e a súmula aterradora do nosso poder) ainda não teve, apesar de tais esforços, porque são sucessivas as depravações, uma consumação que nos equipare no espírito ao proclamado Homo-Sapiens-Sapiens. Que outro homem se forja no nosso encalço? Será o homem da linguagem inútil, um neo-símio cuja (est)ética está ainda por definir mas que por aventura se virá a compor após a proclamação da actual anemia e amnésia geopolítica? Porque digo isto? O que significa o problema Iraniano? E o abandono no Ruanda? Alguém consegue encontrar ou conceber alguma «hora-branca» ( nova-ordem já não significa nada) que consiga coerentemente dissolver ambas as questões de modo historicamente apropriado? Sem manchas ou sombras provenientes do contemporâneo teatro de carrascos e vitimas de si mesmos, uns e outros o mesmo homem-desta-época-reaccionária? Talvez não! E note-se, o mesmo século XX não tem paralelo de potencial tecnológico e barbárie humana. E a definição e a explicação do despotismo, da sua ampla conspiração e intriga, parece ser questionada em raros e acanhados fóruns intelectuais. Que ideia, depois da de Deus, porque ela será extinta pelo êxtase da própria fé, será relevante para a concórdia ou para a discórdia, i.e. para a aliança do homem com o Homem, da sua condição com a sua Ética?



N

maria said...

Não sei. Sei que ontem, a tua escrita "A vida como domínio ou propriedade nossa é um desterro auto-imposto.",me levou a pensar-me profundamente universal. Que valor tenho eu, senão a de mera peça de um puzle universal, contínuo e infinito? Cada vez mais penso que só este entendimento nos pode levar para fora de nós e dos mais mesquinhos,humanos e universais pecados.A sociedade reproduz a nossa genética e biológica universilidade. "Ou então, o que seria de nós se, por outro lado, o divino, a razão, a virtude e a verdade se nos quisessem revelar através dos sentidos? " O divino, a razão, a virtude e a verdade, não nos são naturais como a beleza que nos transtorna e transforma os sentidos, sendo no entanto ela uma porta humana para o espírito.Às outras chegamos por trabalho, por depuração, por contensão do eu, ou da pátria material para atingirmos uma outra, a da ideia, a do tudo e a do nada - Nada somos.
A nossa deriva advém da ruptura com esta outra ordem que nós quebramos, mas também solidificamos com a introdução da ciência e da arte ao serviço da ideia pura e única - um Deus telúrico, Terra, Mãe, Natureza, ausência ou omnipresença.Sempre dual.

Anonymous said...

Sim, um pensamento unificador e convergente que não tenha medo de olhar, olhos-nos-olhos, o paradoxo do enredo humano actual.
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _ _ _ E que elabore uma Ideia que, como quer que a rodemos [revolucionemos], reflicta a densidade da claridade Humanista tal como uma esfera que, do cume de uma montanha, como uma girândola de intenção ética, reenviasse em simultâneo a quântica Luz solar a cada ponto cardeal da nossa esperança!...

L

maria said...

Não que tenha que ter a útima palavra, nem ser uma das donas deste blog me dá esse direito ...e de todo não o quero. Gosto deste diálogo e nele me encontro.Porque é disso que se trata, de uma eterna procura sem retorno na procura do que nos move...sempre.