Thursday, August 31, 2006

mesa redonda

Se outra vantagem não teve, o nosso fim de tarde de domingo passado, pelo menos o de trazer a mesa redonda para o pátio, não será de subestimar. Esta mesa, que compramos há vinte e dois anos, para a cozinha da casa em Rio Tinto, está agora reduzida ao papel de apoio no verão, ou nalguma festa familiar. Se este começa mais cedo, por alguma razão especial, vem mais cedo para o pátio. Porém este ano só no domingo teve privilégio de deixar o seu lugar. Desde domingo, todos os jantares foram no pátio e proporcionaram uns belíssimos convívios familiares. Conversas e silêncios ao crepúsculo ou pela noite. Tem sido bom. Uma peça importante no puzzle das férias.
Mas decerto que o nosso fim de tarde de domingo teve outros encantos e outras vantagens, pelo menos para mim e espero que para os outros.
É mesmo assim. Estamos no mesmo barco. Afrontamos tempestades e precisamos de tempos de bonança. A vida é mesmo uma viagem que não tem necessariamente que ser má, nem terminar mal. Tudo depende da nossa atitude, da maneira como nos soubermos dar, como soubermos amar e ser amados. Bem hajam!

Os segundos andamentos

Os segundos andamentos. São sempre, ou quase sempre, estes que me tocam mais. Por serem mais lentos, introspectivos, nostálgicos, talvez.
Estávamos sentados no pátio a conversar sobre a vida. Também de trabalho, o nosso trabalho feito vida. Paixão, tensão, reconhecimento, compensação. Todos os dias uma luta. Sempre a necessidade de não perder de vista os objectivos, de estabelecer uma fasquia, um limiar de conduta. São tantas as vezes que me vem à memória uma crónica do Pitum no Jornal dos Arquitectos, que só uma vez li, mas que me sustenta, na qual o “arquitecto municipal” acaba dobrado e disforme, por falta de coluna vertebral, tantas foram as cedências que fez ao poder ou aos poderes. Gostaria de a recuperar para a colocar nalgumas das salas de trabalho dos meus companheiros e na minha. É difícil este equilíbrio. É difícil para quem gosta de fazer e de ver feito. Para quem quando olha as imagens que nos cercam, as atitudes das pessoas, quando ouve os sons que nos envolvem, quando percebe as modas e os estilos dominantes, entende que o seu próprio mundo é muito limitado (aqui empregue enquanto quantidade e extensão). É limitado, mas existe, num pátio ao princípio da noite, com um filho de fones nos ouvidos a jogar um jogo sobre a II grande guerra, uma filha quente no seu mundo, longe fisicamente, um companheiro de palavra e de vida... e o segundo andamento do Concerto n.º2 para piano de Rackmanifof por fundo. Recomendo-o vivamente.

as férias assim

O lento passar do tempo. Um tempo fecundo feito de nada. Apenas do seu lento passar. Com leituras, conforme o apetite ou a lembrança, que se procuram em livros não lidos ou reabertos. Como já devem ter percebido estou novamente rendida a Durrell, ao Quinteto de Avinhão. Devoro o terceiro volume “Constance ou Práticas solitárias”, na altura da primeira leitura o que mais me encantou. Porque também esta leitura não tem tempo e discorre por fios múltiplos, que se separam e juntam nas personagens e em nós mesmos.
Constante, começa no fim do Verão com o início da segunda grande guerra. Em Constance o tempo também discorre, por entre a época das colheitas, o sol quente, as primeiras chuvas, o vento mistral. Mistura o oriente próximo, o Egipto, e Inglaterra. Tem como cenário França e ….
As férias são isto. Deixar as eternas tarefas por fazer, para fazer depois. Misturar e conter.

Tuesday, August 29, 2006

Ravel

Quando tomava o pequeno-almoço, só, numa casa da gente de férias, fui surpreendida com a Pavana para uma Infanta Defunta de Ravel em versão para trompa.
Às vezes não sei se a música me faz bem ou mal. Senti-me perdida, ou presa dentro da manhã “Como um fruto que mostra/Aberto pelo meio/A frescura do centro”, onde a música escorria lenta e redonda, abrindo-me as portas do paraíso.
Ainda guardo no corpo os seus efeitos e devo talvez procurar respirar três vezes por minuto para, incorporando-a, dela recolher a sua dádiva.

Era noite...

“(…) Era tarde quando finalmente desejaram boas-noites uns aos outros, e mesmo então, com um luar tão bonito lá fora parecia uma pena ir para a cama; portanto, ele desceu até ao tanque e tomou um banho silencioso e gelado, deixando as asas bracejantes da água passarem por ele como chuva. Cerrando os olhos, ele tinha a impressão de ver o preto magnetismo da luz negra que irradiava da terra, quer no meio dessas árvores e vinhedos quer das garrigues escalvadas e pedregosas ou das colinas arenosas com os seus vales xistosos a desagregarem-se. No meio desses errantes dormitórios de cacos, Van Gogh tinha procurado o demónio do seu negro sol do meio-dia – e encontrara-o na loucura. Só quando uma pessoa lá se encontrava conseguia compreender até que ponto a obra do pintor era uma expressão fiel daquela terra. Ele começava a compreender a diferença entre as duas artes, a pintura e a literatura.
A pintura persuade estimulando a mente e o nervo óptico simultaneamente, ao passo que as palavras implicam, significam qualquer coisa mesmo aproximada e são influenciadas pelo seu valor associativo. O encanto que exercem visa dominar as coisas – são os instrumentos de Merlin e de Fausto. A pintura é desprovida deste tipo de perfídia – é a celebração inocente das coisas, procurando apenas inspirar e não coagir. (…)"

Durrell, Lawrence; "Lívia ou O Enterrado Vivo"; Difel; pág. 236

Saturday, August 26, 2006

Assim é a manhã

Manhã

Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro

Sophia de Mello Breyner
Livro Sexto

Thursday, August 24, 2006

Vila do Conde


Hoje de manhã a Sílvia perguntou-me “ Madrinha, vamos onde?” Instintivamente respondi como é hábito “ A Vila do Conde.” Depois pensei no que respondi e interroguei-me “…e se fossemos?”. Fomos. O Pedro moeu-me a cabeça, como sempre: “… e o que vamos fazer? E o que tem?” Respondia: “Vamos passear. Vamos ver.” “Ver o quê?” voltava ele a perguntar. Depois veio a lição de moral: “És sempre o mesmo. Não gostas de experimentar. Se não sabes o que te espera, não arriscas. Ainda vais acabar por passar férias, todos os anos, na mesma casa, no Algarve.”
Paramos na marginal de Vila do Conde, a tal que criticam muito por ser cinzenta. Gostamos. Todos. O pavimento corrido e escuro, pontuado pelas caldeiras das árvores e as guias em granito, os pittosporum ainda imberbes, os balizadores (os únicos bonitos que até hoje vi), as rendas de canas que desenham as dunas, os pescadores, a capela da Sr.ª da Guia, o forte, fizeram-me mudar de opinião quanto à habilidade de Siza Vieira para desenhar espaços públicos. Custa-me a admitir que seja difícil de entender, como me custa a admitir que pudesse ser de outra maneira. É generoso, largo, enche o olhar que se espraia para se fixar num qualquer ponto do horizonte real ou imaginário. Provavelmente as pessoas de hoje são mais como o Pedro antes da experiência: gostam que as conduzam, que as explorem, que induzam consumo e comportamentos. Sentem-se inseguras em cenários diferentes do habitual. A diferença está em que o Pedro perante o imprevisto usufrui, dá-se e reconsidera, os outros, sentem-se desconfortáveis e morrem na praia.

Sunday, August 20, 2006

convite

Aquele que dissemos que íamos fazer e ainda não fizemos.
Aquele que paira, promessa de uma festa do Conta-mina.
Para os amigos e leitores, informal e (quase) espontâneo.

Será:
Dia 27, lá para o meio da tarde. Porque é domingo. Aquele fim de dia morno, quando a semana de trabalho começa a estar presente e não apetece fazer nada. A festa será para isso – para não fazer nada, simplesmente estar.
Em lugar acolhedor, informal, aberto, sem preconceitos…a todos os que vierem por bem. Esperemos que não chova.
Aguardo que a minha designer para o formalize.
Podem trazer as famílias, porque aqui há espaço e há miúdos.
Por questões logísticas, pedimos para confirmarem quantos vêm para mconceicaoster@gmail.com.

Friday, August 18, 2006

Contrabaixo


Talvez sim. Talvez este seja o último reduto.
O contrabaixo. A base da música. O que sem estar presente evidencia. Dá corpo, permite… que os outros instrumentos sejam música. Aquela que os ouvidos analfabetos ouvem. Aprender a ouvir o contrabaixo. Ouves? Faço um esforço para…só ouvir o contrabaixo. Ouço.
O contrabaixo… na vida é, são… os ruídos, o pano de fundo, o receptáculo, a casa, a família, a música, o “nódoa”, tudo o que permite…
a exaltação da minha solidão.

Thursday, August 17, 2006

festa na aldeia

O dia amanheceu frio e chuvoso. Um dia de outono, no verão. Uma vontade de outono que sucede ao pico, quente e intenso de verão. Pós- festa, para mim.
Ouve-se lá fora o silêncio, contrastante, com o bulício quente de dois dias antes. Era a festa da aldeia. Os conjuntos e os foguetes. Saudades das bandas (por acaso a que ia na procissão da festa na aldeia, até nem tocava mal e levou-me, por escassos minutos, na nostalgia do tempo!)
Festa na aldeia. Na cidade da Maia, permanece a aldeia, no seu pior. O atraso, os rostos pobres, sofridos, subdesenvolvidos, a marca do tempo. Não do tempo biológico ou meteorológico. Não a curtição da vida do campo. Apenas a pobreza, de espírito, de ideias, de conteúdo, de pensamento. Todos os anos a reedição para pior, da procissão, do padre, do presidente da Assembleia Municipal, dos foguetes, dos tapetes de verdes. A Nossa Senhora da Assunção, da Caridade, das Dores, com meninos de plástico nas mãos e óculos seguros por elásticos. Os anjinhos sem asas, perdidos sob o cheiro podre da relva cortada que desenhava o tapete. Relva em vez de feno. Desenhos modelados em vez dos verdes postos aleatoriamente. Ainda algumas colchas de damasco nas varandas.
Ao lado a mediocridade áurea, conceito romano, que descreve a velhice, tão contrário ao dos gregos em que a idade é a porta de entrada para o respeito e sinónimo de sabedoria. É assim por cá. Só que a mediocridade não é só áurea, mas também argêntea ou neófita. Aqui mais que em Roma, alastrou a todas as idades e fases da vida.
Por isso conta-minar com o vírus da inquietação e do sonho, faz todo o sentido.

Monday, August 14, 2006

fazer

“ Era como uma ebulição cega que só se descarregaria numa insónia ou numa dessas súbitas disposições para as lágrimas quando alguma grande música o comovia, ou era trespassado pela visão súbita de um campo sazonado. Para outros bastava-lhes simplesmente o prazer que estas vagas sugestões de beatitude, estas percepções da beleza lhes causavam em si mesmas. Mas ele provinha dessa obstinada e desequilibrada tribo que ansiava por fazer qualquer coisa com elas – por compreende-las e recriá-las numa forma menos lancinantemente transitória que aquela que a realidade outorgava. Que havia de fazer? Era esse sempre o seu pensamento, e ele atormentava-se intimamente com a noção de que não havia nada, que não podia fazer nada, que não havia nada a fazer.”
Durrell, Lawrence; Lívia ou o Enterrado Vivo; Difel; pág 152

Hoje de manhã quando ouvia Schumann e depois Brahms, pensava na vida densa, de loucura e sofrimento, que aqueles que hoje são capazes de nos comover, tiveram. Eles são desta “tribo” e conseguiram transformar a ebulição cega, compreendendo-a e recriando-a até à porta de entrada para a nossa comoção.
Que hei-de eu fazer, eu que também pertenço a essa tribo? Nada, não há nada a fazer…talvez apenas aquietar-me para simplesmente absorver o prazer.

Friday, August 11, 2006

TDF

Há outras tensões…esta é a tensão pré-férias. O tempo a correr, os programas pós-férias a comprometerem-nas mesmo antes delas chegarem. Programar muito bem os cinco dias que faltam, tentações de adiar o seu início mais uns dias, para que possa finalmente gozar a casa sem tempo… e programar uma viagem de sonho de uma semana…fora do tempo e do lugar. E ainda uma festa pelo meio com trabalhos de casa que me são atribuídos.
Mas Agosto é um mês difícil. Se por um lado se trabalha melhor, porque tudo está mais calmo, por outro quando precisamos de alguém ouvimos “ Está de férias, só volta dia …” e depois outro “ Está de férias só volta dia …”. Programar com as férias dos outros e com as nossas á ainda mais difícil.
Hoje está tudo muito negro, apenas me aquece o calor, o céu, o sol, e o amor (d)na Grécia.

Primavera
“ Na Primavera, os marmeleiros
da Cidónia, regados pelas correntes
dos rios, lá onde das Virgens
está o puro jardim; e os pâmpanos
a crescerem sob folhagens sombrias,
rebentos de vinha. Mas para mim o amor
não descansa em nenhuma estação;
ardendo sob o relâmpago
como o Bóreas da Trácia,
lança-se de junto de Cípris com sedentas
insânias, tenebroso, desavergonhado,
e com força, de cima para baixo, sacode
o meu espírito.”

Íbico, in Poesia Grega; organização, tradução e notas Frederico Lourenço; Cotovia; 2006

Wednesday, August 09, 2006

pnpot

Acabei de ler o PNPOT. Fiz um esforço enorme para ser crítica e produzir um documento para a participação da Câmara Municipal. É sempre difícil, deste lado, de quem sofre as directivas do governo, do legislador, do especialista; e de quem enfrenta o cidadão inculto, egoísta, preconceituoso: dizer alguma coisa com lógica. Aqui não temos tempo para pensar, apenas para reagir. Emotivamente ou mais defensivamente (vantagem da idade e da experiência) com uma ligeira “dor de cotovelo” , por não poder estar do outro lado – de quem dita as leis, ou de quem as critica. Por isso ler o Programa Nacional para a Política do Ordenamento do Território foi, um prazer e um suplício. Se está bem feito? Teria que estar, tantas são “as cabeças” a pensar…mas há sempre uma outra “cabeça” mais esclarecida para criticar, encontrar, mil e um defeitos (mas criticar é bom, desenvolve-nos filosoficamente). Se tem uma Visão (oh! conceito moderno) credível? Claro que tem, um Portugal competitivo construído sobre um ambiente sustentável (conceito um pouco menos moderno) e solidário ( conceito igualmente moderno). Se apresenta soluções? Claro que apresenta, centenas de medidas, inventadas para o Portugal do Futuro (onde é que já li isto?). Se vamos dar-lhe uso? Claro que…
Não sabemos. Tudo depende de, e de, e de ….
O conta-mina serve também para fazer este comentário que obviamente não vou mandar para o site www.territorioportugal.pt/
Ainda bem que tenho muitas outras coisas que me motivam e consubstanciam a minha veia pró-activa, às vezes quase hiper-activa…senão não aguentaria a nostalgia e a frustração de não ser “ um rato de biblioteca”…

Monday, August 07, 2006

1 ano




(atrasado, mas...)

Sunday, August 06, 2006

porque gosto do verão

Ontem, no aniversário do conta-mina, de que só me lembrei à noite, fomos à praia.
Estive sentada num rochedo liso com o Pedro e depois com a Joana, que chegou entretanto, quase uma hora. O mar estava azul. Observamos uma lancha que trazia um mergulhador. Outro, perto, permaneceu dentro de água todo o tempo. Viam-se pequenos barcos parados ao fundo sobre a linha do horizonte. Lá no fundo, outra linha ligeiramente ondulada marcava uma sombra. Perguntei ao Pedro “Será uma nuvem?”. Ele respondeu “É o Brasil.” A conversa lenta e serena intensificou a paz do meio-dia onde as ondas incansáveis marcavam o ritmo repetitivo da alma, que se espraiou até ao Brasil. O sol cristalizou o sal na nossa pele que ficou esticada e seca. Regressamos lentamente pela areia grossa. Os dois, agarrados a mim diziam “ Tu és o José Azevedo, tens que marcar o ritmo” enquanto se queixavam que a areia lhes magoava os pés.

Friday, August 04, 2006

nome precisa-se

Preciso urgentemente de um nome para a Fundação que irá gerir o projecto da Fábrica do Teles. A Fundação para além de se dedicar à criação e desenvolvimento do projecto da incubadora de empresas de base tecnológica e ao desenvolvimento do parque tecnológico, fomentará actividades culturais, recreativas e de lazer. Por isso o nome não deve centrar-se apenas na perspectiva do desenvolvimento tecnológico e científico. Inovar, crescer, sustentabilidade, ambiente, qualidade, ciência, mecenato, apoio às artes e ao conhecimento, comunicação, futuro,...
Reunir todas estas ideias numa personagem, num conceito, numa expressão, mas não numa sigla mais ou menos abstracta constituida por iniciais. É difícil, mas era bom que a encontrassemos... no máximo até segunda feira.

Wednesday, August 02, 2006

Herberto Helder


Quando regressava a casa, a Antena 2 presenteou-me com Herberto Hélder, comentado por Gastão Cruz e por José Tolentino de Mendonça. Mais do que isso, pelo próprio, dito por ele mesmo, novamente. Há cerca de meio ano ouvi-o também, noutra viagem de regresso a casa, ao meio-dia de domingo. Fiquei então fascinada e registei-o neste blog. Hoje também. Já procurei o CD destes registos, mas não o encontrei. É imprescindível que o encontre. Preciso dele para aqueles momentos escolhidos, tanto como preciso de ser surpreendida por ele. O poema que ouvi era de “A colher na boca” livro de 1961 e escolhido por Gastão Cruz. A sua voz é telúrica como a poesia, contínua e integral, tão completa que nos agarra nos seus braços para sempre.

Tuesday, August 01, 2006

paisagem


A paisagem constitui uma realidade dinâmica: “(…)os usos alteram-se, assim como as relações dos habitantes e dos visitantes com os territórios. É fundamental saber incorporar as mudanças, mantendo ou reforçando os valores de identidade, de memória e de uso.(…) PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território

O entendimento da paisagem, para além do postal que guardamos na nossa memória, é um desafio. Olhamos para o que nos envolve com a nostalgia do paraíso perdido, tentando manter a todo o custo, ainda que só na nossa memória, retratos da infância, da adolescência ou de outros tempos marcantes da nossa vida. Tentamos guardar retratos. Mas a paisagem é dinâmica e não é independente dos usos. Um campo de milho só faz paisagem, como campo de milho, se ele lá estiver semeado – se alguém semear, cultivar e colher. O campo é castanho, passa a castanho ponteado de verde, nas tais riscas paralelas que correspondem aos regos da sementeira, passa a verde-claro, verde-escuro, ondeando com o vento e a amarelo, de restolho seco. Se se mantiver o espaço livre de ocupação, mas não se semear o milho, nunca poderemos observar a sua transformação correspondente ao ciclo anual das sementeiras e colheitas. Um campo de milho é diferente duma vinha, de um pomar de macieiras, um souto de castanheiros, um monte alentejano. Mas todos eles estão associados a usos que, se se perderem, implicam uma descaracterização ou uma nova caracterização da paisagem.
Este é o desafio, saber olhar a paisagem, perceber o que a caracteriza, o valor que a sua configuração tem na nossa identidade e conservá-la quando for significante conservar os usos que a sustentam.
Quem conhece Santo Tirso, pode perceber muito bem esta dinâmica quando olha para o início da encosta que cresce até à Nossa Senhora da Assunção. Pode, ao longo do ano, observar as transformações da Quinta da Varziela, onde uma casa cinzenta da autoria de João Andersen, se integra pela dissonância da modernidade.