Thursday, August 17, 2006

festa na aldeia

O dia amanheceu frio e chuvoso. Um dia de outono, no verão. Uma vontade de outono que sucede ao pico, quente e intenso de verão. Pós- festa, para mim.
Ouve-se lá fora o silêncio, contrastante, com o bulício quente de dois dias antes. Era a festa da aldeia. Os conjuntos e os foguetes. Saudades das bandas (por acaso a que ia na procissão da festa na aldeia, até nem tocava mal e levou-me, por escassos minutos, na nostalgia do tempo!)
Festa na aldeia. Na cidade da Maia, permanece a aldeia, no seu pior. O atraso, os rostos pobres, sofridos, subdesenvolvidos, a marca do tempo. Não do tempo biológico ou meteorológico. Não a curtição da vida do campo. Apenas a pobreza, de espírito, de ideias, de conteúdo, de pensamento. Todos os anos a reedição para pior, da procissão, do padre, do presidente da Assembleia Municipal, dos foguetes, dos tapetes de verdes. A Nossa Senhora da Assunção, da Caridade, das Dores, com meninos de plástico nas mãos e óculos seguros por elásticos. Os anjinhos sem asas, perdidos sob o cheiro podre da relva cortada que desenhava o tapete. Relva em vez de feno. Desenhos modelados em vez dos verdes postos aleatoriamente. Ainda algumas colchas de damasco nas varandas.
Ao lado a mediocridade áurea, conceito romano, que descreve a velhice, tão contrário ao dos gregos em que a idade é a porta de entrada para o respeito e sinónimo de sabedoria. É assim por cá. Só que a mediocridade não é só áurea, mas também argêntea ou neófita. Aqui mais que em Roma, alastrou a todas as idades e fases da vida.
Por isso conta-minar com o vírus da inquietação e do sonho, faz todo o sentido.

2 comments:

Anonymous said...

Deixemo-nos conta-minar...
"Devemos andar sempre bêbados.
É a única solução.
Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
Mas com quê?
Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te."
Charles Baudelaire

maria said...

Fiz exactamente isso! Embriegei-me de vida. Fumei o último cigarro, desfrutei da última conversa, cedi ao derradeiro impulso e...sobrevivi ao Tempo.