Friday, November 28, 2008
iniciação
Agora vou deixá-la com outra para que a inicie nestas andanças.
"Não se enganava a si mesma. Era possível que aqueles momentos perfeitos passassem? Deixando-a no meio de um caminho desconhecido? Mas ela poderia sempre reter nas mãos um pouco de que agora conhecia, e então seria mais fácil viver não vivendo, mal vivendo. Mesmo que nunca mais fosse sentir a grave e suave força de existir e de amar como agora. Daí em diante ela já sabia pelo que esperar, esperar a vida inteira se necessário, e se necessário jamais ter de novo o que esperava. Moveu-se de súbito na cama porque foi insuportável imaginar por um instante que talvez nunca mais se repetisse a sua profunda existência na terra. "
"Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", pág. 132/133
Thursday, November 27, 2008
Encurtar distâncias
Ora bem, e pondo de parte o facto de estar ou não estar a gostar de ser eu, receber uma coisa destas logo pela manhã é bom e leva-me a reflectir sobre dois pontos:
Primeiro, a Internet aproxima-nos realmente. Deixa de haver oceanos e terra. Onde imaginaria eu que adicionar Ingrid Chavez no myspace pudesse abrir-se uma porta comunicacional destas. E assim como torna os ídolos e pessoas que fazem bem as coisas no campo que queremos para nós próxima, também permite aos artista (re)conhecer os seus discípulos ou pessoas escondidas no mundo a fazer coisa encrostadas de sentido (ler meaningful).
Segundo, o poder intensificador da palavra é uma realidade e não apenas uma coisa que uma dúzia de deslumbrados discutem num curso de literatura mundial. É bom, quando se dá palavras, receber palavras em troca e elas são capazes de criar relações. Entregarmo-nos ao trabalho da palavra para criar relações. Dou muitas palavras aos meus amigos, amantes e amados e não são muito frequentes as vezes que recebo palavras (desculpem a pieguice), como se ninguém quisesse alicerçar relações comigo. No entanto, hoje, a Ingrid trouxe uma tamanha energia nas palavras e as minhas não eram assim tão grandes.
Obrigada.
Sunday, November 23, 2008
A crise ii
Algumas ideias que decorrem da segunda sessão sobre a crise na passada quarta-feira na Câmara de Santo Tirso, com Alberto Castro:
- As crises são cíclicas;
- Esta difere da de 29 essencialmente em dois pontos: é financeira e é globalizada
- Em Portugal: a casa está mais arrumada que há dois ou três anos, mas continuamos com baixas qualificações dos recursos humanos e dependentes do exterior.
Que fazer:
1º Controlo dos efeitos sociais da crise, protecção dos segmentos mais desfavorecidos;
2º Os apoios devem ser por inserção na vida activa e não através de subsídios: em vez de dar subsídios, porque não pôr as pessoas em trabalhos necessários e que não exigem grande qualificação – vigilância de museus, por exemplo!
3º Não penalizar a competitividade – pagar a tempo. O estado deve pagar o que deve a tempo, deve dar o exemplo.
4º Usar bem os recursos
5º Aproveitar a crise como oportunidade: fomentar a mobilidade, estimular a procura, adoptar medidas de impacto imediato. Em vez das grandes obras públicas que arrancarão daqui anos, fazer obras de impacto local.
Aqui as autarquias são importantes - as autarquias são as que melhor gastam o dinheiro público.
Obras em escolas são um modo de estimular a economia e de investir no que mais nos falta, educação, participação cívica. Uma boa escola, ambientalmente equilibrada é um óptimo estimulante educativo e uma garantia de melhor desempenho.
Saturday, November 22, 2008
À volta do barroco
A surpresa chegou hoje com a Orquestra Barroca da Casa da Música. Huw Daniel seduziu-me.
A minha noite de ontem para hoje meteu-me num túnel: passo pelas coisas sem lhes tocar, uso-as sem as sentir, as pessoas estão afastadas de mim por penumbras, membranas finas que as mantém noutro mundo; durante pequenos lapsos de tempo o mundo foca, as imagens coincidem para logo a seguir as perder novamente. Acordei com dores de cabeça que foram crescendo.
Nada melhor para me fazer sair deste túnel que o concerto para violino n.º 2 de Bach com por Huw Daniel por solista. Bach é realmente a síntese e o mais extraordinário é que hoje continua ainda a ser a síntese - no meu sentir.
( Não posso ser injusta e não referir os dois concertos da semana passada de que gostei, Cantus Cölln e Concerto Palatino e Tallis Scholars, sobretudo estes últimos que encheram o domingo de manhã)
Os clássicos
Tem piada ter lido isto hoje, depois de rever “As Pontes de Madison County”. Agora que sei a história de trás para a frente e que a Francesca não vai nunca abrir a porta do carro, agora que sei que me é impossível não chorar nos últimos trinta minutos e que se pudesse queria ser uma Meryl à espera de um Clint, dou por mim a focar-me em pequeninas coisas que me escaparam de todas as outras vezes. E, paralelamente ao filme que amo, há um pequeno filme diferente sempre que o vejo. O pequeno filme é o que me revela novas e pequenas coisas, que me centra de novo a atenção, que me volta a encher por completo ou, talvez, ainda mais. Segundo Calvino estarei, então, perante um clássico. Desculpe-me Calvino, mas não preciso que mo digam, nem mesmo Calvino! Será que se continuar a ver As Pontes de Madison County ele continua a desabrochar e desabrochar e desabrochar?
Thursday, November 20, 2008
Atenção à RTP, hoje!
É isso: para quem, como eu, se gosta de deitar tarde, hoje às 00.44 a RTP passa "As Pontes de Madison County" para ver e rever e chorar e sonhar. Eu já vi e revi e tenho em dvd não sei se vou resistir, afinal de contas é a Meryl e o Clint e aquela história (não "estória").
Antes podemos, claro, ouvir a Ministra da Educação, essa pessoa já tão famosa e que quase todos querem, pelo menos, espancar neste pequeno país. Eu vou ouvir só para perceber o que concordo e discordo e para ver aquela carinha de má. E depois da Maria de Lurdes até temos o Jogo Duplo para testar a sabedoria e rir um bocadinho e os Contemporâneos para rirmos imenso (ou ficar assim parada a achar imensa piada -se é que me entendem- ao Nuno Lopes). Se há humor em Portugal, nos dias que correm, então esse humor vem pela mão destes senhores.
Um serão televisivo. Um bom serão televisivo, quem diria! Assim sendo, tenho de despachar tudo o que tenho para fazer agora de tarde. Oupa, banho, roupa e rua!
(Sim, esta foi mais uma daquelas entries poucos sãs. Peço perdão, deve ser da lua.)
Saturday, November 15, 2008
Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso
Thursday, November 13, 2008
Rhoda
A Rhoda é da Virgínia Woolf e tem uma bacia de cobre cheia de água onde as pétalas brancas são barquinhos e os galhos de afundam, roçam o fundo do mar e não se vêem. A Rhoda é a mais leve de todas. Mais leve que a Susan, mais leve que a Jinny, que o Neville, o Bernard e o Louis. É mais leve porque tem um mar na bacia e não se importa com a Matemática. Esta é a Rhoda da Virgínia Woolf e esta é a minha Rhoda.
Wednesday, November 12, 2008
sonhos
"Entraste subtilmente no meu sonho, perturbante sonho.
Tento puxar os fios para com eles amarrar uma teia de silêncio, de ecos
Mas foge-lhe o sentido ficando apenas a sensação do prazer desfeito
Não isento de culpa nem de rostos(A culpa advém dos rostos, porque os rostos tem nomes?)
Porque perdemos a sabedoria? Porque ganhamos o medo? Porque somos estes tristes seres enroscados sobre nós próprios que definham como um caracol coberto de sal?"
crise
Na passada segunda feira assisti a um interessante e doméstico debate sobre a crise, na Câmara Municipal de Santo Tirso. A principal mensagem é que a crise de financeira passou a económica e de económica e financeira passou a crise de valores. Há muito que acho isso sem ser profeta. Há muito que sinto que sou doutra geração, de outro mundo, de outra hora... não entendo o dinheiro virtual, o valor virtual, não entendo aparência em vez da essência.
Às tantas perguntam se a crise é funda? Eu acho que é pro-funda. Funda é quantitativo e profundo é qualitativo. A crise é profunda, é de valores.......por isso estou tão céptica relativamente à sua ultrapassagem!
Monday, November 10, 2008
Nouvelle Vague @ Teatro Sá da Bandeira
Foi com surpresa que encontrei os Nouvelle Vague tão deliciosos no Sá da Bandeira ontem. O início da noite complicado fez-me perder um bom bocado da primeira parte (“o seu nome não está na guestlist”, “o seu nome está na guestlist”, “não, dizem que o meu nome não está na guestlist”, “ó enganei-me no seu nome”, “essa menina pode entrar”) e entrar numa sala cheia de gente até às paredes, toda ela já derretida com a menina Mélanie Pain. Lá consegui furar pela direita e encontrar um lugarzito que me permitisse as fotografias que me ofereceram o bilhete.
Mélanie Pain, que abriu para Nouvelle Vague, é também Nouvelle Vague e os Nouvelle Vague são muitos. Mais duas raparigas a cantar, mais um rapaz gingão pretinho, mais o José sempre a dedilhar cordas, mais gentes nas baterias e violinos. O engraçado dos Nouvelle Vague é eles virem de vários sítios para cantar músicas compostas por outros (as ditas covers) e fazerem-nas suas e não suas. O engraçado dos Nouvelle Vague é eles serem bons músicos e improvisarem a todas as horas. O engraçado é terem sempre boas luzes a pintar o palco.
O engraçado é também cada uma das vocalistas ter uma personalidade própria: a docinha (Melánie) a sexy (Marina) e a com ar de louca (nome?); e cada uma recriar um ambiente próprio que pode e deve conjugar-se com o ambiente das outras. E conjuga, aquele palco é vida e vida e nós ficamos deleitados.
O engraçado é o concerto ter começado há meia hora e o palco já estar cheio de público que os próprios Nouvelle Vague fizeram subir e na loucura sempre a entoar, de forma exuberante e juvenil, que estavam too drunk to fuck. O engraçado é ver todo o povo a mexer a anca (o que seria improvável na versão original dos Blondie) ao som da Heart of Glass e ver o marear de corpos e cabelos, de um lado para o outro. O engraçado é ver o exorcismo de Marina e deixar-nos estupefactos em Bella Lugosi Dead dos Bauhaus. Ou toda a gente que desata a cantar a Sweet Dreams dos Eurythmics, mesmo que não contasse com ela na setlist. Engraçado é ver os corações todos a abrirem ao som de Love Will Tear Us Apart, dos (nossos queridos) Joy Division. Vê-los a cantar baixo ou a gritar a letra de Ian Curtis, conforme as alturas. Engraçado é ver como o coração continua ainda aberto em In a Manner of Speaking. Engraçado somos nós todos a cantar relax don’t do it, when you wanna come do it mesmo antes de sair da sala. Engraçado é serem eles a conduzir-nos por esta viagem que faz a noite transformar-se em coisa curta e de segundos. Engraçado é fazer uma viagem pelos hinos da (nossa) vida com um som novo e um palco mágico à frente.
Penso, se não tivesse resolvido o meu problema de entrada, se o meu nome não existisse mesmo na guestlist, se tivesse ficado em casa, tinha perdido dos grandes concertos do ano e, relembro, este ano já vi Bob Dylan, Björk, Primal Scream ou dEUS, Nick Cave, Róisín Murphy, Chemical Brothers e Tindersticks e muitos mais. Ainda bem que o problema se resolveu, ainda bem que a máquina fotográfica se transformou em bilhete. Os Nouvelle Vague são muito mais do que poderíamos pensar. Enchem muito bem todos os corpos de balanço e vontade e energia!
Nota: quando eu e a Mariana chegámos à baixa para o concerto constámos um imenso reboliço em torno de todas as salas de espectáculo e bares pelos quais passámos. Um Porto ressuscitado a uma noite de sábado, cheio de oferta, vivo e a respirar com muita vontade. Aqueceu-nos muito e a mim apeteceu-me andar de t-shirt.
Sunday, November 09, 2008
Domingo de manhã
"como não ter inveja dessa casa, desse puto, dessa música?" - pensámos. Temos tanta tanta sorte. Ou fizemo-la!
Saturday, November 08, 2008
A turma de Laurent Cantet
Filme radical. Quem se atreve a fazer um filme de duas horas que quase não sai da sala de aula? Em que não há vida para além da que se vive numa escola e numa turma do 8º ano? A vida exterior é apenas a que se reflecte na sala da aula e nesta apenas nas aulas da disciplina de francês. Mas na sala de aula está tudo: o saber e o poder; o ensino e a sua precariedade; a xenofobia e a marginalidade; a insolência e a prepotência; a tolerância e a fragilidade. Fui vê-lo com um aluno e, penso que, rodeada de professores. O aluno gostou.
Fiquei impressionada com a tensão de uma sala de aula, porque cada palavra, cada atitude, é um peça de um complicado puzzle, sujeita à extrapolação que a porá no centro do mundo com as mais terríveis e injustas repercussões.
Conceptualmente radical, formalmente discreto, globalmente um filme do mais interessante que já vi e que se adequa à mudança de paradigma que temos, em tempo de crise, que ousar: deixar a aparência e viver a imanência: para ser bom não é preciso (materialmente) nada.
Friday, November 07, 2008
Wednesday, November 05, 2008
Obama
"Agora a rádio transmite música repousante e sem a interrupção de anúncios e, como procede primeiro de Harrisburg e depois de Filadélfia, forma um raio sonoro no qual Coelho infalivelmente voa. Ultrapassa a barreira da fadiga e chega a um mundo plano onde nada importa muito. A segunda parte de um jogo de basquetebol costumava transportá-lo para esse mundo; não corria para obter pontos, como pensa o público, mas sim por ele mesmo, com certa ociosidade.”
Corre Coelho, Jonh Updike, pág 41, Civilização; Editora, 2006
Deste modo, hoje fui americana. "Corre Coelho" tresanda a USA, também naquilo em que nós( pelo menos eu) somos americanos: no acesso a este mundo plano em que nada importa para além do gozo de estar(aqui)!
Yes you can, Mr. Obama!
YES
YOU
CAN
Fico feliz por perceber que na cabeça do senhor Barack Obama, presidente eleito dos Estados Unidos da América, não caberá um chapéu de cowboy. Isso, por si só, já faz dele uma pessoa bonita e da América um país que sabe, finalmente, votar. Ar fresco. Yes you can, Mr. Obama. Yes you can, United States of America.
Tuesday, November 04, 2008
Sunday, November 02, 2008
MGL em domingo outonal
“ Decido passar a trabalhar, a partir de Setembro, apenas (ainda) três dias por semana; queria deixar, mais do que o trabalho da quinta, as suas relações humanas; sinto-me vencida por elas - sexo, poder, inveja, confrontação, sentimentos que levados ao paroxismo de um movimento sem paragem, não estou preparada para viver. Se eu pudesse convertê-los em éter, ou tirar o hálito nauseante às bocas.”
Maria Gabriela Llansol; “Finita”; Assírio e Alvim; Edição 0065; Junho de 2005
Na ousadia de um diário, ela, apesar de vencida pelos humanos sentimentos, abre-nos a porta da casa, num vislumbre de paz. Em nenhuma escrita leio, como na sua, o som do ar e da luz, o peso da imanência, a cor do tempo físico, a pacífica melancolia da existência.
Saturday, November 01, 2008
Convento de Santo António dos Capuchos
Esqueci-me de levar a máquina fotográfica, por isso as fotografias são o que são e não espelham o lugar: o Convento de Santo António dos Capuchos em Guimarães, propriedade da Santa Casa de Misericórdia. Aliás, foi pela mão desta instituição, por sua iniciativa, competência e determinação, que ontem nos foi dado um fim de tarde e uma noite fora de comum a propósito da inauguração de um percurso museológico e do orgão ibérico, depois de restaurado. Gostei da singeleza, da escala, da discrição, do aconchego... e também o evento não andou longe disso: sem exagero elevou-se pelo bom gosto e pela simplicidade. Muito bom exemplo neste país e neste mundo de espavento oco.
Róisín Murphy live (Optimus Alive! vs. Casa da Música)
Dois concertos com condições completamente distintas: em Julho uma tenda, ainda nem era bem noite, uma barreira imensa entre o público e o palco, como em qualquer festival, e as pessoas a circular, o tempo de concerto contado até aos segundos; ontem uma sala pequena e chique cheia de pessoas que ali estavam só para a ver, sem distância entre palco e audiência, a lembrar as pequenas salas de Manchester, tarde o suficiente (muito tarde!) para tornar a coisa ainda mais sexy, mas a poder durar horas e horas. O resultado foram dois concertos distintos e sobre os quais vou tentar não escolher por ser quase impossível: um fulminante, uma rápida pastilha do melhor da pop e da performance; o outro uma injecção demorada dessa mesma pop futurista, com ligeiros intervalos para todos respirarmos, ganharmos fôlego, descansar os olhos daquela mais saborosa cabeleira loira.
Se, em Julho, Róisín Murphy trocou tantas vezes de roupa como ontem, então fê-lo mais rápido, com um ritmo estonteante, sem tempo para a música parar. Hora e meia de cantar e trocar de roupa e dançar e seduzir. E é provável que em Julho a senhora tenha mudado de roupa tantas vezes quanto ontem. Essas mudanças de roupa foram, ontem, demoradas, estudadas, com pessoas a segurar o ambiente por ela e ela a surpreender-nos sempre com uns óculos novos, ou um casaco estúpido (sendo que em róisín estúpido significa extraordinário e lindo!).
Também a diferença de público sortiu enfeito na cantora. Se em Julho tinha, à frente, maioritariamente uma enchente feminina, ontem tinha um fifty/fifty bem arrojado. Inclui: um puto de 10 anos, alguns fotógrafos, gajos de óculos de massa, um rapaz que pronto, uma gaja como eu (ou que era eu), e aqueles putos do porto pertencentes àquelas coisas ou, seja, subgrupos desta nova cultura urbana ou qualquer coisa do género (o electropop, as calças justas e cheias de cor, a tshirts com decote em v). E, em Róisín Murphy, as pessoas que se encontram à frente podem mudar um concerto, porque a senhora é provocadora, adora eye contact e até contact, puro e duro, ao que parece. Canta sempre a olhar para alguém ou quase sempre. Se no alive! visto a população feminina ornamentar toda a primeira fila e o único homem ser homossexual ela me ter eleito (e não, não estou a ser convencida) como o alvo principal dos seus olhos muitas vezes, ontem com tanto homem, só lhe apanhei os olhos a sério uma vez. Esta dispersão de olhares e atenção, no entanto, fez de ontem um concerto mais provocador. Houve mãos, houve cantar mesmo ali ao nosso lado, houve pequenos lamas a beijar meninos e quase que houve um trambolhão (e eu até já tinha esticado a minha mão para a agarrar!).
Outra das coisas que fez do concerto de ontem altamente diferente do de Julho foi a interpretação das canções e o alinhamento em si. Se no alive! tivemos hit after hit, sendo as canções lentas normalmente do último álbum (leia-se Scarlet Ribbon), e até um Forever More dos falecidos Moloko a rebentar-nos o corpo e a espalhá-lo dançante por todo o lado; ontem houve muito mais Moloko mas nenhum hit dos mesmos, muito menos Overpowered e muito mais Ruby Blue. Houve muitas canções mais lentas. Nota-se que, depois de tanto tempo em tournée com Overpowered, o espetáculo está a mudar e assumir novas formas, novos corpos, novas linhas. Assim, nenhuma das músicas foi tocada na versão original pelo que pensei, muitas vezes, estar a ouvir um concerto mixado. A Ramalama apareceu no fim a rebentar toda a sala, a fazer flashar as luzes e as pessoas e o pequeno (rama)lama que Róisín trouxe as costas.
Se me obrigarem a escolher (e isto só acontece com uma pistola encostada à cabeça ou uma faca no pescoço) escolheria o concerto do alive! como meu concerto preferido de Róisín Murphy. Mas afastando o meu coração um bocadinho, o concerto de ontem foi exemplar no que toca à pop mais refinada: bem montado, estético, provocador e sexy, todas as pessoas extremamente bonitas em palco, bem tocado. Foi até provavelmente melhor que o do alive!. Acho que tenho em mãos um daqueles concertos que cresce com o tempo e quanto mais tempo passar mais gostarei dele. Hoje acordei a pensar naquelas horas.
Só uma nota: Róisín, nós não precisamos de saber que gostas de homens ou que gostas mais do Porto do que Lisboa porque o Porto é um rapaz e Lisboa uma rapariga. És capaz de ter estripado alguns sonhos de pessoas naquela sala. Desnecessário. Provocador. Gosto. Sorriso.