Saturday, October 01, 2005

O Vazio da Ausência

"... e de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre".

Quase poderia transcrever este pensamento, extraido de um qualquer texto de Miguel Sousa Tavares, que me foi enviado por uma amiga, sem nada dizer.
Mas não quero.
Porque precisamos de guardar objectos, de pretender possuir pessoas, para nos equilibrarmos? Porque temos dificuldade em conviver com a ausência? Porque fomos educados para uma economia de mercado, na qual o usar e deitar fora, é o fundamento da criação de riqueza? (Ou às vezes até o deitar fora sem usar, como modo de criar valor). Porque nos criam necessidades que não temos?
Tenho vindo a perceber que é mais compensador descolar do ilusório real: uma fotografia, um objecto ( ou até mesmo uma pessoa), para o reinventar com as asas do meu afecto, da minha recordação, do meu amor.

2 comments:

Anonymous said...

"(...)para o reinventar com as asas do meu afecto, da minha recordação, do meu amor.(...)"
Então ,
"A melhor parte da nossa memória está deste modo fora de nós. Está num ar de chuva, num cheiro a quarto fechado (...), seja onde for que de nós mesmos encontemos aquilo que a nossa inteligência pusera de parte, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando se esgotam todas as outras, sabe ainda fazer-nos chorar."

Marcel Proust

maria said...

Bem posto. Como se lê a memória que está fora de nós?... porque a sua visão desperta outras memórias, sentimentos iconfessáveis, que guardamos. E esta é a sua melhor parte - a que não está condicionada à nossa censura mental ou cultural e por isso tem a capacidade de nos fazer chorar. Que Proust é este?

( um aparte, daqueles que não tenho ainda à vontade para colocar directamente no blog: é muito interessante a ligação feita hoje pelo absorto. Também ela me suscita outras memórias e histórias, que não me fazem chorar)