Monday, October 03, 2005

Pina Bausch


Tem presente essa dimensão humana nos olhos profundos, que se afastam do mundo para a distância de um recolhimento interior, na denuncia dessa hesitação do vocábulo que possa substituir o gesto e tornar transparente o seu sentido profundo na ausência do bailarino. É um olhar da mesma ordem de complexa vulnerabilidade da vida que aborda em algumas das suas peças. Quando se solta o discurso, normalmente sobre processos ou sobre a dificuldade do dizer, gesticula as belas mãos magras num novelo de movimentos que ondulam e desenham no ar o significado de todas as palavras que não diz.

(Actual-Expresso; 1 de Outubro de 2005)

1 comment:

maria said...

"Antes de a peça começar a ser construída, Pina Bausch passa por momentos em que precisa de tempo para esquecer. Nesse processo criativo, no regresso aos corpos dos bailarinos, reencontra pequenos detalhes de uma essência humana que resistiram à erosão da memória." - a desconstrução da memória para relembrar o essêncial.
Bastava fixar este rosto escrito
pela vida, estes olhos tolerantes, esta posição elevada, para, mesmo sem sabermos nada desta mulher, perceber que nela se inscreve todo o indizivel da humanidade.
Sabendo quem é, temos pena de não ver a sua obra, porque está em Lisboa e quando demos conta, já não havia bilhetes.