Quando eu morrer ouçam o II andamento do concerto para piano n.º 2 de Dmitri Schostakovich. Porque ele leva-me em vida para lá. Podem ouvir o concerto todo, porque se começarem a ouvir só o Andante talvez não cheguem lá, onde eu vou, onde eu já fui, onde eu estou, onde eu estarei. E não me chorem porque esse lá é muito bom.
Chorem-me antes em vida. Nestes passos em falso que me transtornam e me deixam à deriva. Nestes não lugares que se nos impõe visitar. Felizmente há lugar, dentro de Schostakovich, como de Ravel, ou de Malher, ou de Bhrams, ou de Reich, ou…. para misturar o sonho com a realidade, sem medo, sem corpo, sem moral, sem tempo.
Friday, March 31, 2006
Thursday, March 30, 2006
europa
Por acaso a procurar a Antena 2 caí numa entrevista de Luís Osório a Carlos Magno na Rádio Clube. Por entre as imensas coisas que Carlos Magno diz, que não me interessa nem faria sentido aqui transcrever, fiquei presa quando os ouvi falar da europa e da “ Ideia de Europa” de George Steiner, livro que me foi delicadamente oferecido há uns meses atrás e que, não só me cativou, como me construiu. Dizia Carlos Magno que " ...esta é a ideia mais luminosa de Europa que conheço". Concordo. Li o texto de George Steiner de um fôlego e percebi-me europeia e confortada com isso. Referia ainda Carlos Magno a resposta que lhe dera Agostinho da Silva numa entrevista quando este lhe perguntou se deveríamos pertencer à Europa: “A Europa é o único sítio do mundo onde nós portugueses nunca estivemos”... e estivemos na Índia, na América, na África e na Ásia.
Wednesday, March 29, 2006
falta uma fotografia
Falta ainda a fotografia para ilustrar o post sobre Ponte de Lima. Às vezes dói-me ser tão inábil com as novas tecnologias. Valho-me do que tenho e recorro aos amigos para conseguir alguns efeitos que não consigo por mim só. Falta a Joana…mas ela também não pode ser sempre a muleta. Por outro lado, penso que estas facilidades, ajudadas pela habilidade, conduzem ao “facilitismo” e “superfilizam” aquilo que queremos comunicar de um modo mais profundo. Para quem domine as técnicas de comunicação é fácil fazer bonito, ou melhor, é fácil parecer bonito, ou melhor é fácil parecer… porque o bonito é puro (pré)conceito. Que isto não soe a desculpa, porque a fotografia de Ponte de Lima aparecerá...
Tuesday, March 28, 2006
o lugar
A hora mudou. Para mim, hoje, ainda não.
Quando procurava num livro a identificação das flores selvagens que encontrei em Ponte de Lima, deparei com um pequeno cartão, datado de Dezembro de 1983, em que um amigo meu transcrevia um texto que eu tinha escrito nos primeiros dias da minha actividade profissional. Na primavera do mesmo ano, já em Santo Tirso: “ …era amarelo e lilás, eram pampilos e tufos de lírios, nas margens do rio eram cerejeiras,…e rãs talvez. É um paraíso fechado e esquecido pelas ruas que o envolvem.
Alguém vive esse idílio, alguém o cultiva, alguém sua e poucos o pressentem.”
Esta atenção levou-me mais tarde a Christopher Alexander que nomeia o “lugar árvore” que me persegue ainda hoje, quando me identifico nos velhos carvalhos, nas tílias, nos castanheiros – árvores no lugar. Depois, ou simultaneamente, “genius locci” de Norberg-Schulz, o espírito do lugar. Saber ler o espírito do lugar, com olhos de hoje e sem as vendas ou as lentes, que moldam o nosso olhar com a luz do passado. Perceber que a paisagem muda para além do que queremos ver teimosamente. Ver como Alberto Caeiro e não como Álvaro de Campos, com uma alma limpa e não tempestuosa. O espírito está lá, fora de nós, no lugar. Se soubermos, viveremos nele em paz.
Quando procurava num livro a identificação das flores selvagens que encontrei em Ponte de Lima, deparei com um pequeno cartão, datado de Dezembro de 1983, em que um amigo meu transcrevia um texto que eu tinha escrito nos primeiros dias da minha actividade profissional. Na primavera do mesmo ano, já em Santo Tirso: “ …era amarelo e lilás, eram pampilos e tufos de lírios, nas margens do rio eram cerejeiras,…e rãs talvez. É um paraíso fechado e esquecido pelas ruas que o envolvem.
Alguém vive esse idílio, alguém o cultiva, alguém sua e poucos o pressentem.”
Esta atenção levou-me mais tarde a Christopher Alexander que nomeia o “lugar árvore” que me persegue ainda hoje, quando me identifico nos velhos carvalhos, nas tílias, nos castanheiros – árvores no lugar. Depois, ou simultaneamente, “genius locci” de Norberg-Schulz, o espírito do lugar. Saber ler o espírito do lugar, com olhos de hoje e sem as vendas ou as lentes, que moldam o nosso olhar com a luz do passado. Perceber que a paisagem muda para além do que queremos ver teimosamente. Ver como Alberto Caeiro e não como Álvaro de Campos, com uma alma limpa e não tempestuosa. O espírito está lá, fora de nós, no lugar. Se soubermos, viveremos nele em paz.
Monday, March 27, 2006
domingo e convite
Os jantares de domingo cá em casa foram-se adaptando com o decorrer do tempo e das circunstâncias.
O domingo foi sempre o almoço. Almoço de família. A família que, com o decorrer do tempo se foi recompondo, sem até agora, se decompor. Contínua centrada na casa mãe de Vermoim, com os pais, os filhos e os netos, sendo que estes últimos, constituem o segmento mutante do clã. Dos mais velhos, apenas partiu a Senhora Rosalina. O segmento mutante, crescente no que se refere aos mais novos, vadio, no que respeita aos mais velhos, vai variando de domingo para domingo. Hoje não esteve a Joana. A preparação do almoço e o respectivo são um acontecimento, que ganhou lugar e rotina e que nos ocupa cerca de um quarto de um dia de vinte e quatro horas. O Manel esmera-se na cozinha, que faz as nossas delícias tanto ao nível da degustação propriamente dita, como da envolvente convivial da espera e do pós-repasto, que se desdobra no arrumar as dezenas de pratos, talheres, copos e enormes tachos, que deixamos para que a D. Maria José os esfregue e lave convenientemente na segunda-feira. Cumpre viver plenamente este espaço único e confinado à circunstância presente que tanto nos preenche.
Por isso os jantares de domingo são o que tem que ser – para mim um copo de água das pedras, para o Pedro uma invenção qualquer que se assemelhe a “comida”, a palavra mais comum em estado de ávido crescimento e para o João a invenção de qualquer coisa que tape o buraco da fome que sempre aparece. (Por isso Joana, porque não estás - mesmo que quando estás não comas, a tua presença era por certo aquilo que me obrigava a sentar à mesa ao domingo à noite – o quarto vértice do quadrado que permitia o equilíbrio familiar. Aqui o triângulo é instável, sem que isto represente algum juízo de valor. Há muito que a instabilidade deixou de ter conotação negativa para ser uma característica substantiva da realidade.)
Convite:
No dia 29 de Abril de manhã a Cultour tem o privilégio de contar com Álvaro Siza numa visita ao Marco. Os lugares estão circunscritos aos quarenta. Eu tenho a minha cota e para isso tenho que construir a lista dos meus convidados. Manifestem-se. Esta visita exige descrição e disposição e será, se soubermos entender, um momento único.
O domingo foi sempre o almoço. Almoço de família. A família que, com o decorrer do tempo se foi recompondo, sem até agora, se decompor. Contínua centrada na casa mãe de Vermoim, com os pais, os filhos e os netos, sendo que estes últimos, constituem o segmento mutante do clã. Dos mais velhos, apenas partiu a Senhora Rosalina. O segmento mutante, crescente no que se refere aos mais novos, vadio, no que respeita aos mais velhos, vai variando de domingo para domingo. Hoje não esteve a Joana. A preparação do almoço e o respectivo são um acontecimento, que ganhou lugar e rotina e que nos ocupa cerca de um quarto de um dia de vinte e quatro horas. O Manel esmera-se na cozinha, que faz as nossas delícias tanto ao nível da degustação propriamente dita, como da envolvente convivial da espera e do pós-repasto, que se desdobra no arrumar as dezenas de pratos, talheres, copos e enormes tachos, que deixamos para que a D. Maria José os esfregue e lave convenientemente na segunda-feira. Cumpre viver plenamente este espaço único e confinado à circunstância presente que tanto nos preenche.
Por isso os jantares de domingo são o que tem que ser – para mim um copo de água das pedras, para o Pedro uma invenção qualquer que se assemelhe a “comida”, a palavra mais comum em estado de ávido crescimento e para o João a invenção de qualquer coisa que tape o buraco da fome que sempre aparece. (Por isso Joana, porque não estás - mesmo que quando estás não comas, a tua presença era por certo aquilo que me obrigava a sentar à mesa ao domingo à noite – o quarto vértice do quadrado que permitia o equilíbrio familiar. Aqui o triângulo é instável, sem que isto represente algum juízo de valor. Há muito que a instabilidade deixou de ter conotação negativa para ser uma característica substantiva da realidade.)
Convite:
No dia 29 de Abril de manhã a Cultour tem o privilégio de contar com Álvaro Siza numa visita ao Marco. Os lugares estão circunscritos aos quarenta. Eu tenho a minha cota e para isso tenho que construir a lista dos meus convidados. Manifestem-se. Esta visita exige descrição e disposição e será, se soubermos entender, um momento único.
Saturday, March 25, 2006
ponte de lima
Para dizer como arquitectura preenche a vida.
O acto de construir. Construir como acto que se inicia na concepção e termina muito depois da obra acabada. Construir como acto que se inicia antes da concepção, no envolvimento cultural com o sítio. Siza. O sítio – paradigma da nossa – minha - formação. Hoje a cultura do lugar parece que passou de moda. Agora que provavelmente ela deveria estar muito mais presente, não como a defesa contra o global, assim explicitamente defendida pelas correntes do poder, mas como algo que nos identifica globalmente, sem preconceito e sem xenofobias. Contra a tentação da marca e do comércio. Contra a afirmação do arquitecto e mais pela afirmação do construtor.
Hoje saber construir significa, antes do mais, interpretar para apagar e não para marcar. Encontrar o lugar que, de um modo indelével, tem que ser tocado pela mão do homem para imanar um novo significado.
Passeei em Ponte de Lima, com um rio cheio e lasso, onde se lia corrente, que teimava em contrariar a sua denominação de rio morto. O Lima estava cheio, vital. Os patos-reais deixavam-se ir ao sabor da água e levantavam voo rasante por entre as árvores e arbustos submersos pelo meio. Os pescadores, equipados e cantantes, debatiam-se com a corrente à espera das trutas. Os muros húmidos mostravam texturas e cores feitas de inertes e da vida dos líquenes, dos pequenos malmequeres, dos musgos e das violetas bravas.A água da chuva reluzia nos campos verdes e planos já sem os tesmunhos das culturas tradicionais. Restam pequenos pontos brancos desenhados pela flor da couve galega e a amarela dos grelos e dos hortos. Os muros também eram ruínas.
O tempo parou por entre os nossos passos contínuos ao longo da margem debaixo do olhar cirúrgico de arquitectos… e não só. Porque neste não só, estará o limite para aquilo que o arquitecto anseia fazer, marcar o lugar. Estará o bom senso de nos entendermos enquanto prolongamento do natural, culturalmente moldados, para dele sabermos colher toda a sua força vital.
O acto de construir. Construir como acto que se inicia na concepção e termina muito depois da obra acabada. Construir como acto que se inicia antes da concepção, no envolvimento cultural com o sítio. Siza. O sítio – paradigma da nossa – minha - formação. Hoje a cultura do lugar parece que passou de moda. Agora que provavelmente ela deveria estar muito mais presente, não como a defesa contra o global, assim explicitamente defendida pelas correntes do poder, mas como algo que nos identifica globalmente, sem preconceito e sem xenofobias. Contra a tentação da marca e do comércio. Contra a afirmação do arquitecto e mais pela afirmação do construtor.
Hoje saber construir significa, antes do mais, interpretar para apagar e não para marcar. Encontrar o lugar que, de um modo indelével, tem que ser tocado pela mão do homem para imanar um novo significado.
Passeei em Ponte de Lima, com um rio cheio e lasso, onde se lia corrente, que teimava em contrariar a sua denominação de rio morto. O Lima estava cheio, vital. Os patos-reais deixavam-se ir ao sabor da água e levantavam voo rasante por entre as árvores e arbustos submersos pelo meio. Os pescadores, equipados e cantantes, debatiam-se com a corrente à espera das trutas. Os muros húmidos mostravam texturas e cores feitas de inertes e da vida dos líquenes, dos pequenos malmequeres, dos musgos e das violetas bravas.A água da chuva reluzia nos campos verdes e planos já sem os tesmunhos das culturas tradicionais. Restam pequenos pontos brancos desenhados pela flor da couve galega e a amarela dos grelos e dos hortos. Os muros também eram ruínas.
O tempo parou por entre os nossos passos contínuos ao longo da margem debaixo do olhar cirúrgico de arquitectos… e não só. Porque neste não só, estará o limite para aquilo que o arquitecto anseia fazer, marcar o lugar. Estará o bom senso de nos entendermos enquanto prolongamento do natural, culturalmente moldados, para dele sabermos colher toda a sua força vital.
Friday, March 24, 2006
Sopro
Quando o desejo não se conjuga no plural
Sobrevive o singular parco e trémulo
Em momento não reeditável – sopro.
Quando o desejo não se conjuga no singular
Apenas na memória e nela sobrevive
Como um sopro trémulo – evasivo.
Quando o desejo se conjuga noutro tempo
Leve e solto, etéreo e intenso
Morre evasivo em ondas interiores – ardente.
Sobrevive no ar o desejo intenso
Material sem corpo e sem objecto
Queima ardente as pregas da existência – denso.
Voa leva e eleva quem nele vive fora
Dentro dele longe vai sem ser apenas sendo-o
Sopro evasivo ardente denso.
Nas recolhas que fazemos (às vezes) encontramos coisas interessantes e sem nome.
Nas recolhas que fazemos sem tema e sem tempo apenas vagueando por papéis escritos, livros, jornais, folhas velhas – actividade de respigar que me fascina. Deixo aqui um testemunho dessa actividade de respigar, sem nome, sem lugar, sem tempo.
Com o temporal caiu uma árvore sobre a minha casa e vim mais cedo, respigar árvores, folhas e textos.
Sobrevive o singular parco e trémulo
Em momento não reeditável – sopro.
Quando o desejo não se conjuga no singular
Apenas na memória e nela sobrevive
Como um sopro trémulo – evasivo.
Quando o desejo se conjuga noutro tempo
Leve e solto, etéreo e intenso
Morre evasivo em ondas interiores – ardente.
Sobrevive no ar o desejo intenso
Material sem corpo e sem objecto
Queima ardente as pregas da existência – denso.
Voa leva e eleva quem nele vive fora
Dentro dele longe vai sem ser apenas sendo-o
Sopro evasivo ardente denso.
Nas recolhas que fazemos (às vezes) encontramos coisas interessantes e sem nome.
Nas recolhas que fazemos sem tema e sem tempo apenas vagueando por papéis escritos, livros, jornais, folhas velhas – actividade de respigar que me fascina. Deixo aqui um testemunho dessa actividade de respigar, sem nome, sem lugar, sem tempo.
Com o temporal caiu uma árvore sobre a minha casa e vim mais cedo, respigar árvores, folhas e textos.
Sunday, March 19, 2006
já dentro do fim-de-semana
As reticências, confirmam-se enquanto tal – campo aberto e profícuo, adiadas para um futuro presente e sempre próximo. A vírgula deu origem a uma nova oração com um ponto final, que não significa final de parágrafo. A interrogação trans formou-se numa afirmação, em concorrência com a ideia, mas que se fechou num círculo restrito, ainda assim muito compensador: da arquitectura para a teoria das cordas e dela de novo para o acto conceptual, passando por arte, artista, sobre-vida, homeostasia, ensino, individuo, colectivo, social, biologia, física,…. Parece que as reticências fazem sentido – ou tão só a interrogação da condição humana.
Para amanhã, já hoje fica, a exclamação.
Para amanhã, já hoje fica, a exclamação.
Thursday, March 16, 2006
...,?!
Continuo a pontuação por entre a calma e o calor do nascer da primavera. Pontuo o fim-de -semana que se aproxima com reticências, uma vírgula, uma interrogação e um grande ponto de exclamação, no domingo. Mantenho-me em suspenso, a compor as palavras pensamento com que vou intervalar a pontuação. Os suportes são tão diversos como os espaços. A acção desenrolar-se-á com as múltiplas personagens do meu universo presente… e outras do domínio da mente. A música será serigrafada no fundo do papel. Como agora, enquanto escrevo com Chet Baker por fundo, profundo.
Tuesday, March 14, 2006
boas e más acções
"E que dizer de boas e más acções? Boas acções e más acções não são meramente aquelas que concordam ou não com os apetites individuais e com as emoções. As boas acções são aquelas que, não só produzem bons resultados para o indivíduo através dos apetites e das emoções, mas também não causam qualquer dano a outros indivíduos. Esta barreira é intransponível. Uma acção que possa ser pessoalmente benéfica mas que cause danos a outros não é uma boa acção, porque o dano causado a outros vem por seu turno causar dano ao indivíduo que o causa. Tais acções são más: “…o nosso bem resulta especialmente da amizade que nos liga a outros seres humanos e às vantagens que assim resultam para a sociedade.” ( A Ética, Parte V, Proposição 10). Julgo que Espinosa quer dizer que o sistema constrói em cada pessoa imperativos éticos com base na presença de mecanismos de auto-preservação, desde que essa pessoa tenha em mente a realidade sócio-cultural. Para além de cada si individual há os outros, como indivíduos ou como entidades sociais, e a auto-preservação desses outros, através dos seus próprios apetites e emoções, deve ser tomada em consideração."
António Damásio; Ao encontro de Espinosa; Públicações Europa-América Forum Ciência, Pág 198
Às vezes é tão díficil distinguir o bem do mal, sobretudo quando a dualidade e o maniqueismo é tido como fundamento ético das sociedades totalitárias e antidemocráticas, que é particularmente grato descobrir um pensamento tão clarividente. Mesmo quando acreditamos que, sempre, tudo contém tudo o seu contrário.
Porque também aqui uma acção pode ser boa por uma lado, para o próprio indíviduo, mas transforma-se em má pelo efeito nos outros indíviduos. Porque o nosso bem resulta da "amizade que nos liga a outros seres humanos e às vantagens que dela resultam para a sociedade." Somos sis sociais. Somos Sós Sociais.
António Damásio; Ao encontro de Espinosa; Públicações Europa-América Forum Ciência, Pág 198
Às vezes é tão díficil distinguir o bem do mal, sobretudo quando a dualidade e o maniqueismo é tido como fundamento ético das sociedades totalitárias e antidemocráticas, que é particularmente grato descobrir um pensamento tão clarividente. Mesmo quando acreditamos que, sempre, tudo contém tudo o seu contrário.
Porque também aqui uma acção pode ser boa por uma lado, para o próprio indíviduo, mas transforma-se em má pelo efeito nos outros indíviduos. Porque o nosso bem resulta da "amizade que nos liga a outros seres humanos e às vantagens que dela resultam para a sociedade." Somos sis sociais. Somos Sós Sociais.
Saturday, March 11, 2006
pontuação
Pontuar a vida com momentos especiais é um segredo para viver bem.
A rotina, tantas vezes identificada como uma causa de insatisfação faz sentido quando pontuada. Com uma exclamação, com reticências, com parênteses, com uma interrogação, até com uma vírgula. Nunca com um ponto final. O ponto final limita a respiração – conclui.
Todas as outras pontuações do dia a dia, programadas ou imprevistas, são bem vindas. Abrem perspectivas e restituem o infinito, no momento. Pode ser uma conversa, uma prenda, uma festa, uma exposição, um concerto, uma conferência ou até um momento especial no trabalho. Cabe descobri-los, programá-los, inventá-los ou simplesmente vivê-los quando aparecem. Mesmo que vividos solitariamente são sempre momentos de diálogo, com outros seres vivos e com a humanidade. O que dá sentido à nossa dimensão una e vertical. Verticalidade aqui entendida como a dimensão do ser humano único que se enraíza na terra, como uma árvore e se eleva até ao infinito, céu.
(Estou grata a quem me educou neste dom de saber viver)
A rotina, tantas vezes identificada como uma causa de insatisfação faz sentido quando pontuada. Com uma exclamação, com reticências, com parênteses, com uma interrogação, até com uma vírgula. Nunca com um ponto final. O ponto final limita a respiração – conclui.
Todas as outras pontuações do dia a dia, programadas ou imprevistas, são bem vindas. Abrem perspectivas e restituem o infinito, no momento. Pode ser uma conversa, uma prenda, uma festa, uma exposição, um concerto, uma conferência ou até um momento especial no trabalho. Cabe descobri-los, programá-los, inventá-los ou simplesmente vivê-los quando aparecem. Mesmo que vividos solitariamente são sempre momentos de diálogo, com outros seres vivos e com a humanidade. O que dá sentido à nossa dimensão una e vertical. Verticalidade aqui entendida como a dimensão do ser humano único que se enraíza na terra, como uma árvore e se eleva até ao infinito, céu.
(Estou grata a quem me educou neste dom de saber viver)
Thursday, March 09, 2006
os pais
Reflectia o Pedro enquanto estava à minha espera à porta da escola do ténis: “ São as mães que trazem os rapazes pequenos ao ténis. Quanto passam para a Academia (classe dos alunos mais avançados que estão em competição), são os pais que os trazem. Vêm vestidos de fatos de treino vermelhos, cabelo à beto, sacos para duas raquetes. Os pais vêm atrás, tem barriga grande e vêm a falar ao telemóvel”.
Quando entrou no carro, confessou-me a reflexão. Eu rematei: “ Pois é. As mães tratam da educação os pais da competição. Os pais fazem dos filhos aquilo que eles gostariam de ser.”
Quando entrou no carro, confessou-me a reflexão. Eu rematei: “ Pois é. As mães tratam da educação os pais da competição. Os pais fazem dos filhos aquilo que eles gostariam de ser.”
Wednesday, March 08, 2006
Poemax xr
GENÉRICO DE EFEITO PROLONGADO
Receita para fazer um herói
Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome,
Depois perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.
Reinaldo Ferreira
Este foi o medicamento que me foi destinado em sorte. Terei que o tomar durante alguns dias para o perceber. Persistentemente como convém a qualquer remédio, para fazer o devido efeito. Tomo nota das contra-indicações: “ O medicamento não deve ser administrado em pacientes portadores de manifesta surdez à musicalidade das palavras, ao encanto das imagens e metáforas e à perplexidade entre o som e o sentido”. Não é o meu caso, posso tomá-lo à vontade.
Quanto aos efeitos secundários: “ Foram detectados sintomas de dependências em pacientes pouco habituados à leitura e à partilha dos sentidos. Não existem sinais de arrependimento em utilizadores que correm a este genérico de olhos vidrados.” Quem me conhece sabe que não os temo.
Por isso, vamos a isto.
A Poesia Está na Rua , Santo Tirso 2006
Receita para fazer um herói
Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome,
Depois perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.
Reinaldo Ferreira
Este foi o medicamento que me foi destinado em sorte. Terei que o tomar durante alguns dias para o perceber. Persistentemente como convém a qualquer remédio, para fazer o devido efeito. Tomo nota das contra-indicações: “ O medicamento não deve ser administrado em pacientes portadores de manifesta surdez à musicalidade das palavras, ao encanto das imagens e metáforas e à perplexidade entre o som e o sentido”. Não é o meu caso, posso tomá-lo à vontade.
Quanto aos efeitos secundários: “ Foram detectados sintomas de dependências em pacientes pouco habituados à leitura e à partilha dos sentidos. Não existem sinais de arrependimento em utilizadores que correm a este genérico de olhos vidrados.” Quem me conhece sabe que não os temo.
Por isso, vamos a isto.
A Poesia Está na Rua , Santo Tirso 2006
Monday, March 06, 2006
concha
Como um caracol em defesa dentro da sua concha.
Como um animal de sangue frio em hibernação.
Alimentam-se de si próprios.
Se do que colheram, meditam – a melhor das hipóteses.
Se do que tem de si, apenas – a pior das hipóteses.
Se é apenas quaresma, para chegar à páscoa – a melhor das hipóteses.
Se é autismo por escolha – a pior das hipóteses.
Assim somos humanos – caracol ou cobra,
Cristãos ou autistas.
Algumas vezes na vida – a melhor das hipóteses.
Na vida sempre – a pior das hipóteses.
Como um animal de sangue frio em hibernação.
Alimentam-se de si próprios.
Se do que colheram, meditam – a melhor das hipóteses.
Se do que tem de si, apenas – a pior das hipóteses.
Se é apenas quaresma, para chegar à páscoa – a melhor das hipóteses.
Se é autismo por escolha – a pior das hipóteses.
Assim somos humanos – caracol ou cobra,
Cristãos ou autistas.
Algumas vezes na vida – a melhor das hipóteses.
Na vida sempre – a pior das hipóteses.
Saturday, March 04, 2006
A dimensão do erro
Por causa de um caso concreto tenho andado a pensar sobre o erro e a sua dimensão.
“Errar é humano”, diz-se.
Primeiro: o que é errar? Por certo haverá muitas reflexões acerca desta matéria que até concluem que o erro não existe.
No entanto para mim, comum mortal, existem erros. Erros relativamente às ciências exactas, erros de ortografia e gramaticais, na estrutura que é a língua, erros subjectivos, se falarmos em comportamentos, erros históricos, estes provavelmente condicionados pelo tempo e susceptíveis de por ele serem ressalvados.
É também importante para esta reflexão dizer que falo de erro não premeditado.
Neste caso falo de um erro de cálculo que deriva de uma vírgula mal colocada. A deslocação da vírgula para a esquerda alterou significativamente o resultado. Mas a dimensão do erro deve avaliar-se pelo erro em si, perfeitamente compreensível e humano, ou deve avaliar-se pelas suas consequências? E se optarmos pelo segundo modo de avaliação, se o erro for reversível, faz sentido avalia-lo pelo resultado?
A reversibilidade constitui pelo menos algum conforto a quem o cometeu, pacificando ainda que não inteiramente, a sua consciência. Se as consequências forem irreversíveis, o caso torna-se mais grave e pode trazer danos irremediáveis e não assimiláveis para o seu autor. (Tenho muito medo deste tipo de erros, porque creio que quando praticado por pessoas com estruturas mentais mais sensíveis, podem conduzir à verdadeira morte).
Estes pensamentos levam-me a duas conclusões. A primeira é que o erro é sempre erro, independentemente da sua natureza ou da sua dimensão e como tal deve ser evitado. A segunda é que o erro tem que produzir efeitos no sentido de alterar comportamentos ou procedimentos com objectivo de o tornar evitável. Até porque, independentemente das suas consequências, o erro é uma fonte de sofrimento, que danifica a auto-confiança de quem o comete.
“Errar é humano”, diz-se.
Primeiro: o que é errar? Por certo haverá muitas reflexões acerca desta matéria que até concluem que o erro não existe.
No entanto para mim, comum mortal, existem erros. Erros relativamente às ciências exactas, erros de ortografia e gramaticais, na estrutura que é a língua, erros subjectivos, se falarmos em comportamentos, erros históricos, estes provavelmente condicionados pelo tempo e susceptíveis de por ele serem ressalvados.
É também importante para esta reflexão dizer que falo de erro não premeditado.
Neste caso falo de um erro de cálculo que deriva de uma vírgula mal colocada. A deslocação da vírgula para a esquerda alterou significativamente o resultado. Mas a dimensão do erro deve avaliar-se pelo erro em si, perfeitamente compreensível e humano, ou deve avaliar-se pelas suas consequências? E se optarmos pelo segundo modo de avaliação, se o erro for reversível, faz sentido avalia-lo pelo resultado?
A reversibilidade constitui pelo menos algum conforto a quem o cometeu, pacificando ainda que não inteiramente, a sua consciência. Se as consequências forem irreversíveis, o caso torna-se mais grave e pode trazer danos irremediáveis e não assimiláveis para o seu autor. (Tenho muito medo deste tipo de erros, porque creio que quando praticado por pessoas com estruturas mentais mais sensíveis, podem conduzir à verdadeira morte).
Estes pensamentos levam-me a duas conclusões. A primeira é que o erro é sempre erro, independentemente da sua natureza ou da sua dimensão e como tal deve ser evitado. A segunda é que o erro tem que produzir efeitos no sentido de alterar comportamentos ou procedimentos com objectivo de o tornar evitável. Até porque, independentemente das suas consequências, o erro é uma fonte de sofrimento, que danifica a auto-confiança de quem o comete.
Friday, March 03, 2006
micro-crédito
Hoje estive numa sessão de esclarecimento da Associação Nacional de Direito ao Crédito realizada no âmbito da implementação de um dos projectos escolhidos pela Agenda 21 Local.
Empolgo-me com estas coisas e acredito. Acredito no micro, acredito nos idealistas e sonhadores, acredito na bondade das pessoas! Quanto mais micro, mais acredito.
Dói-me no entanto perceber que este não é um sentimento geral, nem sequer maioritário e ainda nem sequer de uma significativa minoria.
Mas se eu, que nasci do lado bom do mundo, sinto tantas dificuldades para tornar real um projecto, porque não acreditar que a bondade das ideias não depende da dimensão material de um projecto, mas antes das redes de solidariedade que se criam? Pouco importa que o máximo de crédito possível seja € 5000. O relevante é haver uma instituição, que garanta a quem precisa dos €5000, o direito a que lhos emprestem. Esse empréstimo implica responsabilidade e confiança, provavelmente o que não é exigível a quem precisa de muitos €5000 para investir ( ou enterrar) em empresas tidas como fundamentais para a recuperação da nossa economia… e que depois, porque se perspectivam à escala global, deixam centenas ou mesmo milhares de trabalhadores ( dependentes) no desemprego.
É tudo uma questão de atitude, para mim, de valores. E poderão estar certos, não sou eu profeta que o digo, que economia social e que valores como os da coesão, são os únicos que nos podem salvar …ou por cegueira, perder-nos definitivamente.
Empolgo-me com estas coisas e acredito. Acredito no micro, acredito nos idealistas e sonhadores, acredito na bondade das pessoas! Quanto mais micro, mais acredito.
Dói-me no entanto perceber que este não é um sentimento geral, nem sequer maioritário e ainda nem sequer de uma significativa minoria.
Mas se eu, que nasci do lado bom do mundo, sinto tantas dificuldades para tornar real um projecto, porque não acreditar que a bondade das ideias não depende da dimensão material de um projecto, mas antes das redes de solidariedade que se criam? Pouco importa que o máximo de crédito possível seja € 5000. O relevante é haver uma instituição, que garanta a quem precisa dos €5000, o direito a que lhos emprestem. Esse empréstimo implica responsabilidade e confiança, provavelmente o que não é exigível a quem precisa de muitos €5000 para investir ( ou enterrar) em empresas tidas como fundamentais para a recuperação da nossa economia… e que depois, porque se perspectivam à escala global, deixam centenas ou mesmo milhares de trabalhadores ( dependentes) no desemprego.
É tudo uma questão de atitude, para mim, de valores. E poderão estar certos, não sou eu profeta que o digo, que economia social e que valores como os da coesão, são os únicos que nos podem salvar …ou por cegueira, perder-nos definitivamente.
Wednesday, March 01, 2006
que dizer mais...fazer!
Recordava uma figura, figura de sábio...
"Eu nada sou é tudo quanto digo
um sonho apenas do senhor do mundo
me perco mesmo quando me consigo
e só me salvo se em não ser me afundo."
Agostinho da Silva; Quadras Inéditas, Ulmeiro 1990
... redescubro um sábio por outras mãos, por diversas mãos.
Depois, vale a pena olhar infinitamente o ar do fim de tarde, ouvir as ondas sonoras que se fazem música nos meus ouvidos e respirar/absorver todo o não ser que nos constrói.
Nota: No Sábado, na Biblioteca Municipal de Santo Tirso às 15 horas, alguns amantes de Agostinho da Silva vão falar sobre o seu pensamento. Eu vou ouvir.
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