Tuesday, March 14, 2006

boas e más acções

"E que dizer de boas e más acções? Boas acções e más acções não são meramente aquelas que concordam ou não com os apetites individuais e com as emoções. As boas acções são aquelas que, não só produzem bons resultados para o indivíduo através dos apetites e das emoções, mas também não causam qualquer dano a outros indivíduos. Esta barreira é intransponível. Uma acção que possa ser pessoalmente benéfica mas que cause danos a outros não é uma boa acção, porque o dano causado a outros vem por seu turno causar dano ao indivíduo que o causa. Tais acções são más: “…o nosso bem resulta especialmente da amizade que nos liga a outros seres humanos e às vantagens que assim resultam para a sociedade.” ( A Ética, Parte V, Proposição 10). Julgo que Espinosa quer dizer que o sistema constrói em cada pessoa imperativos éticos com base na presença de mecanismos de auto-preservação, desde que essa pessoa tenha em mente a realidade sócio-cultural. Para além de cada si individual há os outros, como indivíduos ou como entidades sociais, e a auto-preservação desses outros, através dos seus próprios apetites e emoções, deve ser tomada em consideração."

António Damásio; Ao encontro de Espinosa; Públicações Europa-América Forum Ciência, Pág 198

Às vezes é tão díficil distinguir o bem do mal, sobretudo quando a dualidade e o maniqueismo é tido como fundamento ético das sociedades totalitárias e antidemocráticas, que é particularmente grato descobrir um pensamento tão clarividente. Mesmo quando acreditamos que, sempre, tudo contém tudo o seu contrário.
Porque também aqui uma acção pode ser boa por uma lado, para o próprio indíviduo, mas transforma-se em má pelo efeito nos outros indíviduos. Porque o nosso bem resulta da "amizade que nos liga a outros seres humanos e às vantagens que dela resultam para a sociedade." Somos sis sociais. Somos Sós Sociais.

2 comments:

Anonymous said...

Aqui está na integra a Proposição X (sec XVII) que Damásio convoca:

PROPOSIÇÃO X
Durante o tempo em que nós não somos dominados pelas afecções que são contrárias à nossa natureza, durante esse mesmo tempo nós temos o poder de ordenar e encadear as afecções do nosso Corpo segundo a ordem relativa à inteligência.

DEMONSTRAÇÃO
As afecções que são contrárias à nossa Natureza, isto é (pela proposição 30 da Parte IV), que são más, são más na medida em que impedem a Alma de compreender (pela proposição 27 da Parte IV). Portanto, durante o tempo em que não somos dominados por afecções que não são contrárias à nossa natureza, durante esse mesmo tempo a potência da Alma, pela qual ela faz esforços para conhecer as coisas (pela proposição 26 da Parte IV), não é impedida, e por conseguinte, durante esse tempo ela tem o poder de formar ideias claras e distintas e de as deduzir umas das outras (ver o escólio 2 da proposição 40 e o escólio da proposição 47 da Parte II); e, consequentemente (pela proposição l desta parte); durante esse tempo nós temos o poder de ordenar e de encadear as afecções do Corpo segundo a ordem relativa à Razão. Q. E. D.


ESCÓLIO
Por este poder de ordenar e encadear correctamente as afecções do Corpo, podemos conseguir não sermos facilmente afectados pelas más afecções. Com efeito (pela proposição 7 desta parte), requer-se maior força para entravar as afecções ordenadas e encadeadas segundo a ordem da Razão, do que para entravar as incertas e as vagas. Portanto, o melhor que podemos fazer, enquanto não temos um conhecimento perfeito das nossas afecções, é conceber uma correcta norma de viver, por outros termos, regras de vida precisas, e retê-las na memória e aplicá-las continuamente às coisas particulares que se apresentam frequentemente na vida, de maneira que a nossa imaginação seja profundamente afectada por elas e que elas nos estejam sempre presentes. Por exemplo, pusemos entre as normas de vida (ver proposição 46 da Parte IV e seu escólio) que o ódio deve ser vencido pelo amor, ou seja, pela generosidade e não ser pago com um ódio recíproco. Mas, para este preceito da Razão nos estar sempre presente ao espírito, quando for conveniente, devemos pensar e meditar frequentemente nas injúrias dos homens e de que maneira e por que via elas podem ser repelidas o melhor possível pela generosidade; assim, com efeito, nós juntaremos a imagem da injúria à imaginação desta regra, e estar-nos-á sempre presente ao espírito (pela proposição 18 da Parte II), quando nos fizerem alguma injúria. Mas se nós tivermos também presente ao espírito o princípio da nossa verdadeira utilidade e ainda o do bem que resulta da mútua amizade e da sociedade comum e, além disso, que de uma norma de vida correcta provém o supremo contentamento da Alma (pela proposição 52 da Parte IV) e que os homens, como as outras coisas, agem por necessidade de natureza; então a injúria, ou seja, o ódio que dela costuma resultar, ocupará uma parte mínima da imaginação e será facilmente vencida; ou se a cólera, que costuma nascer das injustiças maiores, não é tão facilmente vencida, será, no entanto, vencida, embora não sem flutuação da Alma, num espaço de tempo muito menor do que se nós não tivéssemos assim premeditado estas coisas, como é evidente pelas proposições 6, 7 e 8 desta parte. Para nos desembaraçarmos do medo, devemos pensar da mesma maneira na força de Alma; quer dizer, devemos enumerar e imaginar frequentemente os perigos ordinários da vida e a melhor maneira de os evitar superar pela presença de espírito e pela firmeza de Alma. Mas deve notar-se que na ordenação dos nossos pensamentos e imaginações devemos atender sempre (pelo corolário da proposição 63 da Parte IV e pela proposição 59 da Parte III) àquilo que há de bom em cada coisa, a fim de sermos assim sempre determinados a agir pela afecção da alegria. Por exemplo, se alguém vê que busca demasiado a glória, pense no uso correcto dela, em vista de que fim deve ela ser procurada e por que meios pode ser adquirida, e não no abuso dela, na sua vaidade e na inconstância dos homens ou noutras coisas semelhantes. Com efeito, é com tais pensamentos que os mais ambiciosos se afligem mais, quando desesperam de conseguir uma honra a que aspiram e, enquanto vomitam a sua cólera, querem passar por sábios. Por isso, é certo que os mais desejosos de glória são os que mais clamam contra o abuso dela e contra a vaidade do mundo. E isto não é exclusivo dos ambiciosos, mas comum a todos aqueles para quem a sorte é adversa e aos que são de espírito impotente. Com efeito, o que é pobre e ainda por cima avarento não cessa de falar no abuso do dinheiro e nos vícios dos ricos, com o que não faz outra coisa se não afligir-se e mostrar aos outros que suporta de mau grado não só a sua pobreza, mas ainda as riquezas dos outros. Da mesma maneira ainda, aqueles que foram mal recebidos pela sua amante não pensam senão na inconstância* das mulheres e no seu espírito enganador e nos outros seus decantados vícios; e tudo isto lançam no esquecimento, logo que são de novo recebidos pela amante. Aquele que, portanto, se empenha em governar as suas afecções e apetites só por amor da liberdade, esse esforçar-se-á, quanto possível, por conhecer as virtudes e as suas causas e por encher a Alma de alegria, que nasce do verdadeiro conhecimento elas; mas de modo algum se esforçara por contemplar os vícios dos homens, nem por os injuriar, nem por gozar da falsa aparência da liberdade. Aquele que observar com cuidado estas coisas (com efeito, não são muito difíceis) e as praticar, esse poderá, certamente, num curto espaço de tempo, dirigir a maior parte das vezes as suas acções segundo o império da Razão.



B

maria said...

Entende-se melhor a razão de Damásio. O interesse por comprovar científicamente o que Espinosa intuía: corpo e mente são interdependentes e indissociáveis.