Saturday, March 25, 2006

ponte de lima

Para dizer como arquitectura preenche a vida.
O acto de construir. Construir como acto que se inicia na concepção e termina muito depois da obra acabada. Construir como acto que se inicia antes da concepção, no envolvimento cultural com o sítio. Siza. O sítio – paradigma da nossa – minha - formação. Hoje a cultura do lugar parece que passou de moda. Agora que provavelmente ela deveria estar muito mais presente, não como a defesa contra o global, assim explicitamente defendida pelas correntes do poder, mas como algo que nos identifica globalmente, sem preconceito e sem xenofobias. Contra a tentação da marca e do comércio. Contra a afirmação do arquitecto e mais pela afirmação do construtor.
Hoje saber construir significa, antes do mais, interpretar para apagar e não para marcar. Encontrar o lugar que, de um modo indelével, tem que ser tocado pela mão do homem para imanar um novo significado.
Passeei em Ponte de Lima, com um rio cheio e lasso, onde se lia corrente, que teimava em contrariar a sua denominação de rio morto. O Lima estava cheio, vital. Os patos-reais deixavam-se ir ao sabor da água e levantavam voo rasante por entre as árvores e arbustos submersos pelo meio. Os pescadores, equipados e cantantes, debatiam-se com a corrente à espera das trutas. Os muros húmidos mostravam texturas e cores feitas de inertes e da vida dos líquenes, dos pequenos malmequeres, dos musgos e das violetas bravas.A água da chuva reluzia nos campos verdes e planos já sem os tesmunhos das culturas tradicionais. Restam pequenos pontos brancos desenhados pela flor da couve galega e a amarela dos grelos e dos hortos. Os muros também eram ruínas.
O tempo parou por entre os nossos passos contínuos ao longo da margem debaixo do olhar cirúrgico de arquitectos… e não só. Porque neste não só, estará o limite para aquilo que o arquitecto anseia fazer, marcar o lugar. Estará o bom senso de nos entendermos enquanto prolongamento do natural, culturalmente moldados, para dele sabermos colher toda a sua força vital.

4 comments:

Anonymous said...

" (...) Não exijo saber o que espaço realmente significa. Quanto mais penso sobre a sua natureza, mais misterioso me parece. No entanto, estou seguro que, quando nós como arquitectos reflectimos sobre o espaço, é apenas com uma pequena parte desta infinidade que rodeia a terra que nos ocupamos. Mas cada obra estabelece um lugar nesta infinidade.(...)"
"(...) A beleza da natureza toca-nos como algo grande que nos transcende. O homem vem da natureza e a ela torna. Tomamos consciência de uma ideia da proporção da nossa vida na imensidade da natureza quando encontramos uma paisagem bonita que não domesticámos nem ajustamos à nossa medida. Sentimo-nos em boas mãos, humildes e orgulhosos ao mesmo tempo.(...) Olho para a massa de água. Ando sobre os campos até às acácias, comtemplo as flores do sabugueiro, o zimbreiro. Fico calmo.(...)"

Peter Zumthor

maria said...

Talvez presunção, mas ontem andei no mesmo sítio. Provavelmente ele com muito mais propriedade porque arquitecto- construtor.

Anonymous said...

... frequentemente sinto que a "proporção da nossa vida na imensidade da natureza" nos atrai porque é mais abstracta e litigiosa a"proporção da nossa vida" na imensidade da urbanidade. E longas extensões das cidades, acabadas de construir, a estrear, são mais consequentes com a evolução dos conceitos da economia do que propriamente com os da disciplina da arquitectura ... talvez isso justifique que os conceitos da arquitectura estejam a reagir por atraso ao que já está feito. E quando julgamos estar perante sintaxes e nomenclaturas de vanguarda, por vezes assistimos apenas à pulverização de um sentido e de uma trajectória morfo-estética que urge experimentarmos em nome da antecipação de um futuro(ismo)fantasmagórico, bem ao contrário do que vinha acontecendo enquanto o passado tomou definições precisas embora por vezes conservadoras. O paradoxo é que a referência é esse desejo de antecipação no tempo; o movimento moderno nasceu assim, mas fê-lo diante de um debate e um experimentalismo profundos e, como sabemos, já está morto e bem morto!






A

maria said...

... e porque não saber ler na cidade um prolongamento do natural? O complexo como evolução humana do primário conceito de abrigo e defesa, sobrevivência? Dar o salto do individual para o colectivo, entender o colectivo como individualidade, como um organismo uno com as suas regras próprias, que não se afastam muito da simples vontade que nos move na procura da felicidade.É mais díficil ler e encontrar harmonia...para alguns. Para outros o urbano é a condição do encontro da sua individualidade. Pelo meio meio do barunho, da poluição, do desastre, do caos,...