Saturday, March 04, 2006

A dimensão do erro

Por causa de um caso concreto tenho andado a pensar sobre o erro e a sua dimensão.
“Errar é humano”, diz-se.
Primeiro: o que é errar? Por certo haverá muitas reflexões acerca desta matéria que até concluem que o erro não existe.
No entanto para mim, comum mortal, existem erros. Erros relativamente às ciências exactas, erros de ortografia e gramaticais, na estrutura que é a língua, erros subjectivos, se falarmos em comportamentos, erros históricos, estes provavelmente condicionados pelo tempo e susceptíveis de por ele serem ressalvados.
É também importante para esta reflexão dizer que falo de erro não premeditado.
Neste caso falo de um erro de cálculo que deriva de uma vírgula mal colocada. A deslocação da vírgula para a esquerda alterou significativamente o resultado. Mas a dimensão do erro deve avaliar-se pelo erro em si, perfeitamente compreensível e humano, ou deve avaliar-se pelas suas consequências? E se optarmos pelo segundo modo de avaliação, se o erro for reversível, faz sentido avalia-lo pelo resultado?
A reversibilidade constitui pelo menos algum conforto a quem o cometeu, pacificando ainda que não inteiramente, a sua consciência. Se as consequências forem irreversíveis, o caso torna-se mais grave e pode trazer danos irremediáveis e não assimiláveis para o seu autor. (Tenho muito medo deste tipo de erros, porque creio que quando praticado por pessoas com estruturas mentais mais sensíveis, podem conduzir à verdadeira morte).
Estes pensamentos levam-me a duas conclusões. A primeira é que o erro é sempre erro, independentemente da sua natureza ou da sua dimensão e como tal deve ser evitado. A segunda é que o erro tem que produzir efeitos no sentido de alterar comportamentos ou procedimentos com objectivo de o tornar evitável. Até porque, independentemente das suas consequências, o erro é uma fonte de sofrimento, que danifica a auto-confiança de quem o comete.

4 comments:

Anonymous said...

... pode ser uma vírgula (penso nela como a inversão do movimento do arco do violino) que desfigura o contexto da mensagem e induz uma anomalia ... pode ser uma jarra, pode ser o pedal do travão ou do acelerador, pode ser uma janela não fechada, pode ser uma flor colhida com exagerada antecedência, pode ser uma dúvida menosprezada, pode ser um desvio de caixa no banco, pode ser um relógio atrasado, pode ser um beijo na boca errada, pode ser uma urna fechada, pode ser uma bainha mal subida, pode ser uma passagem de nível, pode ser uma colher de sal, pode ser uma guilhotina, pode ser um fósforo, pode ser um foguetão, pode ser uma telha, pode ser um degrau, pode ser um charuto, pode ser um mosquito, pode ser um pinheiro ou um trovão, pode ser o fusível, pode ser a tradição, pode ser o ozono e o carbono, pode ser ...
Claro que sem o aparecimento de uma consequência negativa atribuível a um determinado procedimento não existe erro. Portanto, o erro parece ser a subtracção aritmética de uma determinada expectativa ao resultado apurado e, geralmente, é mais preocupante quanto mais o seu valor está afastado daquilo que julgávamos que se iria verificar. O erro angustia quando não pode ser solucionado ou revertido em tempo útil, e infelizmente isso ocorre com alguma frequência. Porem, dir-se-ia que o erro é uma parte da nossa substância (mesmo da biológica, e por isso se desencadeia o tumor quando um engano numa tipologia celular passa a multiplicar-se de modo aceleradamente pernicioso) e provavelmente também se encontra com abundância na vigência do universo. Se não existisse desde o início dos tempos, provavelmente a nossa constituição moral (dos indivíduos ou das sociedades) e a nossa competência técnica estariam muito para além do formato que hoje apresentam. O erro é condição do progresso da matéria e da consciência. Nunca será abolido, por cada um que corrigimos, outro de natureza diversa se virá a dar adiante. Como a eficiência, nunca se chega a possui-la definitivamente. É-se mais capaz na medida em que se está mais à frente do que antes, mas essa capacidade vem colocar mais longe o desafio do dia seguinte. E nenhum futuro mais alto foi alguma vez conseguido com base numa utopia pura que não tivesse originado erros de monta. O erro só está onde está a vida, nunca foi encontrado antes dela nem se verificará depois dela.


E

maria said...

Então o erro faz parte da evolução e contrariamente ao que afirmas "Se não existisse desde o início dos tempos, provavelmente a nossa constituição moral (dos indivíduos ou das sociedades) e a nossa competência técnica estariam muito para além do formato que hoje apresentam." …provavelmente estaríamos aquém. Deste modo o erro torna-se mais pacífico, quanto mais não seja, para as nossas consciências. Ainda bem que este, que gerou o meu comentário, é puramente material e traduz-se apenas em cifrões. ... e ainda por cima é reversível.

Anonymous said...

Bem corrigido ... era esse o sentido do que estava a pensar!

E

Anonymous said...

O erro angustia-me, mesmo quando é reversível ou minorável...
O erro é precisamente isso, angústia, que permanece para além do mesmo, porque não se apaga, apenas se dissolve com o tempo.
A necessidade de entender o porquê do erro (por incúria, por incompetência, por desconhecimento, por … ) está associada à necessidade que temos de o justificar, perante os outros e principalmente perante nós mesmos.
Aceito a sua existência, do mesmo modo que aceito a nossa condição humana e compreendo a sua importância no nosso processo de crescimento enquanto indivíduos…
no entanto, sou intransigente com os meus, não tolero a repetição destes, desculpo-me com pouca facilidade. O que pode ser um erro..