“ (…) O facto de ter sido este o nosso último encontro confere-lhe uma importância que de outro modo não o teria. Não que, no que diz respeito a este livro, tenha deixado de existir; simplesmente, colocou-se no lado oposto do espelho, naquele lado que não reflecte a imagem – deixando-nos entregues às nossas doenças, às nossas baixezas, ainda operantes para o mal e para o bem no mundo real – e que é a memória dos nossos amigos. E, portanto, a presença da morte renova sempre as experiências, a sua função: ajudar-nos a meditar sobre essa coisa estranha que se chama o Tempo. Neste momento, contudo, estávamos colocados em pontos equidistantes da morte – ou pelo menos assim julgo. É possível que uma tranquila decisão, tivesse já começado a tomar forma dentro dele, mas não posso afirmá-lo. Não há mistério no facto de um artista querer por termo a uma vida que se esgotou (uma personagem no último volume exclama: “Durante anos esforçamo-nos por aceitar a ideia de que as outras pessoas não se importam absolutamente nada connosco; depois, certo dia descobrimos que é o próprio Deus que não se interessa por nós; e, o que é pior, descobrimos que lhe é totalmente indiferente que sejamos uma coisa ou outra:bons ou maus"). (…)”.
Durrell, Lawrence; Justine; Ulisseia; 3ª Edição - Abril de 1986; pág. 133/134
Wednesday, November 01, 2006
o lado oposto
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3 comments:
Gostei...Não há de facto espanto em alguém querer por termo a uma vida que se esgotou. Esgotou-se. Foi-se. Acabou. E assim sendo porquê insistir? Porque deixar que a vida continue para lá de um patamar aceitável de dignidade fisica e intelectual?
Às vezes, decide-se morrer apenas porque tudo o resto deixou de existir.
Mas, enquanto tudo persiste, mesmo que de forma trémula, basta aproveitar o sabor doce, o perfume que a vida exala. Enquanto persiste.
Este é também um modo de não aceitar a morte. Tanto que temos que afirmar a nossa vitória sobre ela, determinando-a pelas nossas próprias mãos. O suícidio não será também, ou ainda mais, o assumir momentâneo do imenso medo de morrer?
Sim, será. É. O medo de morrer continuando viva. O medo de morrer e continuar vivendo. Não é isso terrível? Ter acabado tudo e continuarmos a existir? Existir sem tudo aquilo que nos faz ser?
Há quem não se importe. Há mesmo quem nunca se tenha apercebido. Mas há aqueles que um dia entenderam. E que persistem. Se importam. Acreditam que vale a pena tentar, mudar, acreditar na possibilidade de tudo poder ser diferente e melhor. E ás vezes esta grandeza de espirito esconde uma outra fraqueza, a impossibilidade de poder viver com menos. E isso, aos olhos de outros, pode parecer cobardia. Quem sabe se até não o será. Mas inclino-me ainda mais para que seja a incapacidade de aceitar viver, ser, menos do que se é. E...para aqueles que são maiores que eles próprios, aceitar ser menos é terrível. Não lhe parece? Acredito que sim. Afinal, parece-me que a sua vida é mais do que o quotidiano trivial e humano. Parece-me que o seu olhar abarca também aquilo que não sendo exclusivamente seu, o acaba sendo, por ser do mundo também. E essa qualidade faz de si algém diferente e grandioso e que é interessante vir conhcendo.
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