Monday, November 27, 2006

sem título, apenas porque não o encontro

Li um interessante artigo na Pública (emprestada) que por isso cito de memória e que suscita esta reflexão. Era sobre Susan Sontag e Annie Leibovitz. Esta falava na sua bonita história de amor que vivera durante quinze anos com a primeira. Dizia, Susan Sontag, que era bi-sexual. Quando começou a envelhecer e deixou de suscitar interesse para os homens, foi com as mulheres que ela reconheceu a profundidade das relações. Porque as mulheres a partir dos quarenta anos desabrocham e atingem toda a intensidade.
Não quero comentar pelo lado sexista da questão. Nem quero comentar para me auto-consolar com a passagem dos anos.Mas porque é que só chegamos lá, pelos quarenta? E porque é que as marcas da idade no corpo nos tornam menos interessantes (tanto a homens como a mulheres)?
A dificuldade em lidar com a passagem do tempo é sem dúvida uma das principais características da sociedade actual. Pelos quarenta, tudo se ganha ou tudo se perde. A vida ganha a luminosidade da auto-confiança ou entra na obscuridade do medo da decadência. Não ouvimos muitas vezes “ Depois dos trinta e cinco é sempre a cair.”? Por isso tenho necessidade de repetir muitas vezes aos mais novos, aquilo que para mim é um dado completamente adquirido e um lugar comum: a experiência de vida, vivida com paixão e reflexão, transforma as pessoas e torna-as seres cada vez mais encantadores e bonitos. Recuso o eufemismo daqueles que vendo um velho dizem “o que interessa é a beleza interior”. Um velho, uma velha são também bonitos, aprendamos a vê-lo. Felizmente verifico que transmito qualquer coisa e gosto de ver J. guardar carinhosamente, como algo de muito precioso e belo, uma fotografia de Pina Bausch. Ou de ver P. abraçar carinhosamente a avó, dizendo que ela é tão bonita como a Jane Fonda.
Trabalhemos para isso.

5 comments:

Patrícia said...

Talvez a vida assim seja, quando finalmemte lhe tomamos o gosto começa a esmorecer...Não tenho quarenta. Tão pouco trinta e cinco. Mas percebo já o que quer dizer. Não deixar que o tempo se cole a nós é muito trabalhoso. E nem sempre apetece. Cada vez mais me parece uum desperdício. Prefiro os investimentos que passam pelas relações humanas (podem dar-nos tantos sorrisos!), pelo sentido apurado da estética intelectual e física, das coisas também.
Confesso...apetecia-me mesmo era comentar esse lado sexista do post!

joana said...

guardo também esse artigo. tenho-o comigo. é bonito. são bonitas.

joana said...

não acho que só se tome o gosto quando a vida começa a esmorecer...

tão nova, estarei já a esmorecer?

Ninguém said...

Parece haver um paradoxo irresolúvel na forma como o tempo actua sobre a matéria e sobre o espírito - tomando o tempo apenas como o intervalo exacto entre duas datas de um calendário.
Na primeira idade parece faltar maturidade à consciência e na terceira ter o corpo declinado em excesso. Tendo nós, desde o nascimento, ambas as dimensões a caracterizar o nexo que define e impulsiona o caso que nos acumula ao acontecido, dir-se-ia que o ímpeto divergente do tempo sobre essas categorias, embora fundidas numa pessoa, sempre a mesma pessoa, nos tornam por pouco tempo aquilo mesmo que imaginamos ser. Nietzsche teria visto o seu super-homem se este processo tendesse a configurar uma convergência. O Homem, se alguma vez fosse definido e determinado por uma único ânimo, crescente e convergente, a tal ponto de ser simultâneo e equivalente o seu desempenho muscular e intelectual, provavelmente tenderia a ver na morte um critério fulminante, nunca e nada admissível. Dai para diante, uma caótica fissura no estranho concílio que a consonância com as árvores ou as pedras nos vai dando sempre que pensamos no fim.
O envelhecimento físico é inexorável e decorre desde a primeira divisão celular. O crescimento espiritual, inversamente, parece ter tido o seu grau mínimo nesse instante inaugural e, mesmo não o recordando, é por o tempo se converter em memória, em acumulação ininterrupta de lembranças sensíveis ou espectrais (ao mesmo ritmo das rugas) que podemos reivindicar a quantidade de vida que temos (a arteriosclerose ou a Parkinson são ineficiências mecânicas).
Talvez por isso se possa dizer que não há igualdade para além da matemática em idades idênticas de homens distintos. Haverá quem tenha morrido cedo ou tarde perante a espera, o ódio, o amor ou a fé, por vezes com grande desfasamento na correspondência com o destinado a ser contabilizado, mas quem morre, morre sempre por causa da quantidade exacta de fim que basta para, fisicamente, o extinguir. Cezariny porventura morreu mais novo, bem mais novo, do que quando leu o “Peixe solúvel” ou os demais manifestos do surrealismo. Aliás, o surrealismo tornou-se numa das mais ricas e densas impugnações dos calendários concebidas pelo génio humano, e ele foi um dos mais notáveis …

maria said...

Muito bem. É este o paradoxo da existência, sempre desfasado, poucas vezes coincidente. Quando há coincidência sobrevêem momentos únicos de felicidade. Quando não há coincidência andamos atrás dela, tal a vontade de perfeição que nos move. Perfeição é coincidência: entre ser e sentir.E ela não depende do tempo material.