Laurinda Alves recuperou, no editorial da X do passado dia 13, um texto essencial de Sophia, ao passar um ano sobre a sua “morte”.
Retirei um extracto:
“A beleza da ânfora de barro pálido é tão evidente, tão certa que não pode ser descrita. Mas eu sei que a palavra beleza não é nada, sei que a beleza não existe em si mas é apenas um rosto, a forma, o sinal de uma verdade da qual ela não pode ser separada. Não falo de uma beleza estética mas de uma beleza poética.”,
que me lembrou outro (para mim sempre essencial):
“Como é que sabe que é uma peça Sung?” Ele voltou a sorrir. “ As proporções – não há outra marca distintiva. Foi por isso que o antiquário falhou. É como o cego, que só se fia no toque familiar dos objectos. Aqui, se fôssemos só pelo tacto, não podíamos conhecer. Tente olhar lá para dentro e sentir as proporções, sentir a maneira como foi moldada, como um ovo de pássaro.” Daí a pouco comecei a ver vagamente o que ele via; era bastante como um teorema em geometria. Compreendi então que o que ele admirava era o modo como o pequeno objecto absorvia o espaço – não era a habilidosa manipulação da matéria, a simples beleza da função. Podia assim, do nosso ponto de vista, dar-se pouco significado a esta pequena recordação, enquanto que do dele era a requintada armadilha destinada a valorizar o espaço ambiente em volta dela. Era a estética chinesa e a capacidade negativa!” Durrell, Lawrence; Um sorriso nos olhos da alma; Quetzal Editores
Com a beleza poética, Sophia vai além da aparência para captar a essência. A beleza poética também é estética, mas uma beleza estética que não se resume ao equilíbrio proporcional, ainda que também ele se defina por referência a uma cultura. A beleza poética sente-se e entende-se como um vínculo a um mundo perfeito, religado, onde a peça, cada peça, é moldada como um ovo de pássaro.
Porque faz sentido falar disto numa perspectiva intergeracional? Porque cada dia a nossa ligação à Terra e ao nosso passado nela, se perde, ou é cada vez de mais difícil leitura. Porque para atingirmos a paz temos que fazer um grande esforço “para olhar lá para dentro e sentir…” a presença na ausência, a força do espaço negativo.
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2 comments:
Ainda que incorrendo em descarrilamento, este teu post lembrou-me uma citação que aqui te deixo. E porque esta coisa da percepção das coisas ( ou do outro),nunca é passiva e antes activa e profundamente dependente do que somos e do meio....
Rumble Fish deixa-te esta sobre a liberdade e os contextos ...
"A Liberdade nunca é Real"
"Se examinarmos um indivíduo isolado sem o relacionarmos com o que o rodeia, todos os seus actos nos parecem livres. Mas se virmos a mínima relação entre esse homem e quanto o rodeia, as suas relações com o homem que lhe fala, com o livro que lê, com o trabalho que está fazendo, inclusivamente com o ar que respira ou com a luz que banha os objectos à sua roda, verificamos que cada uma dessas circunstâncias exerce influência sobre ele e guia, pelo menos, uma parte da sua actividade. E quantas mais influências destas observamos mais diminui a ideia que fazemos da sua liberdade, aumentando a ideia que fazemos da necessidade a que está submetido."(Leon Tolstoi)
Mas se quiseres voltar a um comentário mais directo... deixo-te com Anais Nin :
"We don't see things as they are,
We see things as we are."
Ou “ Aliás, como ao pé delas ainda não estava insensibilizado pelo hábito, tinha a faculdade de as ver, sem dúvida, isto é de experimentar um profundo espanto de cada vez que me encontrava na sua presença. (…) E esse espanto inevitável não está só; porque ao lado dele há outro nascido da diferença, já não entre as estilizações da lembrança e da realidade, mas entre o ser que vimos da última vez e aquele que nos surge hoje de outro ângulo, mostrando-nos novo aspecto. O rosto humano é verdadeiramente, como o do Deus de uma teogonia oriental, todo um cacho de rostos justapostos em planos diferentes e que não se vêem ao mesmo tempo.
Mas, em grande parte, o nosso espanto provém sobretudo do facto de a pessoa nos apresentar também a mesma face. Precisaríamos de um esforço tão grande para recriar tudo o que nos foi fornecido pelo que não somos nós – mesmo que seja um gosto de um fruto – que, mal recebemos a impressão, descemos insensivelmente a encosta da lembrança e, sem darmos por isso, em pouquíssimo tempo estamos muito longe do que sentimos.” (…) e Proust continua interminavelmente reflectindo sobre o modo de nos vermos, de vermos os outros, de nos vermos nos outros…
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