Tuesday, June 13, 2006

arrisco

Há muito tempo que procuro um conceito de fidelidade que ultrapasse o medo da perda, a antecâmara do ciúme, a celebração da estabilidade conservadora. À fidelidade, contrapõe-se infidelidade, instabilidade emocional, incapacidade de aprofundar relações, efemeridade.
Na minha modesta opinião, porque não tenho quaisquer certezas, sei apenas que estes contra argumentos não me satisfazem. Nem reduzo a fidelidade à prática sexual com outro, que não o nosso companheiro(a) escolhido para a vida, nem posso admitir que a sua prática, da fidelidade, apenas entendida deste modo redutor, me satisfaça. O conceito de fidelidade, que encontro explicito no que vou lendo, assemelha-se ao do celibato defendido pela igreja católica. O padre para se dedicar aos outros e a Deus não pode viver a sua sexualidade prática e explicitamente. A qualidade de uma relação a dois “implica um trabalho a tempo inteiro, de exigência de atenção de perseverança”, lia hoje na revista do Público. Este “a tempo inteiro” é aqui aplicado literalmente, tanto quanto em todo o resto do artigo, o comportamento oposto, infiel, é reduzido a “…“comunicação leve”, de telecomando na mão, metidos connosco, em permanente zapping”.
No meio das minhas interrogações e incertezas, julgo que a questão essencial não está no que faço materialmente com os outros, mas no modo como me vejo a mim própria, como sou capaz de me aceitar, sem necessitar de ser confirmada pelo amor exclusivo do outro. Só esta aceitação de não exclusividade e relatividade permitem disponibilidade inteira, que os artigos que leio pretendem remeter, como estado a que se acede apenas através da fidelidade conjugal em sentido estrito. Acho exactamente o contrário – a fidelidade não é uma garantia, é uma atitude. A paz não se conquista pela certeza da exclusividade, conquista-se pela luta constante contra os valores negativos que me prendem a mim mesma e me tornam o centro do mundo. Sei que esta é a grande aventura de não negar sentimentos por medo e também o combate diário para os entender, convertendo-os noutros, quando são de natureza egocêntrica e configuram motivações negativas. Esta procura, este constante pôr em questão, descobrindo egoísmos encobertos, por vezes por atitudes lidas pelos outros como altruístas, é para mim uma postura incompatível com a segurança de uma relação cegamente exclusiva. Essas, para além de raramente serem plenas, vivem da pseudo segurança que ilude e confunde plenitude com ausência de vida. Para mim o caminho, ainda que na maioria das vezes pura utopia, passa pela capacidade de dar sem exigir retorno, de amar porque se gosta mais do que se precisa de amor. Os nossos casamentos, selados por uma garantia em papel para a vida inteira, são por ventura a nossa segurança precária, de fachada, que a qualquer momento pode ruir, às vezes tarde de mais, porque se passou uma (meia)vida a acreditar numa farsa bem representada.
A este post não são alheias algumas histórias recentes, que me rondam a porta, de mulheres de meia-idade que descobrem que andaram apostar numa fidelidade unívoca.
Se choco, que dê ao menos, para pensar...

6 comments:

Anonymous said...

É difícil saber desses assuntos, se é que se pode saber outra coisa que não os factos próprios do caso de cada um. E, mesmo desses, pode encontrar-se um novelo de linhas vária, fios sobrepostos e enlaçadas pelo pêndulo do vasto tempo amoroso que se tem vivido ou imaginado viver. Este, de tom azul, obedeceu ao dedal feliz das tardes lentas do longo verão da alma, aquele, avermelhado, denso e apertado, como se houvesse sido tecido para uma finalidade incalculável - atar a maior promessa - no centro, continuamente, ficou a iniciar o labirinto. É lilás o que circula perto da superfície sem nunca a descobrir, é lilás porque une as partículas de pequenos enganos necessários para que acreditemos de olhos fechados. É lilás como o verde e o amarelo são verde e amarelo, um por orgulho do ego antigo, inicial, incomum, unívoco, o outro por orgulho do ego novo, recente ou renovado, esperançoso na sua louca liberdade amante. Sinuoso, fulcro do acontecido nas noites desmerecidas ou nos solstícios da paixão, colmatando os interstícios, um fio negro e um fio branco entrelaçam-se...

A

maria said...

Não acho tanto assim. Procuro teorizar para além da experiência, porque sei que a experiência vai muito além daquilo que, hipocritamente ou por ilusória segurança, contamos aos outros e a nós próprios. O que me assusta é esta limitação exacta que os mais jovens hoje constroem nas suas relações interpessoais. Aqui assusta-me a dualidade: fiel/infiel; exclusividade/promiscuidade; seriedade/leviandade. Até porque como tentei dizer, estas dualidades escondem realidades diferentes e inconfessáveis, até um dia…. A perspectiva redutora com que as pessoas hoje encaram as relações humanas, ou a perspectiva consumista e pseudo urbana que nos veiculam os livros da moda e as novelas, conduzem a caminhos sem saída, ou então derivam um no outro: os que são “sérios” tornam-se permissivos e os “permissivos” passam a acreditar numa qualquer receita, católica, new wave ou “quaker”. Por isso tento educar os meus filhos ( e a mim) na percepção de que não há receitas, há sentimentos que mais vale entender do que esconder ou negar e que quanto melhor os entendermos, mais perfeitos nos tornarmos e melhor e mais convictamente escolhemos. Porque a vida é feita de escolhas, de pedaços que se excluem quando tem que se excluir para chegar onde queremos.

Anonymous said...

... tentava dizer que esse tipo especial de sentimento, em grande parte, na sua parte mais comunicável e definivel, naquela que se apresenta mais plausivel para nós e para o(s) outro(s,é em si mesma uma construção assimétrica, e com alguma frequência chega a ser labirintica, formada pela confluência variável da nossa capacidade de definir e de nos definir-mos(quase diria de descrever e de nos descrever)do que propriamente um estado verdadeiro; e, este verdadeiro, refere aquilo que possui as mais indeformáveis convicções do que somos pelo pensar e pelo sentir. Alias,paradoxalmente, nas relações, sobretudo naquelas mais fortes, vai-se formando uma derivação oculta que nos pede que protejamos -e nos protejamos- da nossa própria verdade. E não creio que haja mal algum nessa especialissima forma de pudor ou complacência. Como poderiamos dizer toda a verdade a alguêm que tanto amamos? Ñão, nunca a diremos, não somos capazes de a formular com a convicção necessária para ultrapassarmos o limiar. Aproxima-mo-nos, porque é um esforço de devoção que não podemos ultrajar mas, o coração, ou lá o que nos inflecte, há-de conduzir-nos para fora de qualquer intransigência. De modo que ora está certo ora está errado o que melhor nos deixar sonhar com o que de facto desejamos ou com o que ilusoriamente nos propusemos merecer. E nem sei se muitas vezes sentimos (e pensamos) para o outro e porque o outro, ou se o caso é o de sentirmos para nós atrav´s do outro porque nós ...

... enfim, para dizer "__________" é dos melhores assuntos!


B

maria said...

Seja o que for o que está oculto em "_______" será sempre o melhor tema quando nos põe à procura desse ser mutante que somos, que pensamos ser, que pensamos que os outros pensam que somos, que os outros pensam que somos. Somos isto tudo e definimo-nos pelo ser e não ser. O desejo de ser o que julgo que não sou também faz parte daquilo que sou. Mas só esta insegurança me dá a verdadeira segurança ... que me é oferecida pela certeza de que há muitos caminhos à minha frente, nunca vedados e que só a minha a escolha consciente me pode conduzir.E esta escolha é presente, não é imposta por qualquer compromisso passado nem por qualquer promessa futura.Só assim se configura liberdade.

Anonymous said...

Que bom encontrar alguém no mesmo trilho.
É que às vezes sinto-me só, outras vezes tenho medo de me perder e noutras - as piores- não consigo desvendar novos trilhos para seguir caminho.
Há muito que deixei de perder tempo com a Xis.

maria said...

É difícil, porque às vezes os caminhos confundem-se. O importante é encontrarmos os nossos. Esses são aqueles em que nos sentimos bem e para os quais conseguimos encontrar uma justificação racional que nos faça ultrapassar o puro instinto animal.
Pelo menos para mim - a gratuitidade constrói-se a partir do pensamento e da abenegação.