Thursday, June 15, 2006

Sobre arquitectura


O caminho que segue arquitectura em Portugal é preocupante. Não se consegue fazer boa arquitectura em Portugal.
O paradoxo existe quando, por outro lado, a arquitectura é uma disciplina cada vez mais mediatizada e influente. Ainda ontem ouvia no Ritornello um grande elogio a Siza.
Mas esta influência em vez de se centrar na qualidade e reconhecimento da boa obra arquitectónica desvia-se para a valorização da obra pela venda do nome do arquitecto.
Por isso convida-se Siza, Souto Moura, Llinás ou Chiperfield para conquistar mercados, já não só o português, mas o espanhol ou inglês. É ver todos os dias nos jornais as promoções de resortes, aldeamentos, empreendimentos imobiliários que no cartaz trazem em letra fosforescente nomes que duplicam e triplicam o valor real do objecto. Então, pode fazer arquitectura quem tem um nome fosforecente que garante mais valia económica e assim consegue impor um método, que implica trabalho, tempo e recursos para a execução, ou faz “arquitectura” quem se vende enveredando por caminhos que reduzem trabalho, tempo e recursos e conduzem a obras em que a imagem panfletária se enquadra nas receitas da sociedade de consumo. Estes segundos, praticam preços baixos, muito abaixo da tabela de honorários, minam o mercado com a concorrência desleal, envolvem-se em negócios imobiliários, fazem acordos com os construtores, destroem a profissão. Só que estes começam a ser a maioria e condicionam o mercado desvirtuando a arquitectura.
Quem faz bem, profissionalmente e gasta tempo e recursos a fazer um projecto de execução, mas não tem um nome que cubra o pagamento dos devidos e justos honorários, fica com o projecto guardado na gaveta, porque é caro, ou entra numa batalha desgastante que acaba muitas vezes nas secretarias dos tribunais.
A minha história construiu-se na celebração da arquitectura/construção. Na discussão do programa, na integração da obra no sítio, no respeito e diálogo com o cliente, no cuidado com o conforto, na batalha pela redução de custos… e assim continua na ligação que tenho à profissão em regime liberal e na Cultour. Entendo que o mundo mudou, mas tenho muito medo da revisão do 73/73. Não temos uma Ordem que nos defenda, tanto no controlo do ensino que se pratica como na defesa do exercício da prática profissional. Quem está também do outro lado, da instituição pública, teme necessariamente.
Não desistirei. Grandes arquitectos servem-me de referência. Eles continuam íntegros, exigem rigor, pagamento justo para um trabalho sério e empenhado e constroem para as pessoas viverem melhor. Eles foram Gigante, Melo, Távora e são ainda, Siza, Soutinho, Pedro Ramalho, Souto Moura, ….etc, etc, etc, e são ainda muitos os etc´s. São também mais novos, da minha geração e defendê-los-ei, custe o que custar.

1 comment:

Anonymous said...

Há uns anos atrás apareceram camisolas de algodão branco, próprias para o verão, onde se lia: “ a arquitectura comove-me!”, um paralelo que não fugiu totalmente do ultra kitch “I love ________” que também se inscrevia nalguns tóraxes que se expandiam próximo dos areais. Começou, então, a metamorfose, podemos agora dize-lo. Aliás, subitamente, os arquitectos passaram a ser personagens de telenovela, e num caso que recordo difusamente, julgo até que era uma das personagens centrais e conquistou um dos melhores actores do elenco. Note-se: nos últimos dez anos, o número de arquitectos passou de cerca de cinco mil para cerca de catorze mil. Não tarda, dar-se-á a revogação do 73/73. E depois? Ou eu estou muito enganado, ou com o grau de exigência disciplinar e deontológica outorgada por muitas faculdade-apeadeiro, não tardaremos a ver a prostituição dos outros ser a nossa, eficaz, dinâmica e rentável como nunca. O proxenetismo já não se consegue iludir. Há quem faça projectos em meia dúzia de dias mal medidos e com recurso a mão-de-obra mendiga, há quem tenha avenças com imobiliárias, há quem se divulgue pela caixa do correio, etc, etc. Bem me custa dize-lo, mas há quem da minha geração (existem excepções e são notáveis), e também da que começa a suceder-lhe, que enriquecem e exibem a sua vácua riqueza a uma velocidade alucinante e quase imparável. Nesta como noutras actividades, o lugar médio, i.e., o lugar de quem não está no topo mas também não está na esquina, começa a causar claustrofobia. Por isso só tenho a estimar as ajudas profissionais que vou recebendo ...


... de outro modo não tardaria a estar ao sol como um hipopotamo acontecendo!



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