Saturday, July 08, 2006

filosofias

Parece-me que…
Acho que …
Julgo que…
É sempre assim connosco, e nunca: É.
Porque explicamos tudo com base na intuição e na subjectividade e nunca procuramos a verdadeira razão para o que acontece. Ficamo-nos pela preguiça do “eu acho que…”
No trabalho pergunto muitas vezes: porquê? Quero dados, quero factos, mas depois é difícil encontrá-los. Não temos o trabalho organizado para os obter e por isso não podemos contabilizar, medir, para inverter processos, para corrigir.
Ouvia hoje, numa entrevista a Desidério Murcho, que a razão deste comportamento português se deve também a não termos um comportamento filosófico, entendido não como saber da história da filosofia, nas construir ideias, inovar, perguntar, criticar.
Ouvia também dizer que os países mais avançados na ciência e na filosofia não têm esta disciplina, a filosofia, integrada nos curriculum escolares. Dá que pensar. Dá para entender que esta é uma questão cultural, que nos atravessa e marca.
Dá para perceber que esta atitude não está em mudança.

3 comments:

Anonymous said...

O problema é que não está fácil ter certezas, para mais quando as convicções individuais, no modo organizacional actual, mesmo que prossigam até à mesa do diálogo, facilmente são formatadas pelos nexos corporativos da análise, entrando depois no regadio vago e vagaroso de uma planície consensual. Estamos, por deficiência de capacidade critica e medo “logístico”, viciados no consenso, consenso esse que é implícito ou mesmo apriorístico, e o debate do politico, do social, do económico, parecem iniciar-se apenas para confirmar conclusões de ontem, talvez não as mais vantajosas mas por certo as menos problemáticas. A parte mais larga do mundo que nos afecta está assim, i.e., parada. Á excepção da comunidade científica, por motivos e com condições muito próprias, só alguns sectores das letras que conseguem vir à janela do meio universitário falar para fora, parecem capazes de definir sem pudor o esvaziamento que perpassa este tempo. Bem se vê que a ciência politica ou a ciência social continuam a utilizar modelos analíticos e estratégicos que tiveram origem há quase cem anos e, não obstante sucessivas adaptações discursivas, aparentemente modernizadoras, estão em deficit e mantêm-se em perda perante o cociente dos acontecimentos. A Europa alarga-se geograficamente apesar de se manter encalhada e com a quilha a enferrujar desde a tragédia dos Balcãs, as Nações Unidas perderam totalmente a sua capacidade e credibilidade, e persistem sob a bandeira do seu inaudito esgotamento. Parece claro, cada vez mais claro, que o mundo não tem para onde ir assobiando para o lado. É por isso que esse exemplo do “eu acho que” sem certezas e nem sequer a caminho de se tornar convicto, paira como quando se espera de braços cruzados. Esse “achar” ou “julgar” que, na verdade, tal como se apresentam, querem sugerir ou mesmo inculcar um sentido letárgico, hipnótico de si mesmo e, se bem sucedido, ameno como uma longa paz de espírito. O homem que saiu do modernismo, não obstante diversas tentativas – curtas, diga-se! – não foi ainda capaz de encontrar, nem mesmo pela linguagem com que se encobre, uma via nova para o seu desígnio e, sejamos claros, tal só se ocorrerá depois das catarses que estão por fazer e uma delas, senão mesmo a primeira, é de natureza comunicacional, fortemente semântica, porque será dela a esperança no rastilho. Portanto, é preciso que consigamos dizer o inverso da página que tanto decoramos…

M

maria said...

Ainda bem que vieste... na mesma linha de Desidério Murcho. Há quase trinta anos, escrevia no meu relatório de estágio de final de curso, que o mais importante que a escola de belas artes ( de notar que eu não sou da Universidade do Porto) me tinha dado, era capacidade de estar. Com isto queria, já na altura dizer, capacidade de procura, de relacionar saberes, de encontrar caminhos, fazendo-os. Procuro educar os meus filhos sem certezas, mas não é isso que a escola, os média, a sociedade, fazem. A angústia de não saber o futuro, mata o presente, condiciona a vida.
Por isso me toca a atitude filosófica, de pôr sempre em questão, de deitar fora os óculos que nos põem para deformar a realidade: sejam o futebol, os cartões de crédito, a moda ou as férias no Brasil ou na República Dominicana.
Ainda bem que vieste, confirmar ou contestar preconceitos ou o "eu acho que"...
A minha vida é assim. A nossa também.

Anonymous said...

...de repente lembrei-me e fui buscar:

«Em diante. Dizer em diante. Ser dito em diante. Dalgum modo em diante. Até de modo nenhum em diante. Dito de modo nenhum em diante. Dizer por ser dito. Desdito. De ora em diante dizer por ser desdito.»

Pioravante marche de Samuel Beckett