No fim de semana passado fomos a Dessau, à Bauhaus. É aquela coisa que estudamos nos livros, à qual damos toda a importância. É o ínicio da minha profissão, é a revolução na profissão dos meus mais. A Bauhaus é um marco. Sabe bem poder andar nos corredores da escola. Sabe bem ver as varanda em que foram tiradas tantas fotografias. Sabe bem estar na sala do (meu mestre) Kandinsky e sabe bem entrar no quarto do (meu mestre) Klee. Sabe bem ir às bases, mesmo que ainda seja um modernismo confuso, um modernismo de papel, concretizado em casas modelo. Sabe bem ver aquelas cores deles tornarem-se o meu parque infantil. E, sabe bem, depois disto, deitar o olho, no Domingo, ao Corbusier. O expoente, o mestre, o maior.
Entrar dentro para ver por fora. Entrar no interior para ver o exterior. Entrar para ver tudo - o dentro e o fora. Entrar poeticamente para encontrar o essencial. Olhar poeticamente para ver a alma.Entrar conduzido para não profanar. Educar os olhos da alma. Entrar...
Pelos vistos ontem perdi um concerto magnífico! Escolhas...ontem tive um dia magnífico que se prolongou pelo hoje... apesar da chuva. Parece impossível! Akademie für Alte Musik Berlin - para mim óptimo. Música celestial... e depois em Berlin está uma quarta parte de mim.
Quando há muitas possibilidades de escolha a nossa liberdade prolonga-se até ao infinito. Pode ser livre quem tem fome? Pode ser livre quem tem que transpor "o muro" para chegar ao outro lado? Pode ser livre quem percorre as estradas da morte? pode ser livre quem só tem um caminho? Acabei de ler Palestina. Passado na Cisjordânia.Onde ainda "o muro" não caiu. Lá, a liberdade está na decisão sobre a nossa própria morte. Ela será a única liberdade - ou talvez a Liberdade!
Voltei à Casa já há algum tempo. O ciclo à Volta do Barroco contínua a ser retemperante. Ontem e hoje, dois concertos muito bons. Rever Andreas Steir e ver Daniel Sepec. Com eles mergulhar no fim do séc. XVIII e perceber outros sons que, relidos com alma de hoje, elevam a vida. Do outro lado, deste lado e neste tempo, as coisas não são tão boas. Hoje levei a minha mãe e quando regressávamos falamos de tristezas. Talvez a gente só herde o lado bom do final do século XVIII. Assim seja, o que dói, o que fere, o que soterra, fica nas trevas do tempo. Será que os meus filhos só vão recordar de 2009 o que é bom?
Como parte interessada...e não só! Porque acredito que esta visita vai ser inesquecível, procurem em www.cultour.com.pt. Se não garantirmos 30 inscrições a viagem não se realiza.
Será que há alguma coisa em comum nas pessoas com os mesmos gostos musicais? Pergunto-me. O que é certo é que, às vezes como agora, ouço alguém falar das suas preferências, e elas aparecem, umas atrás de outras, como as contas de um rosário que eu também rezo.
Nós, os portugueses, somos os melhores. Não será preciso evocar Siza e Saramago para perceber que somos os melhores, dos melhores. Mas Siza, para além de ser (um) O melhor arquitecto do mundo, mantém uma atitude exemplar: continua a ser o que sempre foi, a respeitar, a perceber que o que o distingue é o trabalho, o seu trabalho. Saramago, está "chéché" ou então procura qualquer evidência para se destacar. Se não vende os seus livros pelo valor intrínseco, faz declarações polémicas, vende porque provoca! ainda bem que sou arquitecta e que sempre fui imune a Saramgo(s!
Hoje ao jantar recordamos... a história de um homem singular que está por contar. Artista plástico, excepcionalmente dotado, que estabeleceu conceitos, que pintou, que esculpiu, que fez cerâmica, que foi pedagogo, que criou os filhos num ambiente fértil de imagens, de texturas, de histórias, de brincadeiras feitas de improviso e de factos. Acreditou. Construiu uma fábrica de cerâmica, a DEVICA, que produziu grês utilitário de sucesso, especialmente inspirado nos países nórdicos, com operários locais com o saber tradicional. Barcelos, Viana. Também eu usufrui da parte final desta experiência. A Joana colheu a infância entre as peças, os cacos, o António rodista. Seremos capazes de honrar a herança?
Este foi o stand the book crossing com que me cruzei hoje aqui em Berlim. Acho-o maravilhoso. Só não tinha livros em português ou inglês.
Noutra nota: eu vou ter de ensinar o meu país a votar, é? Quando não ganha um corrupto, ganha um bronco. Lá vai o Porto mais quatro anos. Pobres, velhos, destruídos, sem esperança, sem rumo. A esperança que existia vem para o meu lado, que de Berlim a Bruxelas é um salto. Daqui a quatro anos volto a ponderar deixar de ser emigrante. Que vergonha, que tristeza.
Sinto, com cada vez mais premência, que já não tenho idade para correr atrás do tempo. Para encher de factos, acontecimentos, actividades o tempo que se esgota como a areia que descai na passagem estreita e discreta da ampulheta. Prefiro antes conquistar o tempo ao tempo para calmamente ver a areia a cair. Quando como hoje, felizmente, tenho a oportunidade de ir até ao interior de Portugal, se se pode chamar interior a 100 km de distância da costa, sinto que a vida, somatório de tempo percorrido, faz outro sentido. Apesar da globalidade, que se traduz em conectividade de qualquer com qualquer parte do mundo, existe realmente um modo mais verdadeiro de viver, no qual a contagem do tempo, deixa de ter, ou pelo menos, tem outro sentido. Porque desafiamos o tempo nas correrias que empreendemos nas cidades? Será que ainda não entendemos que Einstein tinha razão - que a velocidade encurta o tempo?
Percebi. Achei bem: música, imagem, texto, representação,movimento, tudo a uma só voz. Voz, canto ou dito. O discurso era o canto, ou era o dito, ou era a imagem, ou era o movimento? Era tudo. Mas fez-me lembrar a célebre resposta de Fernando Távora a Nuno Portas: "Percebo tudo. Mas é tão feio!" No caso presente eu exclamo: "Percebo tudo, mas é uma seca."
Wednesday, September 23, 2009
Em Berlim tudo bem. Escrevo enquanto a mãe não vem ao skype. O trabalho é puxado mas a rotina começa a chegar e vou ficando mais e mais habituada. Superei alguns medos já: abri programas que nunca tinha aberto, arranhei umas três palavras em alemão, começo a andar sem mapa. As semanas passam rápido, os fins de semana a correr. Fui ver a Meryl no Domingo passado (o filme ainda não estreou aí) e saí de lá feliz. Hoje escapei-me mais cedo do trabalho e fiz a ronda a umas lojas e galerias. Gastei 8.54 euros no supermercado e até enchi a prateleira. Daqui a pouco devo ver o Arrested Development, que a Mafalda me gravou antes de vir para cá, e prometo-vos, em breve, começar a desbobinar as manias alemãs. Até amanhã, ou assim.
Quando, há muitos anos, passávamos grande parte do verão em Melcões o calor via-se no ar: os contornos da aldeia tremiam quando passavam pelo filtro do ar quente. O meu avô Francisco, de barriga proeminente, camisa arregaçada e calças subidas suspensas em suspensórios, sentava-se no alpendre à espera da "fresquinha das três". Às três da tarde, invariavelmente, corria uma brisa que refrescava o corpo ... e a alma. Confirmámo-lo nós também os netos que, eram obrigados a fazer a sesta para dormir! Enganávamos as horas a contar os pregos do tecto de ripas de madeira. Hoje o "tecto" baixou. O céu está perto. O céu está azul débil. Estamos fechados no tempo e no espaço... desta casa em Setembro do dito ano de 2009. Às três horas correu a fresquinha da tarde.
As moscas andam malucas. Jean Daniel dizia agora, em entrevista dada a Mário Soares, Sarkosy "rouba as nossas palavras mas não aplica as nossas ideias". Ladrões de palavras, tantos...
Preparo as aulas que irei começar em breve. A bibliografia é um capítulo. Ando às voltas com os livros que me vêm à memória e com outros que os autores que leio referenciam. O que leio nunca me satisfaz pelo todo. São sempre partes, experiências pessoais e limitadas, que se conceptualizam em ideias. Penso: o conhecimento total, que nos leva à ideia total, não existe. Por isso, tudo o que leio advém da teorização/reflexão/conceptualização sobre a limitada experiência e conhecimento humanos, de quem os produz. Assim o mais relevante para a teorização é a experiência, o conhecimento empírico, transformado em conceito. Quanto maior for a nossa experiência mais completo será o nosso conceito, mais sintética será a nossa reflexão. Com sintética refiro a complexa e condensada - simples. Deduzo: mais importante para a produção do conceito é o método e não a experiência/ conhecimento. Se tivermos um método um modo estruturado de pensamento o resultado será sempre um conceito interessante e diferente, quanto o são as nossas histórias e contextos. Concluo que o importante na biografia que irei utilizar é a diversidade de abordagens, o relato de experiências, matéria sobre cada qual deverá refletir para produzir os alicerces necessários à criação.
Acabei ontem, hoje, pelas quatro da manhã "O Templo Dourado". Há um ano lia "O retrato de Dorian Grey". "O Templo Dourado" fez-me lembrar "O Retrato de Dorian Grey". " Do ponto de vista do conhecimento a Beleza não é nunca um consolo. Pode ser uma mulher, pode ser uma esposa, não é nunca um consolo. Porém, do casamento do conhecimento com essa Beleza que não é um consolo, alguma coisa nasce. Algo de efémero, semelhante a uma bolha, contra o qual não podemos fazer absolutamente nada. Sim, algo nasce; e é aquilo a que as pessoas chamam ARTE." Pág. 192 Hoje levei para a praia o livro e reli passagens, sob o céu cinzento que o mar absorvia todo. Mergulhei no mar, no céu e na terra, na água. Aliei conhecimento e beleza - fiquei reduzida a uma alga que se enreda no mar.
Como sempre ouvia a antena 2. Fiquei no parque de estacionamento até que... " Vida intensa e breve - pensou a lebre saltando sobre as ervas do mundo" assim ouvi o poema de José Agostinho Baptista. Não sei a métrica, ouvi-a deste modo e responderam-me duas das três pessoas a quem o mandei. A mensagem de uma não divulgo por descrição, a de outra divulgo: " Caem os sonhos um a um e o sangue estremece. Caem e ficam no chão De quem os morde e os esquece.
Farto da seiva, do dia amadurece." Eugénio de Andrade
Um dos tais momentos em que o tempo se dilata até ao infinito!
Quando a teia se aperta constrói um tecido. Às vezes a teia deve ser larga. É bom que o seja. Cada ponto, cada entidade vagueia na teia, vê-a, deriva, dança... quando está a cair a teia aperta e a entidade agarra-se a um nó. A teia alarga, a entidade é livre, descai controladamente. Há sempre um nó por perto. A teia construímo-la e constrói-se, por si só, sem darmos conta. A teia é mais real que a entidade. A teia existe......................a entidade volatiliza-se!
Isto complica-se. O sol aperta. finalmente o calor de verão apela a outros hábitos...de férias! Hoje, depois de um daqueles imponderáveis a que todos, os vivos, estamos sujeitos, fui passear pela Avenida - Espaço T. Gostei. Gostei da ideia, gostei de algumas das personalizações, sobretudo as mais conceptuais. Nomes conhecidos, desconhecidos, mas nomes. Personagens, o mais interessante é que sejam indiferentes, multi, como agora se usa, multidão. são tantos que a imagem que fica é a de tantos, apenas e somente. Nos hiatos do dia lembrava-me do meu Tio.Da dignidade que sempre representou ( representar, até parece que era teatro!) mas não! Representou no sentido de referência. O meu tio que na festa dos cinquenta anos de casamento disse a diferença: Não te amo porque preciso de ti. Preciso de ti porque te amo. Hoje a minha tia, uma Senhora, suspirava e dizia " Não era isto que eu queria!" Ninguém deseja a morte dos que se amam.
“ Não faço a mínima ideia!” respondi eu; e tentei descobrir quais as razões que me levavam a sentir tanta satisfação em semear a dúvida no espírito das pessoas. Para mim, pelo menos, não existia sombra de dúvida; o caso era claríssimo: os meus sentimentos também tinham o seu gaguejar! Havia sempre uma diferença temporal entre o facto e eles. Consequentemente, havia de um lado a morte de meu pai e do outro a minha tristeza, nitidamente separados, isolados, sem a mínima interferência. O mais pequeno desvio, o mais leve atraso e, infalivelmente, o facto e a reacção afectiva seriam separados, o que em mim é provavelmente um estado fundamental. O desgosto que sinto, quando existe desgosto, cai-me em cima sem dizer “água vai!” e sem razão; é totalmente independente de um acontecimento ou de qualquer causa.” O templo Dourado; Yukio Mishima; Assírio e Alvim; pág.39/40 Vagueio nos espaços entre Musil e Mishima, apesar de tudo a todas as horas.
Quando todos os outros foram, estão ou vão de férias, refugio-me na ideia deque as minhas férias serão as dos outros! Complicado, muito complicado. Perspectivava uma semana em cidade da europa, à deriva lá para Outubro. Parece que não. Tudo se conjuga para me manter presa aqui pelo menos até Fevereiro de 2010. Fugas: aproveitar ao máximo os fins de semana para banhos de mar; não faltar às aulas de yoga; guardar o máximo de tempo para ler ficção; encontrar espaços dentro do tempo. Hoje estive meia hora dentro do carro com o livro na mão e com os ouvidos na música entrecortada por Ruy Belo: "À margem da Alegria" dedicado a Pedro e Inês. Será que este blog continuará a ter lugar?
1. É preciso manter presente esta informação para não corrermos riscos desnecessários. E toca de continuar com a vidinha.
2. É um belo exemplo do design gráfico ao serviços da informação. O Público tem vindo a investir muito em infografias e informação estilizada que forneçam ao leitor uma ideia rápida e eficaz, assim como interessante, do assunto que este lê.
E passo a citar o quarto comentário acerca deste artigo, feito por João Pedro Lopes: Embora seja recorrente dizer-se que não se entende porque é Elisa Ferreira candidata a dois lugares, incompatíveis entre si. Ora sendo a tomada de posse dos eurodeputados a 13 de Julho, seguido de um período de inactividade parlamentar e assumindo funções, de forma mais intensa, em Setembro, é natural que Elisa Ferreira diga que só vai assinar. Entendi, confesso, como sinal de convicção e força. Se a ideia fosse enganar os eleitores, a candidatura à câmara do Porto seria feita depois de dia 7 de Junho, falta já muito pouco. Mas não.
Pôr-se-ia a questão de porquê então ser candidata ao Parlamento Europeu se está tão convencida da vitória no Porto. Não me cabendo a mim fazê-lo, eu tenho uma certeza, o Parlamento Europeu beneficia muito de deputados portugueses com a qualidade de Elisa Ferreira. Se Elisa não for Presidente da autarquia, inegavelmente, Portugal estará bem representado em Bruxelas e isto só era possível de uma forma: garantir aos portugueses que ela seria Eurodeputada na eventualidade de não presidir à autarquia portuense. O mesmo se passa com Ana Gomes. O Parlamento precisa destas pessoas ainda que possam agora ter optado por funções autarcas.
Mas os ataques ou críticas parecem estar apenas dirigidos a Elisa Ferreira. Mas será caso único? O que fez, tem feito e irá fazer Ilda Figueiredo? Não foi e não é ela cabeça de lista da CDU à Câmara de Gaia e igualmente ao PE? E porque não se fala?
Não se fala simplesmente porque são candidaturas, com todo respeito, inofensivas. Já a de Elisa Ferreira… em Outubro saberemos.
Não sei o que será da vida nos próximos meses (estou à espera de novos desenvolvimentos no que toca a estrangeiro, empresas que se montam, etc. - ESPEREM, ISTO TAMBÉM É UMA DUPLA CANDIDATURA!) e por isso ainda não me meti mais a fundo nisto. O Porto preocupa-me, por ser a cidade onde me vivo mais, apesar de ter a casa sediada na Maia e aqui votar. O Porto preocupa-me porque depois de tantos anos de Rui Rio as pessoas continuam a não correr com o senhor e a não perceberem como ele rasga as feridas há muito a estalar. A nossa cidade sangra enquanto o senhor tapa os olhos e não toca em feridas de tamanho tamanho, como o bairro do Aleixo ou a população envelhecida, ou uma cidade todos os dias mais pequena, com menos população activa e moradora.
Sou apoiante de Elisa Ferreira, não temo dizê-lo. É mulher e sabe o que faz, tem currículo, tem ideias, tem uma rede completa de pessoas que sabem, tem postura e tem, acima de tudo, vontade. E não me venham com a história da dupla candidatura como sintoma de falta dessa vontade, porque, meus amigos, acho que o que estão a fazer é a deixarem que vos turvem os olhos (aliás como podem confirmar no final desta entrevista para o Jornal Nacional). O que tenho visto é Elisa Ferreira a tentar bordar um plano para o Porto tendo em conta os cidadãos, ouvindo-os, deixando que sejam parte activa do processo, convidando-os para conversas e trocas de opiniões. E só não vê quem foca os olhos na comunicação social, quem cede a sensasionalismo, quem não sabe ir ao sítio buscar a informação que realmente importa.
Será possível fazermos política de forma clara e directa? Sem questionarmos coisas como a disponibilidade e vontade das pessoas? Se não quisessem mesmo, estariam a desgatar-se com estas coisas? Eu digo que não, mas quem sou eu.
Outro favor, lembrem-se que, quando votam para as autárquicas, estão a escolher as pessoas para a cidade. Bem sei que todos temos vontade de dar uma lição ao Sócrates mas cada coisa é uma coisa e, com essas asneiras, podemos acabar com mais quatro anos de corridas de carros na Boavista ou com casinos em Lisboa. Separar as coisas, como na reciclagem.
Ah, e o vídeo que está ali em cima é só porque se fala do Aleixo. O senhor Rui Rio tem alguma coisa a dizer sobre o bairro? É que ainda não ouvi nada.
(Para seguir o Porto Para Todos o melhor é fazer umas visitas semanais a estes sítios: twitter, portoparatodos, youtube. É o que faço, pelo menos.)
Queria lê-lo. Comprei-o na Feira do Livro do Porto. Deu-me imenso prazer. Ao lê-lo lembrei-me de Clarice Lispector, Tomasio Lampedusa, Sophia ( para não falar dos recorrentes Eça ou Camilo que os franceses conheço mal). mar, terra, gente, gente do mar, gente mar, cucumaria abyssorum. Foi-me um pouco difícil entrar, porque entrei pela janela. Mas à medida que o apanhei, ou me deixei apanhar, percebi (me). Aquela capacidade de ao mesmo tempo ser personagem e espectador, ser actor e dilactor, dissonâncias que encontram contraponto e morrem no âmago da maré. Excelentemente escrito. Nunca, puras descrições, me deram tanto prazer. Excelentemente inscrito no contraciclo da vida. Prolonguei uma semana o final da leitura e revolte-ei-o já muitas outras vezes. Muito bom e fez-me muito BEM.
Às dezoito e quinze estava preparada para sair de casa. Tinha adiantado o jantar, posto os tachos em cima do fogão, tudo temperado e medido, para à hora aprazada ligar o lume e comer pelas 9 horas. Às dezoito e quinze saí, entrei no carro e dei à chave e o carro fez "Clic", começou a produzir um som tipo bomba relógio e tudo apagado nos painéis de controlo. Ligo à oficina (estava a fechar) ligo ao seguro de assistência em viagem. Eficientes e simpáticos. Passados 40 minutos , depois de três telefonemas a confirmar o local e maneira de cá chegar, o reboque põe-se apitar. Saí, o condutor: tshirt caviada, moreno à trolha, bigode, barriga assinalável, faz festas à cadela e entra em acção. Abre o capôt, desata ao murro e à marretada para chegar à bateria. " D. Maria, porque é que vai à garagem da marca? Vá ao Parque Nascente, são especialistas, é mais barato e mais rápido. Eu já sei como eles são, fazem isto assim que é para irem à marca. Eu até os entendo. Tem que fazer pela vida." Puxa de bateria, liga os cabos: " D. Maria, vá lá para dentro, ligue o carro. Já dá sinal!" Desliga o cabo e fica tudo na mesma. " Se fosse ao parque nascente, ficava já com tudo resolvido. Desculpe, eu estou só a ajudar". E lá fui no reboque para o Parque Nascente. Pelo caminho ficou apreensivo: " E se não é da bateria? Eu não sou especialista, o que aprendi foi no dia a dia. Chegamos e ele foi directo ao funcionário e disse " Trate bem esta senhora!". Assinei os papéis do transporte e desapareceu. Quarenta minutos depois saí com uma bateria nova e com a minha querida autonomia para garantir as minhas semi-férias!
Na "Última Edição" de Luís Caetano em entrevista a Hector Abad Facilione desenvolveram-se duas ideias fascinantes: a primeira vem do título do livro que por sua vez decorre do primeiro verso de um poema de Jorge Luís Borges - Somos o esquecimento que seremos. A segunda a esta ligada: as palavras são como a água que se põe nas flores - não evita mas atrasa a morte.
Quem sabe destes prazeres? Dois banhos de mar, muito sol, daquele que arde no corpo. Quatro humanos e uma cadela deliciosa e um gato “em convalescença”. Cada qual por si, cada qual olha por si, olha para si, cada qual olha para os outros pelo “canto do olho”. Cada qual…. Música barroca, Albinoni. Perspectiva-se uma tarde de trabalho. Deste modo – pouco importa!
A minha paixão actual. Devoro as linhas e as palavras. Anseio por uns dias de férias bem passados, egoistamente passados até à última das 843 páginas... e o segundo volume já está à espera!
Como é possível num almoço de trabalho, do mais alto nível, falar-se de lealdade e de fidelidade? A teia quebrou-se. O sorriso preciso dos homens cúmplices foi devassado ... pelas mulheres. Percebemos o olhar, o sorriso. Lealdade é um valor. Fidelidade é uma virtude, presa a preconceitos e a medos. Será que eles, os homens cúmplices, perceberam? Ou estavam apenas a fazer bluf?
A acção localiza-se no Vale do Ave, durante a segunda grande guerra. Os temas desenvolvem-se a partir do Vale do Ave, da actividade fabril a que se alia a agricultura de subsistência, a incipiente resistência operária com referência ao comunismo, a polícia política, a medicina no trabalho, o contrabando do café, tabaco e depois do volfrâmio, as diferentes perspectivas do desenvolvimento industrial e do posicionamento político de Portugal na europa. As personagens são bem caracterizadas, a acção desenvolve-se com desenvoltura embora por vezes denote algum desequilíbrio nos tempos de acção: em determinados momentos ficamos a pensar – como é que já estamos aqui?- e então voltando um bocadinho atrás, e percebemos que em duas linhas se muda complemente a acção, mesmo no espaço e no tempo. Os contextos são bem descritos, percebendo-se a formação em medicina do autor, a sua reflexão sobre o comportamento humano, o conhecimento sobre o modo de produção industrial e sobre a organização social da época. Pena é que falte a este romance o mais fácil: revisão. Tanto sob ponto de vista conceptual, como sob ponto de vista ortográfico e editorial, existem muitas gralhas, erros, confusões: trocam-se nomes de personagens, escreve-se muitas vezes à e às com acento agudo, contrato com c antes do t serrada em vez de cerrada, para além de algumas gralhas tipográficas.
Ouço o concerto em sol maior de Ravel, tocado por Pascal Rogé. Ganhei coragem após ter ouvido a interpretação de Sequeira Costa na sexta-feira na Casa da Música. A diferença virá da interpretação, da gravação? Porque é que lá as notas não tinham luz? Porque é que lá as notas não tinham espaço? Porque é que lá as notas não engordavam como bolas de sabão para, elevando-se no ar, rebentarem, visíveis aos nossos olhos fechados? Porque é que lá o piano não torna imensa a flauta, o oboé não é a cama do piano, as cordas não são o transporte para a elevação? Não se pense que não gostei. Também me parece que deve ser difícil ao vivo encontrar a mesma interpretação que em CD, mesmo que seja interpretada pela Orquestra de Montreal e por Pascal Rogé. Segundo o meu sentimento a diferença vem sobretudo do tempo, subtil, não mensurável apenas sensível, nas mãos do pianista e no meu coração. Encerrarei a maratona Sequeira Costa hoje com o belíssimo concerto para piano de Edward Grieg.
Alguma coisa vai mal na nossa arte. Entro nas galerias e saio e pouco ou nada trago, esqueço logo de seguida. Não sabem desenhar, não sabem pintar, não sabem fotografar e ainda por cima não têm (ou não conseguem) nada para dizer: não há conceito. Assim me senti hoje em Miguel Bombarda. Claro que há excepções e gostei muito de: Noé Sendas - fotografia manipulada. Depois fazem sentido outras coisas que se encontram perdidas no tempo ou no espaço: Ângelo de Sousa de 1968, uma pintura de José Pedro Croft, alguns trabalhos de João Paulo Feliciano, uma fotografia de João Tabarra, duas esculturas de Francisco Tropa ... A terminar dois nomes com um trabalho ilustrativo interessante: Raúl Pérez e Fernando Dôres.
Magnífico o mar, o banho solitário. O regresso e a Polka, numa casa a acordar, ainda houve tempo para fazer o almoço e almoçar, às 15.00horas. Logo: às 18.00 Haydn na Casa da Música e depois, anos para celebrar. A terminar o fim de semana, A Certain Ratio em Serralves, às 23.00horas ( memória de Vilar de Mouros em 83(? talvez). Nada mais. Tudo.
Inaugurado o ciclo de sábados com calor, roupas leves, música condizer (suponho que Haydn, na antena 2), cadelas a dormir à sombra, comidas leves, corpo sereno e muito trabalho. Bem vindo - ante-verão!
Detesto vendas de produtos pelo telefone. Detesto Call Centers. Sinto-me insegura, aldrabada. Já estava à espera do telefonema da PT por causa do MEO. Aguentei porque preciso de alterar o sistema de tv por cabo cá de casa. Mas rabujei muito, fiz perguntas, discuti ... e acedi à campanha renitentemente. À pergunta, pode ligar-me daqui por uns minutos responde-me o interlocutor, não esta é a última oportunidade e o último dia, a chamada cai e não volta a ser contactada. E já foi contactada três vezes. Não, isso é que não fui. É porque não atendeu o telefone. Mas eu não sei se o equipamento que tenho em casa dá! Então peça assistência técnica que são só mais vinte e cinco euros. E se depois não der? Não assina o contrato. Mas depois debitam-me na mesma. Não. Sim que eu já sei como é, porque já me aconteceu debitarem-me serviços e activarem serviços sem eu autorizar e utilizar. Não vai acontecer. Isso é que vamos ver. Vou passar ao meu colega para marcar a assistência. Diga o número de contribuinte, diga o número de BI, confere. Então vamos marcar. Mas eu tenho medo que não dê certo. Mas porquê?Porque não gosto das coisas assim, de me comprometer sem saber em quê. Mas estou aqui para a esclarecer, têm alguma dúvida. Não, a dúvida que eu tenho é que não de tratar tudo pelo telefone. Bem, está bem, espero que não dê mau resultado. No sábado vem o homem da assistência e o contrato, de certeza imenso e com uma letra tão miudinha que eu não vou conseguir ler. E a saga continuará...
Achei muito interessante o modo como está organizada a exposição Formas e Energias - Colecção de Arte Africana de Eduardo Nery, patente até 30 de Junho no Pátio da Galé, Terreiro do Paço. De passagem por Lisboa e seguindo conselhos avisados, mergulhei no escuro de um espaço reorganizado para acolher esta colecção. Passei da luz ao escuro, dos espaços e das formas. Agrupadas ao sabor dos olhos de um artista ocidental, deixamos para trás o seu valor cultural, histórico e etnográfico, para nos concentrarmos no significado das suas formas. Formas negras, formas luminosas, formas depuradas, formas de sentido extrapolado, exageradas, formas realistas e elegantemente funcionais. Por isso, um certo desapontamento que senti ao perceber que as peças não estavam datadas, deixou de fazer sentido, porque a exposição assenta na matriz intemporal do significado da forma.
Hoje, nas minhas andanças diárias, vi uma mulher com uma trouxa à cabeça. Comentário do jovem que me acompanhava: "Esta é que é maluca! Andar com uma coisa à cabeça!" Para mim ainda é comum, porque estabelece continuidade com a minha infância: as mulheres transportavam as cargas à cabeça e os homens às costas: porque é que os homens não transportam sacos à cabeça e as mulheres não transportam as cargas às costas? Não sei bem a resposta. Intuo que será uma questão de peso. Os homens transportavam mais peso do que as mulheres e não será fácil andar com muito peso à cabeça. Mas assim era. As mulheres faziam uma rodilha com um pano que punham no "cucuruto" da cabeça e depois instalavam a carga. Mantêm o equilíbrio e andam com as mãos soltas. É uma posição muito natural e distribuem a carga por todo o corpo. Também as peixeiras traziam assim as canastras. Lembro-me bem da nossa peixeira, a Sr.ª Olindina. Chegava pelo meio da manhã. Pousava a canastra e destapava-a tirando o pano molhado que ajudava a manter o peixe fresco. Este estava acamado, com folhas de fetos no fundo, e cubos de gelo que se iam desfazendo com o calor. O pano era passado por água fresca nas casas onde passava. Ao sábado vinha outra senhora que trazia tremoços, azeitonas e caramilos. Era uma festa lá em casa!
... e morreu Vasco Granja. Soube hoje que era dele a expressão "banda desenhada". E era dele a memória que tenho de desenhos animados indescritíveis, memoráveis, inovadores... Era dele aquele sorriso puro e infantil, sabedor---------que nos transportou para mundos insondáveis. À sua memória uma homenagem!
Comemoro vinte e cinco anos de qualquer coisa indizível. Qualquer coisa cheia de significado, cheia de memória, de encontros de choros e de risos.............cheia de coincidências. Sem querer comemorar, comemorei da melhor maneira. Sem preparar aconteceu: as pessoas queridas entraram porque vieram ou porque as chamei. Tudo correu sem percalços na comemoração destes vinte e cinco anos. DE...
Assistimos ontem a Gruppen de Karlheinz Stockausen no parque de estacionamento da Casa da Música. Três orquestras, três maestros, muitos músicos e uma plateia cheia de pessoas cata-ventos para a colherem os diferentes sons que apareciam de todos os lados. Com uma regra, para nós leigos, incompreensível mas audível, seguramente com uma regra vinda do tempo. Comentavamos à saída que, quanto mais se houve música contemporânea, mais se gosta e mais se ganha em profundiadde e consistência. Foi pena durar pouco mas a peça á assim mesmo...e só pode ser experimentada quando ouvida ao vivo. Tivemos sorte!
Ontem ao ouvir uma entrevista com---- a propósito do dia mundial da dança, percebi que o verdadeiro significado de tolerância pode ser perverso - eu tolero, eu exterior olho para os outros e dou-lhes o benefício da tolerância. Eu magnânimo, sou suficientemente seguro de mim, para aceitar a diferença do outro. Eu sou convencido, culto, superior, maior, melhor, EU porque não me misturo, tolero!
Lá fez muito mais sentido: as pedras à proa, os vinhedos sem fim, a plenitude da natureza e o rosmaninho esplendoroso "e cada hora a mais gasta no caminho"
A propósito de Darwin deambulamos pelos jardins da Gulbenkian. Os Jardins da Gulbenkian são outro dos espaços democráticos, abertos ao público que lá quer ir, que nos transportam para um mundo melhor, muito melhor. Comentávamos que jardins e edifício são um todo, se interligam sem dialogar: o diálogo pressupõe a existência de duas entidades. Aqui passamos do interior ao exterior e do exterior ao interior sem passagem - quando estamos num já estamos noutro. Espaço de boa arquitectura, do que de melhor se fez na década de sessenta ( foi inaugurado em 1969) usando as melhores técnicas construtivas e tecnologias, é sinónimo da qualidade da arquitectura portuguesa. Pouco valorizado pela comunidade disciplinar vem, com o passar dos anos, conquistando o seu devido lugar na história da arquitectura portuguesa. Projectada por Alberto Pessoa, Pedro Cid e Rui Athougia com jardins de Gonçalo Ribeiro Teles.
Como é possível dizer que as declarações do papa acerca do preservativo foram boas porque levaram as pessoas a reflectir sobre o maior pecado do século XX: a liberalização do sexo! Foi-me contado ao almoço de domingo como reprodução de declarações de um padre na homilia dominical.
É assim mesmo, uma caixa preta e branca! Julgo que a primeira gravação dirigida por Britten e interpretada por Galina Vishnevskaya, Peter Pears, Dietrich Fischer-Dieskau, The Bach Choir and the London Symphnony Orchestra Chorus, Highgate School Choir, Melos Ensemble e London Symphony Orchestra. "Whatever shares / The eternal reciprocity of tears" " Let us sleep now..."
Fomos cair à Casa da Música sem nos lembrarmos que era o concerto do quarto aniversário da Casa. Portanto tudo o que é gente fina, capa de revista ou político em ascensão ou em retenção, lá estava... se era para ouvir o requiem ou se era para (----) não sabemos. Certo é que as tosses, os telemóveis, os tacões, ontem se fizeram ouvir como nunca anteriormente! O Requiem de Guerra - ícone da minha meninice - recordo-o vinil, nos anos sessenta na casa dos meus pais - era do meu pai! Recordo a capa, julgo que era vermelha, cor de laranja, castanha? logo a procurarei. Beijamin Britten, nome familiar, aliado a este requiem, a Peter Grimes, a ópera ensaida por métodos inovadores junto de comunidades educativas, ou a Peter Pears, o tenor e o amante (não com sentido deperciativo, mas como amador - aquele que ama). Ontem o Requiem voltou à minha convivência, depois de tantos anos. E voltou em pleno. Gostei especialmente dos coros - Huddersfield Choral Society e Coro infantil do Círculo Portuense de Ópera. Sublimes no uníssono e na atmosfera... e depois é muito bom o Porto ter uma orquestra que se dispõe a produzir este Requiem. É muito bom ter uma boa orquestra.
Estas incursões que fiz pela Ciência através de Science: what else?, conferências com cientistas, teóricos e pensadores que a Universidade do Porto ofereceu aos habitantes fizeram-me lembrar este video de Charles e Ray Eames. Em três dias andei pelo espaço (out), pela genética e biologia sintética (in) e pela a utopia (all) em todas elas. E agora sim, sinto-me ter uma visão mais larga, um entendimento mais aberto, sinto-me ter este vídeo dos Eames nos olhos. Obrigada.
“Em Outubro passado eu ia de automóvel para norte de Boston. O céu estava tão azul que cegava, e a estrada atravessava uma zona de floresta. As folhas dos bordos estavam vermelhas, não de um vermelho ferrugem, mas cor de fogo. O ar cheirava a árvores e a mar e era como se o mundo tivesse acabado de nascer. Cada lufada de ar era como um trago de whisky puro. Tive de parar o automóvel. Era como se o meu corpo cantasse. E a maneira de andar das americanas…Não sei estão a ver, mas é como se o vento as empurrasse pela popa.” “Anno Domini”; George Steiner; Edição Gradiva; Pág 196
Íamos só tentar comprar um caderno mas fomos surpreendidos pela exposição de Ana Fernandes. A própria lá estava sentada quando entrámos e, depois de dedo e meio de conversa, lá rodámos a sala. De nome Memórias, pelas paredes reconhecemos o humanizar dos objectos e das lembranças. Tudo cheio de um humor sincero e quotidiano. Sinceridade é o que transborda. E humildade. A ver. A ver e sorrir.
Por cá já se twitta. Agora vou ver o gato, que apareceu com um pata magoada. Não sei se não estará partida. Amanhã será dia de veterinário. Isto parece uma entrada do Twitter.
nota: fomos ver o Gran Torino, escreverei em breve.
Ao ler o Expresso, caderno Actual, dei com este poema de Sophia. Como ela me interpreta com exactidão. Tão exacta que quase descarto o meu desacerto: sempre será possível a sintonia com alguém!
Escorraçadas do pecado e do sagrado habitam agora a mais íntima humildade do quotidiano. São torneira que se estraga atraso de autocarro sopa que transborda da panela caneta que se perde aspirador que não aspira táxi que não há recibo extraviado empurrão cotevelada espera burocrático desvario
Sem clamor sem olhar sem cabelos eriçados de serpentes com as meticulosas mãos do dia-a-dia elas nos desfiam
Elas são a peculiar maravilha do mundo moderno sem rosto e sem máscara sem nome e sem sopro são as hidras de mil cabeças da eficácia que se avaria
Já não perseguem sacrílegos e parricidas preferem vítimas inocentes que de forma nenhuma as provocaram por elas o dia perde os seus longos planos lisos seu sumo de fruta sua fragrância de flor seu marinho alvoroço eo tempo é transformado em tarefa e pressa a contratempo.
(não sei se está bem transcrito porque é transcrição de transcrição)
Será este o poeta homenageado na edição deste ano da Poesia Está na Rua em Santo Tirso - Salão Nobre da Câmara Municipal, sexta-feira 20, às 21.30 horas.
Porque é que somos pouco rigorosos? Porque é que não sabemos gerir? Porque é que preferimos enterrar a cabeça na areia em vez de encararmos de frente as situações? Buracos financeiros, desfalques, falências, aproveitamentos, insolvências... Este mundo angustia-me e mais ainda ao pensar que esta falta de seriedade é endógena! Os portugueses são assim.
De outro modo também me senti em casa. Todos os que vivem com outro estão muitas vezes muito perto da perfeição e muitas vezes muito perto da desagregação, da falta de respeito, da ruptura. O passo do amor ao ódio é demasiado próximo e o da integração à loucura também. Expressões como "Não és capaz de te calar?" ou, "Porque é que me contas?" ou momentos de paz podre (pequenos almoços idilicamente tensos) construídos artificialmente por cima dos escombros da discussão véspera, lembram-nos sempre qualquer coisa. Independentemente da obra prima, decerto que não o é, porque muitos se perdem e desinteressam logo no início, quem consegue ultrapassar essa inércia inicial, muito leva que pensar. Depois a última cena em que a pergunta "Porque não te calas?" é substituida pelo desligar do aparelho auditivo é, para mim, genial e encontrou eco em ternas lembranças familiares. Kate Winslet é extremamente convincente e sólida. Leonardo de Cáprio tem em seu desfavor o ar infantil e leviano que não consegue iludir.
Há filmes que vejo que me transportam para o mundo mágico do cinema. Outros que me fazem sentir em casa. O Casamento de Rachel é destes. Tudo é muito próximo: o tema, as conversas, os comportamentos, o ambiente. Com ele prolongam-se as nossas dúvidas quotidianas e é bom que assim seja, também. É bom que um realizador maior como Jonathan Demme, haja em vista o "Silêncio dos Inocentes" nos brinde com um filme de câmara na mão e, suponho, de orçamento reduzido. Nele a crueza e a verdade dos sentimentos, o desmonte de relações familiares cheias de jogos de afectos e de protagonismos desejados: como se não bastasse a terna canção entoada pelo noivo - dádiva somente. O objecto filme é frágil, inconstante, movediço, de câmara na mão: são-no também as personagens que se nos revelam e o relacionamento entre elas.
Segundo notícias de hoje a obra do aeroporto Sá Carneiro ultrapassou em €100 000 000,00 o orçamento previsto. É inadmissível mas é à boa portuguesa: não há programas, não há projectos rigorosos, não há programação de obra e assim se gasta o dinheiro público... com a agravante de ficarmos sem saber exactamente para onde foram esses €100 000 000,00! Já não se pode com esta falta de seriedade e de profissionalismo de que este caso é apenas um caso. A outra escala, no meu dia a dia lido com casos iguais ou piores, salvaguardando as proporções de escala. De certeza que não é assim que o país vence a "crise".
Download: aqui (JÁ ARRANJEI O LINK!) Se quiserem imprimir um envelope para o cd: aqui (imprimam em papel de 250 gramas)
(A razão pela qual junto as músicas todas num ficheiro único de som é facilmente explicável e lógica para mim, apesar de compreender perfeitamente que não a entendam. Fazer um mix demora-me tempo e ocupa-me espaço e é uma dedicação que gosto de ter. Como gravar uma cassete. É uma disposição. Não gosto, no entanto, de me entregar assim a qualquer coisa e depois ver tudo desmembrado, como já me aconteceu. E, desta vez fui boazinha, disponibilizei o alinhamento.)
I'm building a still to slow down the time é um sentimento que tenho tido muito ultimamente. Parar os livros, os filmes, os dias, num determinado frame e ... Enjoy!
Acabei esta semana de ler o terceiro volume da tetralogia de John Updike sobre Harry Angstrom, Coelho. Não lerei para o já o quarto porque não foi editado em português e o meu inglês não justifica tamanho sacrifício de leitura na versão original. A normalidade em toda a sua irreverrência - a descodificação dos nossos pensamentos mais rasteiros, que não admitimos, que arrumamos para um canto, que cuidadosamente guardamos no limbo das nossas emoções. Aqui estão eles, descritos preciosamente, minuciosamente, com um realismo inacreditável e por isso mesmo extremamente libertador de qualquer culpa. Se o acusam de racista, machista ou misógeno na minha opinião é porque fazem uma leitura preconceituosa e superficial do conteúdo das personagens: elas são o que são, humanas, às vezes estúpidas, às vezes racistas, às vezes inocentes, às vezes preversas - elas são excelentes, são reais. A leitura de Updike foi uma das coincidências que transformou a minha vida, porquê perguntará quem o leu? Quanto a mim pela maneira como decompõe o comportamento humano, por isso na linha de Proust. Parece que finalmente me puseram James Joyce no caminho, contra o previsto, iniciarei a leitura de Ulisses.
Forma e conteúdo. Este, outro dos ecos da viagem ao Ruhr: as acções de revitalização urbana de www.raumlabor.net. Começar pelo conteúdo. Criar um estúdio de ópera, de criação musical, de composição, sem um edifício de acolhimento: sem o teatro, sem a ópera, apenas com um contentor colocado num não-lugar, num cruzamento de estradas e de linhas férreas, à porta de uma estação de metro, em Eichbaumoper. O conteúdo existe, está lá. A forma é efémera. Se algum dia tiver que existir estará prenchida, fará sentido. Entretando as pessoas transformam-se e vivem melhor. Decididamente, sou do conteúdo.
Ruhr.Uma surpresa. Apreendi muito. O que mais me impressionou materialmente foi a grandeza, o poder e ao mesmo tempo a delicadeza rigorosa dessas máquinas, cidades de máquinas, que nos finais do século XIX e até muito tarde no século XX, ocuparam esta região. Destinadas à extracção e produção de carvão ou de ferro, são complexos edificados feitos pelo homem em que os habitantes são as máquinas. Neste, Zollverein, localizado em Essen, Património da Humanidade, classificado pela Unesco, no edifício principal, destinado à lavagem do carvão, apenas trabalhavam seis homens! O que mais me impressionou enquanto arquitecta, foi o processo de requalificação que toda esta área tem em curso.
Já antes de ler alguns artigos sobre listas as fazia. O que é certo é que elas fazem cada vez mais parte do meu quotidiano. Listas, ajudas de memória, agendas, listas em agendas. Este ano tenho várias agendas, de papel e virtuais. Cada uma tem o seu lugar e como tal conteúdos diferentes. E como são mais ou menos móveis, funções diferentes. Uma está em casa, duas no local de trabalho e outra anda comigo (quando não me esqueço dela). E depois existem os cadernos de registos, não diários, extemporâneos, a jeito quando dão jeito. Mas agendas são boas não só para programar o futuro mas, como auxiliar de memória, para ler o passado... é pena é que muitas vezes aquilo que queríamos ver registado não o tenha sido. Tomar notas também é uma ciência. Vou investir nessa investigação.
Talvez não seja a reprodução exacta da ideia que Doubt pretendia passar, mas aquela frase acerca da bondade e da virtude gerou algum eco interior: virtude versus bondade. Mas haverá maior virtude que ser bom? Parece que sim. Parece que virtude é seguir alguns códigos morais absolutos, que implicam o exercício de “boas práticas” e este exercício pode implicar ser cruel, agir a despeito de qualquer afectividade, magoando, em nome da virtude, quem se ama. Assim mesmo: o miúdo negro precisava de atenção, de consolo, de afectividade, de ternura. O amor, a atenção, o carinho do padre era bom para o miúdo, ele sentia-se bem com ele, ultrapassava-se e engrandecia-se com ele. Mas, um comportamento virtuoso, não é compatível com esta afectividade e complacência: tudo o que dá prazer e dá gozo é mau! O padre não pode amar o miúdo, o padre não pode tocar o miúdo, ainda que para o miúdo isso seja bom, é mau para os olhos do mundo, cheios de virtude. Apenas a mãe entende essa outra verdade, a verdade do amor, que adia qualquer juízo moral para "é só até Junho" e pelo menos agora o filho é amado. O padre demitiu-se, o miúdo ficou sem o conforto do amor… mas a virtude triunfou. (a propósito de Doubt)
Estes são os meses em que só comemos tangerinas e clementinas. Sempre do quintal dos avós. (Fico feliz de ter resgatado a pentax e de a ter posto a fotografar outra vez.)
Alguém dirá que não estou autorizada a escrever sobre este filme. Mas, apesar de ter dormitado cerca de 1/4 do filme, fiquei com uma ideia precisa sobre ele: um filme de causa, um filme militante.Bem filmado, excelentemente desempenhado (Sean Penn encolheu e fragilizou-se), bem encadeado...um pouco lento, sem que isso seja defeito mas antes opção - embora não me tivesse dado muito jeito. É interessante como, passados uns anos sobre Brokeback Mountain, o tema da homosexualidade é tratado com a naturalidade e com a seriedade de qualquer outra causa... e enche salas, sendo muitos espectadores homens! ...a contar com os conselhos do nosso bendito episcopado, não estariam lá nenhuns católicos...
Logo no genérico me lembrei de Kramer vs. Kramer (e penso que seja apenas pela opção estética e a escolha tipográfica feita no genérico), mas ainda bem, porque tanto Doubt como Kramer vs. Kramer parecem ser capítulos da obra "o que é a realidade humana." Doubt é o capítulo da dúvida.
Perante factos cada um constrói a história que quer. Cada um acredita nessa história. Tudo é a realidade mais o que concebemos depois. É um tema que temos visto abordado recentemente: qualquer dos filmes de Lars von Trier ou mais recentemente Chagelling de Clint Eastwood. O que não se questiona são as duvidas por trás da realidades que construímos e isto é Doubt. E desenganem-se, todos ali duvidam: não só a freira nova, boa e inocente (Amy Adams a ser extremamente convincente e a passar-nos uma tamanha agonia); o padre inovador (Seymour Hoffman a ser brilhante como sempre) apesar de completamente envolvido nos factos; a mãe do garoto (Viola Davis, god bless you!) e o seu medo de que o filho não possa ser o que quer; e, desenganem-se mesmo, até a freira chefe, rigorosa e avassaladora (Streep a ser a actriz que sabemos, ou seja, Streep a ser outra pessoa, outra vez). São tudo escolhas, são tudo visões diferentes dos mesmo factos. São todas plausíveis e ainda assim, a dúvida flutua desde os primeiros minutos até à neve no jardim da escola, no último quadro. E ainda assim, se a dúvida impede alguns de agir (Adams) não impedirá outros (Streep e Hoffman).
Atentem também aos sermões. Atentem em certos planos. Atentem na cara dos actores. Atentem na riqueza do argumento (a peça deve ser tão bem escrita...). Atentem em tudo. Doubt é apenas uma metáfora, se olharmos bem. Todos agimos, mesmo com dúvidas. Atentem porque se aprende um pouco mais sobre ser-se humano. Do melhor dos últimos tempos. Do melhor.
Piotr Anderzewski é ainda muito novo por isso me seduziu com a sua contenção. Sempre acho que os pianistas muito novos têm alguma dificuldade em controlar o vigor e brindam-nos muitas vezes com interpretações que mais parecem fogo de artifício. Mas hoje não foi assim e, sobretudo na segunda parte, Anderszewski, foi capaz de me surpreender entre o vigor e a mais eloquente discrição. A sala estava acolhedora nesta invernosa tarde.
O mais clássico dos clássicos ou o mais conservador dos realizadores da actualidade. Conservador nos temas, na moral, no relacionamento entre as pessoas, nas regras de organização social, na composição dos filmes, na direcção das personagens, no encadeamento da acção, conservador e desencantado. Porque foi assim que senti o filme: como uma dor que morde por dentro, que se desenrola como uma mola que atira o interior, empurra as nossas vísceras contra o exterior,a pele e os músculos, que nos preenche e nos esvazia. É impossível ficar frio perante crianças molestadas, perdidas, literal e emocionalmente, levadas a agir por coacção contra si próprias. É impossível não sofrer quando a leitura da realidade transforma a verdade em demência e a realidade em ficção, levando-nos a um sentimento de impotência demasiado verdadeiro para não ser real. Sobre Angelina Jolie, dizem que um bom papel- acho que sim, pelo menos nada há que o contradiga, encaixando-se na perfeição no conceito do filme.