Sunday, December 31, 2006

periferias

Há alguns anos que percebi que o conceito de periferia é cada vez menos um conceito geográfico. Esta descontextualização do conceito tem vindo a acentuar-se com a globalização. A distância a um centro não é mais medida em quilómetros mas em tempo de acesso e este pode ser físico ou virtual.

Como tal ser periférico deixa de ser um lugar para ser uma condição. Pode ser-se periférico no centro das grandes cidades, no país mais central da Europa, em Tóquio ou em Nova Yorque. Inversamente, pode ser-se central estando em Portugal, na Finlândia, na Coreia, na Islândia ou em Timor.

Esta questão surge muitas vezes na minha cabeça a piscar com um sinal de alarme porque continuamos a pensar na periferia como um lugar geográfico. Por isso continua a marcar a nossa agenda social e política a dualidade litoral/interior, quando o nosso interior (a 150/200Km da costa), mesmo geograficamente, é litoral na maioria dos países europeus. E por isso, enquanto não mudarmos a nossa atitude interiorizando que ser periférico ou central é uma condição, encontraremos sempre desculpa para o nosso atavismo e sua auto-justificação.

Inevitavelmente a 31 de Dezembro algumas retrospectivas invadem o pensamento sem que a obrigatoriedade de fazer projectos retire leveza ao sonhar de um novo ano.

Wednesday, December 27, 2006

ainda...novamente

O Natal continua de múltiplos modos, com múltiplos saberes, construindo múltiplas recordações. Experiência de presente que sabe a passado com um travo de futuro. Natal sem presente. Registos interiores. Flashes, imagens, que ancoram a vida – momento estático e eterno. Mesas de quatro metros, com toalhas de Natal feitas à medida, porque não há medida para tamanha mesa. Mesas onde não cabem pais, filhos e netos …e outros adoptivos e adoptados. Mesas onde não cabem os “egos”, onde se baralham máximas, sem nexo, sem tom, onde se tocam copos tingidos de cores e de cheiros. Mesas onde as palavras perdem sentido para se tornarem afectos medidos e desmedidos à medida de cada um. O direito a tudo e o direito a nada, neste puzzle onde tudo encaixa. Não sou mais do que uma simples peça colorida ou baça, à medida do gosto e do desejo que aqui sei satisfazer ou sublimar. Parte desta cadeia de muitos elos, apertados ou mais soltos, fechados ou com pontas, que se prendem a outras mesas de quatro metros ou mais, muito mais.

Monday, December 25, 2006

Ainda

Para além de tudo J., o que gostei foi da experiência completamente individual de usufruto da música. Ele, Messiaen, Roger Muraro e eu.

Mas o que gostei, foi de estar ao teu lado, ao vosso lado, ao lado daqueles que conseguiram escapar ao frenesim do Natal para o experimentarem de outro modo.

Éramos cerca de trezentos, sentados no coro da sala Guilhermina Suggia, com a sala vazia por fundo. Cada um por si, mas cada qual com a certeza de que não estava ali sozinho, seriam trezentos por si. Mesmo aquele senhor que lutando contra o problema do sono insistiu em ficar e nos distraiu por momentos.

É destas experiências sublimes e incontáveis que se faz o lado bom da vida. Só quem lá esteve entenderá e por isso ainda bem que estivemos os que estivemos.

Não deixei de me lembrar de mais quatro que gostaria tivessem tido esta oportunidade.

Sunday, December 24, 2006

É Natal, na Casa e na Música

A Casa e a Música. Entrei procurando o Natal, do qual já todos falam e não sinto. Talvez tenha sido ali. Talvez por, finalmente, ter tido um tempo para mim. "Vingt Regards sur l'Enfant-Jésus", de Olivier Messiaen, que pensava assustar é, felizmente, uma peça lindíssima e que me foi acessível. Uma peça que chega à porta, espreita e abraça. Junte-se a companhia (Mãe, M. e F.) e, pronto, é Natal. Na Casa e na Música. Mas tanto para fazer...

Saturday, December 23, 2006

natal

Tenho conseguido passar ao lado do lado mau do Natal. Por coincidências que me fazem voltar a trás e recolher à casa, aos amigos. Evidências e factos demonstram solidariedade e afecto.
Recolhi cedo, para sair novamente. Estou sozinha a fazer o jantar que provavelmente não vou comer. O silêncio da música acompanha o remontar das prendas: verificar, inventar o que falta, com o que se tem, procurar no fundo do armário ou da gaveta, com o olhar do coração: sem fugir à pessoa, aquela tão especial quanto os laços que nos ligam.
…e depois a antena dois ofereceu-me um bilhete duplo para o concerto de Natal de amanhã. Roger Muraro e Olivier Messian.
Um bom Natal.

Friday, December 22, 2006

O Ginco


O ginco é a nossa árvore de Natal. Despe-se de amarelo para os nossos olhos.

Wednesday, December 20, 2006

O que se faz...



... para não trabalhar.

ligações covalentes

O caderno preto é do N., o amarelo é meu.

Sunday, December 17, 2006

Atmosferas

Acabei de ler Atmosferas de Peter Zumthor. Estava a regista-lo na base de dados e o livro chamou-me, porque ele fala do seu conteúdo: nove pontos mais três pontos anexos, que tentam transmitir, desmontar o sentido da qualidade arquitectónica. Para Zumthor: “ Qualidade arquitectónica só pode significar que sou tocado por uma obra”. Por mais pontos em que Zumthor, ou outro, tente desdobrar esta qualidade, tente racionalizar o método, percebemos que essa qualidade de gerar emoção está sempre entre tudo, para além de todo o resto, no modo como as coisas, as pessoas, o som, a luz a matéria se relacionam. E elas relacionam-se no vazio e não na ausência, ou talvez na ausência feita conteúdo, pelo que somos e pelo modo como percepcionamos o que nos envolve – atmosferas.
Livro magnífico, macio, duro, austero e quente, que nos envolve e transporta da sua para outras atmosferas.
Para os homens mais do que para os arquitectos… e extremamente didáctico.

“ Ou seja, provavelmente, o meu capítulo final ou o meu último objectivo é: A forma bonita. Encontro-a talvez em ícones, reconheço-a por vezes em naturezas mortas, que me ajudam a ver como algo encontrou a sua forma, mas também nas ferramentas do dia a dia, na literatura e nas peças musicais”.
Zumthor, Peter; Atmosferas; Editorial Gustavo Gili, SL

Gilberto Gil

A cultura brasileira sempre me fez alguma confusão. Acho que é a leveza que o sol carrega que os torna tão diferentes e que me faz temer a ligeireza com que andam a vida. Pouco importa. Aos poucos aprendo a gerir a intolerância e a abrir-me às verdadeiras manifestações de beleza que vêm do país irmão.
Foi assim que entrei no Auditório da Reitoria da Universidade de Aveiro. Primeiro, sem lugares marcados e temendo que os estudantes deitassem tudo a perder (por vezes, têm uma certa tendência a fazê-lo, lá com as capas pretas e aquelas coisas todas que não compreendo, cheios de uma etiqueta e normas estranhas –sou estudante.); segundo, com a melhor companhia possível, que me adoçou o início de fim de semana (sou menina).
E Gilberto encanta. E as pessoas respeitam e, depois, vibram. E Gilberto vibra também, com as mãos e com o rosto e com a voz. Às vezes, com um cruzar de pernas. Nota-se nas sombras. Em vão tentei desenhar, em vão tentei agarrar as frases mais bonitas das letras, em vão tentei anotar o que via em mim e o vibrar em ti.
O concerto ainda cresce. Todos os bocadinhos. O seu tom melancólico, por vezes, o seu êxtase febril. E o balanço. Tudo é ainda tão fresco. Que cresça, que cresça sempre.

Saturday, December 16, 2006

melancolia

Vagueio perdida na beleza da casa.
Vagueio perdida na luz da escuridão.
Ouvi Sophia, li Sophia.

Uma ideia:
O filho do pobre, o filho do rico, o filho do operário, o filho do professor, todos entendem uma história da mesma maneira, porque não estão condicionados. Com os adultos não é assim. Muitos adultos, a maioria dos adultos, não entendem um livro. O seu conteúdo não lhes diz nada. Contrariamente ao que acontecia na antiga Grécia onde a Íliada ou a Odisseia eram obras universais, para toda a gente.
Outra ideia:
A casa. Todos os homens precisam de uma casa. Mas precisam de uma casa bela. Todos os homens precisam de beleza. Custa tanto fazer uma casa feia como uma casa bonita. As casas sociais devem ser desenhadas pelos melhores arquitectos.

Sophia esteve em 1974, hoje, no programa “O nome das coisas”. Sophia encheu também esta bela casa, feita do nada que é o belo.

Thursday, December 14, 2006

Tinta da China a más horas.



desenho para projecto.
(quero dormir e parabéns maria!)

contornos

Ontem ao ouvir a entrevista de Ana Sousa Dias a Daniel Baremboin ri-me da perspicácia dele quanto a uma pergunta dela. A pergunta era se ele achava que a diferença de leitura dele, enquanto maestro e de um pianista executante sobre a interpretação de uma obra poderia resultar mal, “não funcionar”. Ele respondeu-lhe de imediato “É muito feminino”. Ela ficou surpreendida e suspensa. Ele voltou a afirmar “É muito feminino pensar que pode não funcionar. Um homem sabe sempre que funciona, tem que funcionar.”
Porque é que a mulher pensa sempre na possibilidade de não acontecer o que quer e deve, tem de acontecer? Porque é que nos atormentamos com as impossibilidades antes da existência do problema? Deste modo não condicionamos o decorrer do acontecimento? E não nos furtamos à execução do acto pela antevisão ficcionada do seu efeito?
Fazemos a história completa sem existir história, românticas, trôpegas ou simplesmente emersas numa cultura de medo do que pode acontecer. Façamos, que fazemos sempre melhor que eles.

Monday, December 11, 2006

La Jetée


la jetée - chris marker
(obrigada à professora g. por mo emprestar)

Procurar, recolher e partilhar imagens

Vemos imagens e, automaticamente, adicionamo-las à nossa base de imagens na memória. Não temos consciência até elas ressurgirem outra vez, muitas vezes em soluções para projectos e ideias, ou porque uma paisagem nos lembra certa imagem, ou, até, porque encontramos algo que nos faça sentir o mesmo.
Acho precioso ter uma base de dados de imagens estéticas, na memória. Por isso ( e não só por isso...) vejo filmes, folheio livros de imagens, leio poemas e romances, passeio na rua de máquina fotográfica (e sem ela), ouço música...
Quero partilhar as imagens que guardo conscientemente. As outras, não as conheço até me (re)lembrar. E assim serão os próximos posts no conta-mina.

Espero que vos sirvam como me servem a mim.

Sunday, December 10, 2006

Aveiro à noite.


Aveiro à noite. Tudo o que vejo são os meus pés e a calçada. Está muito frio para ter a boca e o nariz fora do casaco. São passos sem som. Ouço os barulhos da cidade (porque uso phones a maioria das vezes?) e são só carros que passam, zumbem e ecoam. Passo pelo único homem, não esconde o ar suspeito. Finalmente a minha rua. Tão minha como vossa. O prédio quente e o quarto. Não é assim tão tarde. No caminho, no meu silêncio, já contínuo e de horas, penso muito.
ontem, pela meia noite (& fotografia de uma noite parecida, em novembro.)

Frank O. Gehry

( Como não tenho nenhuma fotografia digital do edifício de Gehry, ilustro com a extensão do Museu de História Alemã de I.M.Pei, que demonstra a mesma atitude perante a herança.)



“ Respeito a regra áurea: o problema de fundo é ser bom vizinho. O que quer dizer respeitar o que está na envolvente, o contexto. Retornámos aqui à lição de Mendelsohn, que se refere ao modo como nos posicionamos relativamente a qualquer coisa que existe, como se junta qualquer coisa. Foi isto que tentei fazer, no caso do edifício de que agora falamos, pondo-me o problema do relacionamento com a porta de Brandeburgo, tão imponente e maciça, dotada de um carácter forte e de uma específica dureza, que configura a Pariser Platz, procurando não diminuir nem tornar banal esta presença.” Frank. O. Gehry; "Construire su Pariser Platz; Casabella

Este foi um dos edifícios de que mais gostei em Berlim. Reli há pouco um artigo de Ghery sobre a sua relação com Berlim, com a cultura de Berlim, que engloba muita arquitectura e entendi claramente a sua perspectiva, que já tinha sentido perante o edifício na Pariser Platz. O entendimento da modernidade, da vivência da democracia na cidade, passa também pela manifestação de linguagens diversas, formuladas através da reflexão sobre o contexto e a história. O modo como Ghery, com uma nova regra interpreta a racionalidade da arquitectura neoclássica, expressa na porta de Brandeburgo, usando apenas pedra e vidro, é soberbo de contenção e rigor. O vidro inclinado perpetua o vazio, desenhando e transportando-nos do envasamento para a capitel numa ilusão de leitura clássica, sem o ser, contudo. Acima dele, do ilusório capitel não existe arquitrave, friso e cornija, existe apenas o vazio do céu. Tudo isto feito construção, pela subtileza da massa material da pedra reinterpretada pelo movimento do vidro e pela sua transparência. Transparência quente, por reflexo da luz interior emoldurada de madeira, que se reflecte no exterior, fazendo-nos rodar a cabeça, para a comparar com as passagens por entre as colunas da Porta de Brandeburgo.
Uma obra arquitectónica assente na terra, que nos faz subir o olhar, sem nos deixar esquecer a perenidade de qualquer obra humana.

uma casa


Quando o passado conforma o presente. Quando o passado condiz com o presente. Uma toalha de tons quentes, de terra pousada sobre a mesa e uma chávena de chá de jasmim…uma sala com paredes feitas de livros. Um chão feito de tacos castanhos, escuros e mel. Uma janela para a cidade. Uma janela para dentro.
A casa. O nosso abrigo, para a chuva e para a alma. A casa.
Uma casa feita de luz. Luz que muda. As plantas crescem com a luz da casa. As plantas dão-se bem nesta casa. Crescem ao som da música. Estremecem e revigoram. Não é uma casa na escuridão. É uma casa na luz.
Saber projectar uma casa é uma arte. Fazer viver uma casa é um dom. Um grato dom que se experimenta: no chá, no sol e na escuridão, nos gatos, no som do piano, nos ruídos, nos trauteios soltos, no cheiro que vem da cozinha, nas mãos secas e ainda enérgicas, no intervalo…
no intervalo…no intervalo…

Saturday, December 09, 2006

outras trocas

BALANÇO
Que fica de quem passa? Um eco de mágoa
ao ouvido da tarde? Uma pausa de palavras
na frase do instante? Uma interrupção de passos
a caminho da porta? Um sal de sentimento
no coração da amada? A vida esfarelada
numa dissipação de rumos? Ou um peso
de esquecimento na sombra da memória?
Mas quem passa não pensa no que fica,
se os passos o levam para onde espera
ficar; e se o seu destino é a passagem,
onde ficar é sair de onde não chegou a
habitar, é o tempo que o obriga a não olhar
para onde não há-de voltar, mesmo que aí
tenha deixado o que pensou consigo levar.
Náufrago sem ilha nem barco, ou
marinheiro preso ao porto, é ele o seu próprio
fim, como se a cada momento não soubesse
que não é dele o que leva, e só é dele o
que perde, como se o não quisesse guardar,
para que chegue mais depressa, ao cair da noite,
a esse cais onde ninguém o irá esperar.
E repete, então, o que não devia fazer, para tudo
fazer de novo, como se tivesse de o fazer.

Nuno Judice

Trocas (?)

Os trabalhos estão todos atrasados. Os projectos são só metades. As malas não foram desfeitas. Hoje apanhei o comboio cedo. Estou em casa. Há tanto tempo que não tinha uma companhia tão boa para jantar! Vou pôr os olhos de dormir. Vou tirar o corpo de amar. Vou pô-lo a descansar. Obrigada, M..

Thursday, December 07, 2006

trocas

Nada apaga a experiência. Quantas vezes temos de reordenar valores para experimentar: trocar o dever pelo prazer. Trocar os resultados de um teste por um momento emotivamente partilhado, vibrante. Assim nos fazemos, assim queremos viver.

Wednesday, December 06, 2006

berlim 2


Há cidades que nos apanham desde o primeiro momento. São estáveis, lêem-se linearmente sem sobressaltos.
Há cidades que crescem com o tempo e com a distância. Contaminam e geram uma vontade imensa de voltar. São cidades que apaixonam.
Do primeiro tipo conheço muitas: Paris, Barcelona, Helsínquia, Nova Yorque, ….
Do segundo conheço duas Roma e Berlim.
Cheguei há pouco e a cidade cresce.
Às primeiras voltamos com serenidade e segurança, como se o regresso fizesse, desde sempre, parte do nosso quotidiano. Não há urgência porque naturalmente sabemos que a elas voltaremos.
Às segundas, temos que voltar, estamos sempre a voltar, mesmo que não voltemos. Elas recriam-se pela nossa imaginação.
Berlim soma histórias, que se sobrepõem ou justapõem. Berlim mostra as suas cicatrizes. Construídas e reconstruídas, não têm pudor e abrem-se deixando-se desfrutar. Berlim cresce em mim. Apetece-me voltar.

Monday, December 04, 2006

berlim


Cheguei agora a casa. Cheguei de outros. Sentámo-nos nos cafés. À roda papéis, fotografias, mapas e conversas calmas. Contámos, calámos, ouvimos, sorvemos. Andamos entre salas e debates. Andamos entre gente “perdidos” nas ruas largas.
E dissemos é este espaço que falta no “nosso” dia-a-dia, o da distância, da estética, da ética. O da procura, o da realização nos pedaços, nas dobras pequenas, nas sobras minúsculas das esquinas, nos espaços amplos, abertos no tempo e sobre ele, no pulsar das várias cidades, desta cidade - Berlim. Sem dizer palavras. A repetir. Obrigada.

Friday, December 01, 2006

O que lhes falta


Cheguei agora a casa. Cheguei dos amigos. Sentámo-nos nos cafés. À roda papéis, tesouras, imagens, cola e fita cola, canetas, marcadores e conversas calmas. Cortámos, colámos, desenhámos, pintámos. E dissemos é este espaço que falta no “nosso” design, o da estética, o da procura, o da realização nos pedaços, nas dobras pequenas, nas sobras minúsculas de papel. Sem dizer palavras. A repetir. Obrigada.

Thursday, November 30, 2006

Wednesday, November 29, 2006

esta manhã

Encontrei A. no espaço cinzento e verde, do interior para o exterior do lugar. Encontrei-o vivo e apaixonado. Disse-lhe: “Mas é bom estar apaixonado?” Ele respondeu-me “Eu não estou apaixonado”, mostrando um certo incómodo de menino adolescente apanhado em falta. Gostei de ver vontade de recomeçar sempre, atabalhoadamente, como se da primeira vez se tratasse. Repegar a vida para de novo a reinventar, noutro cenário, como se não houvesse tempo.
A sua vivacidade amainou a minha intolerância e construiu o discurso coincidente, sem precisar de mais, apenas deixando-me levar.

Tuesday, November 28, 2006

o lado sexista

Comentemos então o lado sexista da questão. O que me impressionou foi exactamente Susan Sontag afirmar peremptoriamente que os homens apenas se interessam pelas mulheres enquanto elas mantêm a frescura da idade e atractividade física. Ou seja, uma mulher quando envelhece deixa de ser interessante, sob um ponto de vista integral e único para o homem. Porque este desinteresse, ou o seu interesse tem sempre como porta de entrada a atracção sexual. Os homens chegam além, apenas quando a partir desse interesse são levados mais longe? Apenas tendo como finalidade essa satisfação? Esta incapacidade de, em qualquer idade a mulher manter para o homem interesse sexual, é um sinal de imaturidade, por parte dos homens, que me custa a admitir. Mas ela admite-o e afirma-o. A relação amorosa plena conseguida por parte destas duas mulheres, segundo pelo menos o prisma de Annie Leibovitz, só é possível porque as mulheres ultrapassam o preconceito e os códigos, admitindo a beleza mesmo num corpo marcado pela idade. Mesmo assim, ainda assim e talvez mais assim, a pessoa humana consegue a plenitude porque alia num só ser a experiência e a sabedoria num corpo admitido e vivido como belo. Consegue a unidade do dual que sempre nos conforma. Mas as próprias mulheres admitem e pensam que a idade as mata como seres sexualmente desejáveis. Desvalorizam-se, desleixam-se e hipotecam a sua atitude perante esta ideia universalmente assumida.
Mas se tal é verdade, o que me custa a admitir, então o caminho será o seguido por estas duas mulheres, amando-se integralmente até à morte, deixando sobrevir o luto e a saudade não dos tempos idos, da memória do que fomos, mas daquilo que hoje e em qualquer idade somos. Sempre belas enquanto integrais.

Monday, November 27, 2006

sem título, apenas porque não o encontro

Li um interessante artigo na Pública (emprestada) que por isso cito de memória e que suscita esta reflexão. Era sobre Susan Sontag e Annie Leibovitz. Esta falava na sua bonita história de amor que vivera durante quinze anos com a primeira. Dizia, Susan Sontag, que era bi-sexual. Quando começou a envelhecer e deixou de suscitar interesse para os homens, foi com as mulheres que ela reconheceu a profundidade das relações. Porque as mulheres a partir dos quarenta anos desabrocham e atingem toda a intensidade.
Não quero comentar pelo lado sexista da questão. Nem quero comentar para me auto-consolar com a passagem dos anos.Mas porque é que só chegamos lá, pelos quarenta? E porque é que as marcas da idade no corpo nos tornam menos interessantes (tanto a homens como a mulheres)?
A dificuldade em lidar com a passagem do tempo é sem dúvida uma das principais características da sociedade actual. Pelos quarenta, tudo se ganha ou tudo se perde. A vida ganha a luminosidade da auto-confiança ou entra na obscuridade do medo da decadência. Não ouvimos muitas vezes “ Depois dos trinta e cinco é sempre a cair.”? Por isso tenho necessidade de repetir muitas vezes aos mais novos, aquilo que para mim é um dado completamente adquirido e um lugar comum: a experiência de vida, vivida com paixão e reflexão, transforma as pessoas e torna-as seres cada vez mais encantadores e bonitos. Recuso o eufemismo daqueles que vendo um velho dizem “o que interessa é a beleza interior”. Um velho, uma velha são também bonitos, aprendamos a vê-lo. Felizmente verifico que transmito qualquer coisa e gosto de ver J. guardar carinhosamente, como algo de muito precioso e belo, uma fotografia de Pina Bausch. Ou de ver P. abraçar carinhosamente a avó, dizendo que ela é tão bonita como a Jane Fonda.
Trabalhemos para isso.

Saturday, November 25, 2006

o desenho (da maria)...


...foi impresso e espalhado pelas paredes do DeCA.

Friday, November 24, 2006

rendo-me às novas tecnologias

A novidade do dia. Descobri a minha salvação. Quem me conhece de perto sabe que à sexta-feira digo: “Detesto fazer compras. Detesto hipermercados, mas perto da minha casa só tenho hipermercados.”
Feliz coincidência: ontem à noite perdi-me da net a fazer as compras on line. Passe a publicidade, fui primeiro ao Jumbo, que é o hipermercado mais próximo da minha casa. Não me entendi. Registei-me, mas quando cheguei a “vias de facto” tinha que escrever nome a nome os produtos que queria e desisti. Sei lá o nome dos produtos que compro! Conheço-os pela forma e pela cor e escolho-os pela composição e pelo preço. Experimentei o Continente. Perdi uma hora e pouco, mas era a primeira vez. Fiquei excitada, contei a toda a gente e hoje…
Chovia torrencialmente como sabem. Atravessei a tempestade e entrei em casa às dezassete horas. Fechei as portas e deambulei em tarefas domésticas. Os filhos fizeram-me companhia à distância. Aquela distância do conforto sem intromissão. As compras chegariam entre as 18.30 e as 20.30h. Estava na expectativa. Às 20.25h tocaram à campainha. Abri a porta e vi uma carrinha do Continente, com um homem exausto, sobrevivente à chuva e ao vento, com os sacos das “minhas” compras. O peixe arranjado. A fruta bem escolhida. A máquina do Multibanco na mão.
Encontrei a minha felicidade. Vou apurar o sistema e… espero que nunca mais me encontrem num hipermercado.

Thursday, November 23, 2006

Recursos humanos

Ás vezes custa-me usar a palavra recurso para os humanos. Sinto que é como profanar uma alma. Reduzi-la ao simples aspecto material de recurso. Somos usados para produzir riqueza e valemos enquanto produtores dessa riqueza. Mergulho e volto à superfície. Tateio a água e com os movimentos contínuos do corpo ando para a frente: 25, 50, 1250 metros algumas manhãs por semana. Acompanham-me pensamentos variados e variáveis, concretos e inconfessáveis. Penso nos amigos, nos "recursos" que vou conhecendo lentamente e com gosto. Uns mais à frente no percurso do conforto. Outros que intuo e que me proporcionam momentos inolvidáveis. É bom. Os recursos humanos são matéria prima para a vida. A melhor matéria prima. Sem ela nem os diamantes, nem o petróleo, nem o ouro tem qualquer significado. Lido com a melhor matéria prima e só ela me conforta quando estou triste. Hoje não é o caso, felizmente.

Wednesday, November 22, 2006

Caminho para o Comboio nº7

Caminho para o Comboio nº6

o desenho

Gerir o correio. Gerir o blog. O tempo é curto, mas ainda dá para apreciar uns bonitos desenhos e pensar: há quatro anos isto não pareceria possível. Na realidade bloqueamos os nossos meios expressivos, não desenvolvemos as nossas capacidades e perdemos o modo de nos transcendermos. O desenho é disso o exemplo mais claro. Os nossos programas escolares não ajudam a vencer as barreiras que nós próprios criamos quando o nosso modo de representação da realidade já não nos satisfaz. Até aos 8, 9 anos o desajuste entre o que representarmos e o que quereríamos representar não nos assusta. O desenho está bem, deixa a criança em paz. Depois a consciência da incapacidade dos meios e modos de representação face à nossa vontade limita e bloqueia. O salto acontece quando o domínio da técnica acompanha a expressão e tudo é possível. Muito trabalho, muita concentração, muita perseverança.
Agora o desafio é romper a representação para deixar sobrevir a alma, quero ver… .Porque agora sei que este é o caminho certo para, a partir de dentro, perceber o que está fora e oferecer ao mundo um belo pedaço de outra “realidade”.

Tuesday, November 21, 2006

Caminho para o Comboio nº5

Caminho para o Comboio nº4

Caminho para o Comboio nº3

Caminho para o Comboio nº2

Caminho para o Comboio



Os posts que se seguem são acerca do caminho que fiz até ao comboio, no Domingo, para almoçar em família. Ainda não tenho os desenhos todos que quero, portanto é normal que estes desenhos vão aparecendo aqui ao longo dos dias e, talvez, meses. O almoço e a casa, no Domingo, souberam-me bem. O passeio também. Os desenhos também.

Tuesday, November 14, 2006

O tempo vertical da Beleza


Como a beleza deixa as palavras impraticáveis, não tento sequer compô-las em frases. Tentei em desenhos, às escuras, sem ver o papel e só focando o palco. E são as únicas palavras sobre Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Gary Peacock que vos dou. As palavras do silêncio.

Conta-mina

Evito falar. Apenas escrevo que não sei ainda muito bem lidar com o que vi o que ouvi.
Estava muito suspensa, muito expectante e fiquei em estado de choque. Não me apetece ler, não me apetece trabalhar, não me apetece ouvir música…há ainda um espaço ocupado na minha vida que não pode ser preenchido por mais nada a não ser pelo silêncio e pelo olhar brilhante de quem lá esteve… ou pela intuição de quem não esteve mas sabe. Conta-mina.

Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Gary Peacock, CCB, 13 de Novembro

Sunday, November 12, 2006

A banalização mata o desejo

Gostei de ouvir Francisco Allen Gomes dizê-lo, não porque a ideia seja nova para mim, mas porque me dá a oportunidade de voltar aos meus temas queridos e expô-los assim, claramente neste blog. Porque ele foi extremamente claro ao dizer que a sequência imediata do sentimento de desejo e da sua consumação não permite qualquer elaboração mental, qualquer efabulação, qualquer fantasia ou sonho, que alimentam, neste caso concreto o erotismo e a capacidade de qualificação de um acto. É esta curta distância temporal que leva à banalização, à necessidade de procurar outra experiência totalmente nova para repetir sempre a mesma pobreza de gesto. Mas é esta talvez a principal diferença entre o sexo animal e o sexo humano. Por isso estamos encurralados pela cultura e pela sociedade. Pela cultura porque não nos é permitido satisfazer, como os animais, a nossa necessidade sexual à medida da vontade, perdemos a original periodicidade sexual. Pela sociedade, entendida aqui como sociedade de consumo, porque vivemos uma época de valorização do descartável – usar e deitar fora, mesmo quando romanticamente encontramos o par da nossa vida. Talvez esta seja uma das principais razões dos nossos fracassos individuais e colectivos e uma das principais causas das cada vez mais frequentes depressões.
Saber incorporar como parte da construção do nosso eu a recusa, integrar o não, perceber o tempo, é um modo de viver distante da cultura ocidental. Por isso bebemos avidamente a orientalidade, ainda que percebida com os nossos ocidentais olhos.

assimilação

(republico este post, que pus há quatro dias, porque por inabilidade retirei-o do site)
Aprendi com 14 anos, nos bancos da escola que o que distinguia um ser vivo de um ser inanimado era a sua capacidade de assimilação. A minha professora de Ciências da Natureza, Valentina Sereno, empolgava-me, nas aulas que me oferecia no anfiteatro do Carolina Michaëlis.
Nunca mais esqueci este conceito, que me acompanha e relembro desdobrando-o em conselhos que orientam o meu dia-a-dia.
Adapto-o a circunstâncias que nada tem a ver com o princípio. Vamos ver se me consigo explicar. Andamos sempre à nossa procura. Aquilo que os outros vêem de nós, também somos nós, embora não seja a ideia que de nós fazemos. Somos sempre diferentes a cada instante para nós e para os outros. O importante, para a nossa a estabilidade é que estas relações sejam de um equilíbrio instável. Por isso penso que mais importante do que o que os outros pensam de mim é que eu pense que eles pensam bem – que sou amada. Ainda que seja apenas uma ideia minha. Por isso a minha felicidade não depende da verdade. Verdade- conceito estéril e redutor. Depende antes da verdade que ficciono e do modo como a assimilo – a incorporo como minha. Por isso os sentimentos que nutro por outros são apenas meus. Concedem-me paz e bem-estar porque eu sinto que para mim é muito bom gostar, independentemente daquilo que o outro lado pensa, ou sente. Posso construir uma imensa plenitude, vista do meu lado, ainda que do outro assim não seja, pelo menos não é certamente como do meu. E voltando a uma ideia já aqui explorada, ainda bem que não se medem sentimentos, porque senão teríamos uma tirania na medição do gostar. Poderia dizer objectivamente, eu gosto mais do que tu, por isso quero retorno, senão sofro, ou por isso estou primeiro.
Mas não, eu gosto à minha maneira e tu à tua, vocês à vossa. A única medida que tenho é a do conforto e do gosto que me dá sentir um olhar quente, um toque, uma palavra, mais longe um silêncio povoado…
Assimilar, incorporar o gosto dos outros na nossa vida, ainda que seja apenas a nossa maneira especial de o entendermos…

Friday, November 10, 2006

alma de poeta

(…) Onde pode refugiar-se um homem que verdadeiramente pensa, no chamado “mundo real” como se pode ele defender contra a estupidez se não pela prática constante do equívoco? Responda-me. Sobretudo um poeta. Um dia disse: “ Os poetas não tomam verdadeiramente a sério as ideias e os homens. Consideram-nos um pouco como um paxá olha para os membros do bem fornecido harém. São bonitas, sim. Destinam-se a ser utilizadas. Mas não se põe o problema de serem verdadeiras ou falsas, ou de terem alma. Desta maneira, o poeta preserva a frescura da visão, e considera tudo milagroso. Era isso que Napoleão queria dizer quando descrevia a poesia como uma science creuse. Tinha completa razão do seu ponto de vista”. (…)

Durrell, Lawrence; Quarteto de Alexandria; Volume 2 “Baltasar”; Ulisseia; 1991

Tuesday, November 07, 2006

Vá lá...

Vejam lá se me entendem.
Há noite chego a casa e procuro no conta-mina momentos de descontracção. Fico desiludida quando abro o site e tudo está na mesma. Aqui, preciso de retorno, quanto mais não seja para sentir que este espaço continua a ser um espaço povoado. Porém, no dia a dia recolho palavras, sorrisos, cumplicidades, que vêm daqui – do conta-mina. É bom. É sinal de que passam por cá, ainda que incógnitos, anomimous ou imperceptíveis.
Mas quero mais. Merecemos mais. Vá lá…

Sunday, November 05, 2006

filosofia

Ouvia há pouco Maria do João Seixas manifestar a sua apreensão perante o facto de, com o processo de Bolonha, o ensino da filosofia sair dos nossos curricula de ensino. Dizia que é tanto mais estranho que isto aconteça na Europa, o berço do pensamento filosófico, quando nos EUA se tende a adoptar cada vez mais a filosofia como disciplina complementar em qualquer curso universitário.
Volto a um post que fiz há tempos sobre declarações de Disidério Murcho em que reflectia sobre o facto de em Portugal termos uma atitude muito pouco filosófica demonstrada pela nossa incapacidade crítica. É realmente preocupante perceber este caminho que nos leva à absorção acrítica do tempo e da vida como se não houvesse qualquer outro lado desconhecido para conhecer, qualquer outra pergunta para fazer.

Saturday, November 04, 2006

recursos humanos

Ultrapassar as relações funcionais é difícil. Habituam-nos a isso. Tudo tem um preço, um valor e um retorno, na, cada vez mais presente, sociedade dominada pela economia de mercado. As pessoas também são um recurso – um recurso humano.
Embora adira às novas teorias do sucesso das organizações, nas quais a adesão emocional aos seus objectivos, é fundamental para o seu sucesso, alguma força interior me diz, que isto é mais do mesmo: querem conquistar-nos pelo coração para produzirmos mais, para sermos mais eficientes e eficazes. Sinto-me enganada quando trabalho muito e depois ainda digo que gosto de trabalhar.
Porque eu gosto mais de me divertir. Divirto-me a pensar, divirto-me a conversar, divirto-me a ouvir música, divirto-me a ver um bom filme, divirto-me muito a ler… mesmo quando choro. Aprecio o que me faz chorar sem ser por mim. Chorar por sentir a dor e injustiça dos outros ainda que ficcionados. Desculpem a insistência em Durrell, mas, apesar das más traduções, das incompreensões, ele tem-me levado de mim para o mundo e do mundo para mim, num constante prazer de o ler, sem medo de me ler.

Wednesday, November 01, 2006

o lado oposto


“ (…) O facto de ter sido este o nosso último encontro confere-lhe uma importância que de outro modo não o teria. Não que, no que diz respeito a este livro, tenha deixado de existir; simplesmente, colocou-se no lado oposto do espelho, naquele lado que não reflecte a imagem – deixando-nos entregues às nossas doenças, às nossas baixezas, ainda operantes para o mal e para o bem no mundo real – e que é a memória dos nossos amigos. E, portanto, a presença da morte renova sempre as experiências, a sua função: ajudar-nos a meditar sobre essa coisa estranha que se chama o Tempo. Neste momento, contudo, estávamos colocados em pontos equidistantes da morte – ou pelo menos assim julgo. É possível que uma tranquila decisão, tivesse já começado a tomar forma dentro dele, mas não posso afirmá-lo. Não há mistério no facto de um artista querer por termo a uma vida que se esgotou (uma personagem no último volume exclama: “Durante anos esforçamo-nos por aceitar a ideia de que as outras pessoas não se importam absolutamente nada connosco; depois, certo dia descobrimos que é o próprio Deus que não se interessa por nós; e, o que é pior, descobrimos que lhe é totalmente indiferente que sejamos uma coisa ou outra:bons ou maus"). (…)”.

Durrell, Lawrence; Justine; Ulisseia; 3ª Edição - Abril de 1986; pág. 133/134

Tuesday, October 31, 2006

coincidências

Porque felizmente há uma ordem positiva que me acompanha.
Ontem ao passear na página da Casa da Música, verifiquei que ainda havia bilhetes para o concerto da Orquestra Barroca de Amesterdão com Ton Koopman. Quase comprei bilhete. Mas a responsabilidade impediu-me porque sabia que as tarefas eram muitas, “urgentes e importantes”. Hoje de manhã quase cedi à tentação de aproveitar os bilhetes que ofereciam na Antena 2 para esse mesmo concerto. Esqueci. Às 17 horas um bilhete caiu-me do céu. Bem haja ao anjo que mo ofereceu. Percebi que com um pouco de jeito conseguia ir ao Porto, de cabeça leve, para me deixar envolver.
Assim foi. Recados e um beijo da mãe resolveram os problemas práticos.
Lá estavam montanhas de arquitectos, alguns reincidentes, outros que não via há muito. Gente mediática.
Um concerto muito bom, para os meus ouvidos e para a minha alma. Porque cada vez mais o barroco me aproxima da eternidade. Regresso às origens? Rameau – revelação. Bach pai e filho e Hayden - o Adágio enlevou-me.
Mas para além disso novamente a coincidência de encontrar, por acaso e ao meu lado uma amiga, pedaço de passado (daquele que constrói ainda, todos os dias o presente) que eu prometera a mim mesma revisitar em breve. O destino constrói história.

Sunday, October 29, 2006

Amador

Dizia hoje de manhã Olga Pratz, que adorava bandas filarmónicas. Nas bandas filarmónicas os músicos são amadores. Amador- aquele que ama e porque ama, toca, ensaia, leva para casa o instrumento porque precisa dele, porque o ama, faz parte da sua vida.
Os músicos profissionais, ensaiam, limpam os instrumentos, guardam-nos na caixa e deixam-nos ficar no local de ensaio. No dia seguinte voltarão para ensaiar e abrirão a caixa donde tiram o instrumento.
Talvez não seja totalmente assim. Talvez não seja sempre assim. Não é sempre assim, mas também é.
Interessante o conceito de amador, aproximação do conceito ao modo, a dissociação do conceito do modo, quando o conceito se torna abstracto para simplesmente nos dizer que se é amador – não profissional.

Wednesday, October 25, 2006

e porque havia de ver televisão?

“Não, não vejo televisão! E porque havia de ver televisão?”
Simplesmente porque Alberto Pimenta estava lá…mas só dei conta quando um telefonema de L. me alertou e perguntou “ Quem é este que está no canal 1?” Mudei apressadamente de qualquer canal em que o ecrã se tinha fixado há horas e reconheci Alberto Pimenta, para ouvir dez minutos de conversa fluida e interessante, em que se falou da arte- excesso, do corpo e do espírito, da dificuldade em perceber espírito através da beleza do corpo, de delatores, de história … de ser português.
Uma boa razão para ter visto a televisão que não vejo. Uma boa resposta à pergunta que inicia o “post” e que o próprio fazia no final do programa em reprodução de há talvez vinte anos.
Aqueles que farei de Mãe na próxima quinta-feira.

Saturday, October 21, 2006

Volver- Pedro Almodôvar


Um pequeno comentário sobre “ Volver”. O universo feminino lido com um olhar terno e engrandecedor. Para Almodôvar as mulheres são o máximo, as mulheres são mães, Mãe – acolhedora, confidente, cúmplice, amiga, aquela na cama de quem se dorme, com quem se tem conversas intermináveis, ainda que desfasadas no tempo. A mulher ultrapassa a mentira e desdobra-se no seu mundo, que os homens olham de fora, sempre prontos a violar: intimidade e corpo. Mas nunca penetram nesse mundo de cumplicidade e ternura. Quando um homem entra perturba sem transformar, gera o erro, rupturas e traições só reparáveis com o amor, com o voltar, volver. Irene volta para pedir desculpa a Raimunda; Raimunda encobre o assassínio revivendo o passado no presente cúmplice com Paula; Irene pede desculpa à mãe de Agustina acompanhando esta na morte.
E tudo isto, no mais leve e humorístico desencadear de cenas tétricas que nos encantam pelo meio de risos e sorrisos.
É este o nosso universo?
Também é este, à sobra da poderosa Anna Magnani.

Friday, October 20, 2006

recursos

"Às vezes ela não parecia a mesma, sir - disse Cade. - Dizia-me: "Cade, eu já ultrapassei o amor, agora odeio toda a gente, até o meu próprio filho." Eu temia pela sua razão.
(...)
O fim da morte é o princípio do sexo e vice-versa. Filhos são brinquedos abstractos, representações de amor, modelos de tempo, um recurso contra o não-ser"

Durrell, Lawrence; Constance ou práticas solitárias, Pág. 373/374; Difel

A honestidade mental que iludimos dos mais variados modos, auto elogiando-nos. Mas só ela nos permite olhar com desapego a vida - como se mais não fossemos que uma erva, uma pedra, uma gota de água... um recurso para apenas ser.

Wednesday, October 18, 2006

metas e utopia

Hoje vou dormir como um anjo. Um anjo sonhador porque …
Às vezes conseguimos atingir um sonho. Depois resta-nos sonhar com esse sonho até ao momento dele se realizar. E vai mesmo realizar-se.
Digo e penso muitas vezes que a nossa insatisfação decorre da efabulação sobre actos quiméricos e irrealizáveis. Quanto mais longe/alto pomos os objectivos, se não os entendemos como utopia, como motor de vida, mas como factos alcançáveis, quando esbarramos na impossibilidade, sofremos. Por isso, tenho para mim, que utopia é utopia, sempre longe, sempre paraíso, e metas passos intermédios que me dão a certeza de que essa utopia é irrealizável, mas que vale a pena lutar por ela. As metas, quando as atingimos, trazem bocadinhos de utopia ao nosso dia-a-dia. As metas são as parcelas de utopia que realizamos e que dão sentido ao percurso sempre ascendente da vida.
Para que não pareça totalmente abstracto: ouvi uma entrevista de manhã que me prendeu dentro do automóvel 45 minutos, parada, à espera que acabasse.
...e consegui bilhetes para o concerto do ano!!!

Tuesday, October 17, 2006

Miranda July & Me and You and Everyone You Love


Encaro Miranda July como a Laurie Anderson dos nossos tempos: em muitos lados com muitas ideias, com muitos projectos, com muita doçura. E Miranda é a nossa Laurie Anderson, a da minha geração. É contadora de estória, é poetisa nas estórias.
Me and You and Everyone We Know é uma pérola. Uma pérola pequenina para guardar num bolsinho e lembrá-la todos os dias. E é uma pérola cheia de pérolas. A pérola do peixe, a pérola do quarteirão, a pérola das lagartas e dos passarinhos. E a pérola do quadro na árvore, a pérola do quadro na árvore.
A densidade, a música, a fotografia.
O melhor filme que vi nos último anos. De chorar. Trailer aqui.

Sunday, October 15, 2006

Muhammad Yunus

A propósito do Prémio Nobel da paz dado a Muhammade Yunus reedito um post de Março.

A propósito de uma outra maneira de encarar a construção da paz, próxima da sabedoria popular " Em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão". A paz dos ricos distingue os fazedores da guerra, a paz dos pobres começa quando se acredita na capacidade de eles mudarem os seus próprios destinos dando-lhes meios para viver... e não há paz enquanto houver pobres.

"Hoje estive numa sessão de esclarecimento da Associação Nacional de Direito ao Crédito realizada no âmbito da implementação de um dos projectos escolhidos pela Agenda 21 Local.

Empolgo-me com estas coisas e acredito. Acredito no micro, acredito nos idealistas e sonhadores, acredito na bondade das pessoas! Quanto mais micro, mais acredito.

Dói-me no entanto perceber que este não é um sentimento geral, nem sequer maioritário e ainda nem sequer de uma significativa minoria.

Mas se eu, que nasci do lado bom do mundo, sinto tantas dificuldades para tornar real um projecto, porque não acreditar que a bondade das ideias não depende da dimensão material de um projecto, mas antes das redes de solidariedade que se criam? Pouco importa que o máximo de crédito possível seja € 5000. O relevante é haver uma instituição que garanta a quem precisa dos €5000 o direito a que lhos emprestem. Esse empréstimo implica responsabilidade e confiança, provavelmente o que não é exigível a quem precisa de muitos €5000 para investir ( ou enterrar) em empresas tidas como fundamentais para a recuperação da nossa economia… e que depois, porque se perspectivam à escala global, deixam centenas ou mesmo milhares de trabalhadores ( dependentes) no desemprego.

É tudo uma questão de atitude, para mim, de valores. E poderão estar certos, não sou eu profeta que o digo, que economia social e que valores como os da coesão, são os únicos que nos podem salvar …ou por cegueira, perder-nos definitivamente."

Friday, October 13, 2006

ligação

Chamo a atenção para o http://poesiailimitada.blogspot.com/. Ao percorrer o site, com os olhos e o coração, identifiquei-me e perdi-me, sobretudo com Adam Zagajewski.

Thursday, October 12, 2006

quarta-feira 11

Este é hoje um espaço precioso. Que procurei quando cheguei e a que agora volto para…

Hoje é um daqueles dias em que procurarei poesia pelas piores razões.

Arranjarei justificações psicossomáticas para as minhas dores de cabeça.

Encontrarei justificação para subir e recolher ao vale dos lençóis com o meu livro de ocasião. Cedo, bem cedo contra o costume. E serão milhentos os pensamentos que cruzarão a minha pretendida leitura e o meu tranquilo sono.

Porquê quarta-feira 11 e não sexta-feira 13?

Quero crer que a tal sexta-feira será em alta.

Wednesday, October 11, 2006

livros

Dantes, lia livros metodicamente. Seleccionava-os conforme os gostos do momento, mas lia-os sempre até ao fim. A não ser aquelas “pedras” que por mais que se configurassem na história da literatura ou nas convenções da época, não eram de todo superáveis pela minha persistência e vontade de conhecer. Foram poucas as recusas, entre as quais conto José Saramago, em qualquer das suas versões.
A idade permite-me agora outro à vontade. Misturo livros, que leio intermitentemente, que retomo e largo, chegando quase sempre ao fim. Releio livros que me marcaram no passado, onde procuro hoje com outros olhos a seiva que outrora tanto me alimentou.
Os livros têm um lugar e um tempo. Na cama leio romances ou ensaios que nada têm a ver com a minha vida profissional. Na sala, leio livros de trabalho e jornais ou revistas genéricas ou da especialidade. Nas viagens, estudo matérias relacionadas com o que visito. Quando estou emocionalmente desperta, para o mais ou para o menos, procuro poesia. Às vezes a literatura vem ter comigo, numa imagem, numa entrevista, numa recordação. Outras, vou buscá-la deliberadamente.
Hoje, porém, fui buscar o romance do quarto para ler na sala.

Sunday, October 08, 2006

marmelada 2006


















Aqui está.
Com calma, com paz, também com Nina Simone.
Sempre saiu, como nos velhos tempos. Doce, com boa cor.
Os marmelos eram perfeitos, à custa de quê? Não sei.
Marmelada de 2006.

casa do sobreiro

Quando tudo se desenrola na certeza de que os dias se sucedem sempre.
Quando os intervalos de tempo cronológico são absorvidos pela intensidade do passado – o passado é devolvido ao presente em toda a sua plenitude, sem sobressaltos.
Porque o sobreiro permanece estático vendo passar os séculos, com os ramos estendidos sobre o jardim de verde intenso. As pedras, os musgos, o tanque, a mãe…
O tempo não passa a não ser em nós. Tanto quanto nos fecunda construindo velhos sobreiros de ramos estendidos, que num minuto, juntam séculos.

Finalmente...




...trabalho de designer e vontade de fazer este curso!

Thursday, October 05, 2006

Ainda hoje, outra vez. Dia especialmente profícuo.
A véspera de feriado é sempre boa, pela predisposição à conversa. Não há hora marcada para o dia seguinte. Não há tarefa, a não ser aquela a que me imponho por gosto – revisitar o passado. Vou a Braga - amanhã. Ver amigos antigos. Recompor pedaços que se mantiverem intactos na minha vida.

Wednesday, October 04, 2006

a propósito do fecho das urgências

Há algumas alturas da vida em que estamos especialmente débeis. Uma delas é, sem dúvida, quando esperamos do lado de cá de uma urgência de hospital notícias de alguém querido, que do outro lado se debate com a doença, a dor ou mesmo a vida. Por isso não posso aceitar, que estas situações sejam tratadas com a frieza dos números, com a eficiência economicista da boa saúde das finanças de estado. Não posso querer (crer) que tudo seja reduzido a cálculos matemáticos de rácios e distâncias e que por via deles, nos atirem para situações desumanas de mega-hospitais e urgências, onde o conforto humano e mesmo material deixa muito a desejar.

Para quando pensar que quando falamos de seres humanos não podemos apenas reduzir tudo a critérios de eficiência e eficácia? Para quando pensar, que quando falamos de vida e morte, é muito importante e eficaz acolher, ter um ombro para chorar, um espaço para sentir, para abrir a alma e deixar que os homens e os deuses (feitos homens – os nossos médicos são isso muitas vezes) dêem o seu melhor?

estrada de Sintra, desculpem da serra

Voltei pela estrada da serra, ao fim da tarde. Trazia a fruta no carro, aquela que ontem ficou por comprar... e pousei em casa. Trazia inúmeros pensamentos, gostos, amores, ilusões. Pousei no fazer do jantar, nas conversas reatadas, no trabalho... quase terminado. Ponto de situação, sempre. Ponto de situação.
Ponto- marca um momento, paragem no tempo.
Situação- Algo indefinível e mutante mesmo quando se decide fazer um ponto.
O melhor ponto de situação é um bom sono.

Tuesday, October 03, 2006

estrada da serra

Não sou Álvaro de Campos, nem percorro a estrada de Sintra.

Mas o regresso a casa, pelas 20.30 deu-me imenso gozo. A estrada sem luz, abria-se à minha frente - uma fita cinzenta iluminada pelos faróis, máximos ou médios, controlados conscientemente. Uma fita cinzenta debruada de dois traços contínuos brancos e outro, intermitente, a meio. Back a acompanhar a fita que se desdobrava ladeada pelo verde cinzento da vegetação lateral. Às vezes árvores, outras apenas ervas secas ou restos queimados dos incêndios de verão. O Outono anunciado no dia mundial da arquitectura. Ela, a arquitectura, ausente. Não era muito tarde e tudo se conjugava num início de noite calmo, sob controlo. Sob o meu controlo. Senhora da vida, da estrada, do devir, da estrada e da vida, deixando que tudo se desenrolasse na medida certa do imprevisto. Tudo o que vier será por bem. Eles, noutras paragens, dão sinais, telefonam ou não. Mas sei que estão também com o meu pensamento, no meu pensamento.

Sunday, October 01, 2006

arrumação

“Todas as coisas estão no seu lugar. Eu é que não sei onde é que elas estão.”
Padre Carvalho Correia

No mínimo, uma teoria interessante quanto à arrumação.

Thursday, September 28, 2006

sempre o tempo

O que fazemos? Porque corremos? Para onde vamos?
Somos colectivo, com os mesmos problemos do invidual. Somos suícidas porque queremos desafiar o tempo. Ele é sempre o mesmo, quer corrámos quer não. É só um, intemporal- deformado ou linear - sem príncipio nem fim a não ser na circunstância do nosso nascimento e morte.

Ora bem

Ora bem. Para ser certo, teria que trabalhar, porém não me apetece. Vim ver os comentários à minha auspiciosa marmelada e diverti-me. Uma onda descontracção apanha-me. Apetece-me não fazer nada, que significa o mesmo que fazer tudo sem programa. Conversar, ler, olhar no vazio, ajudar o Pedro a fazer os trabalhos de casa ( para ele ainda não acabaram), ouvir, ouvir, ouvir,…sem ter a obrigação ou o trabalho de articular qualquer som. Contudo a casa está em silêncio, pouco há para ouvir. Apenas o ruído da vida, dos passos, dos movimentos da escrita, do Nódoa a comer ou a dormir. Ou algumas perguntas do Pedro a que eu não sei responder. No meu tempo não se estudava se o modo de organização de um texto é por encadeamento, alternância ou encaixe. Nenhum média viola o espaço. Nenhum som…para além do desta máquina em que escrevo. Parece tarde - noite alta, mas são apenas 22 horas.
Amanhã será amanhã. Dar-me-ei à preguiça.

Tuesday, September 26, 2006

marmelada 2006


Há vinte anos que faço marmelada. Nunca fiz marmelada tão mal como este ano.
O problema está:
- Nos marmelos? Bichados, podres e poucos.
- No açúcar? Não tinha açúcar branco e fiz com açúcar amarelo.
- Na pouca atenção? Enquanto os marmelos coziam fiz o jantar e jantei.
- Na varinha mágica? Ficou toda torta com o calor.
- No tempo de cozedura? As cascas ficaram torradas.
- Nas quantidades? Pus um quilo de açúcar para um e meio de marmelos, mais do que o costume.
- Em mim? Não me apetecia fazer marmelada.
Resultado vou comprar marmelos bons, bonitos, no supermercado e vou fazer uma nova marmelada para encher as tigelas que adoro.

Björk, Desired Constellation, Canal +



ou a experiência do sublime.

Monday, September 25, 2006

A Casa e a Música

Voltei à Casa da Música, após as supostas obras de correcção acústica para ver e ouvir Chick Corea e Gary Burton. Segundo o Pedro a acústica ainda não está bem. Os meus ouvidos ainda não chegam lá. Aguardemos a visita da Cultour para testar – os meus ouvidos e a acústica da casa.
Quanto ao concerto, às 22.00 horas, depois de um sábado de trabalho, foi bom. É muito bom ouvir ao vivo e ver, ou ouvir sem ver, porque assim se quer.
Dois virtuosos, sem dúvida. Para mim, sob ponto de vista da execução, seria difícil fazer melhor, sobretudo Gary Burton. Quanto à composição, gostei de umas músicas mais e de outras menos: destaco a terceira e a última de ambas as partes.
Não foi o concerto do ano, porque aguardo expectante duas hipóteses: Steve Reich e Keith Jarret, que espero ver e absorver.

Saturday, September 23, 2006

O dia seguinte

Sempre o dia seguinte quando o presente não nos satisfaz.

Friday, September 22, 2006

pendentes

Pendente…palavra horrenda que me persegue. Feia na forma e feia no significado. Detesto pendentes, apetece-me pô-los debaixo do tapete, escondê-los ou destruí-los. Mas há registos dos pendentes e mesmo destruídos os pendentes perseguem-nos sempre: no registo, no telefone, nos olhos, nas bocas e até nos sonhos. Sou escrava dos pendentes. Tenho papéis para os lembrar no frigorífico, lembretes no telemóvel, post its colados, folhas de rascunho amachucadas, dobradas, rabiscadas. Tenho cadernos, agendas, dossiers, que organizo e desorganizo, para ver se me entendo.
Os recados são de muitos géneros: “cortinas”, “tabelas”, “trocar lâmpadas” “avisar os caçadores” “telefonar a …”, “escrever texto sobre…” “ elencar temas mais importantes”, “----r”, “d-----r”, “-a--r”, “….”.
Bem, inventemos desculpas para não ter resolver pendentes. Arranjemos maneira de passar os pendentes para outros, à boa maneira do funcionário público.
Vou dormir sobre os pendentes.

Wednesday, September 20, 2006

siadap

Ainda bem que não há maneira de medir dor, cansaço, amor, ódio, interesse, …. Ainda bem que não há maneira de medir emoções e sentimentos, senão o mundo tornava-se uma tirania. Por isso a medida é só nossa, individual e estabelece-se em função dos nossos limites. E mesmo esses às vezes não sabemos exactamente quais, porque os desafiamos todos os dias…até que quebra, ou dá simplesmente sinais de próxima ruptura.
Isto também a propósito do novo sistema de avaliação da administração pública. Não sei nada ou quase nada sobre ele, mas tenho medo. Tenho medo que a sociedade capitalista tenha sob esta forma, encontrado mais uma maneira de tiranizar as pessoas. As pessoas são um recurso, uma matéria prima, cujo o desempenho vai ser medido por parâmetros - por objectivos, uma maneira mais moderna e eufemista de dizer, por números. Seremos feitos índices, metas quantificadas e tornados cobaias. Quem melhor desempenho terá, será quem, na média, responder melhor a tudo, como se na média estivesse a virtude e na média se fizesse a diferença. Porque não se mede paixão, temos que andar atrás da visão e da missão para estabelecer os tais objectivos que seremos obrigados a atingir e a partir dos quais seremos traduzidos em números.
E depois venham falar de inteligência emocional, de envolvimento, de relações humanas… e “chorar no trabalho e por causa dele, dá perda de pontos”, como comentávamos ao almoço?
Convido-os a ler os comentários do meu post de ontem que são soberbos.

Tuesday, September 19, 2006

Prós e Contras

Acerca de as instituições, públicas e privadas, que passam por dificuldades por causa desta nova ideia “escola a tempo inteiro" , a Ministra da Educação responde:

“Mas, ó senhor professor, quer que eu seja também ministra dos atl's?”


Estou realmente a divertir-me, com esta discussão. Será que vou dormir mais de 7 horas hoje?

a tempestade....

…continua a tempestade. Morro de sono e de cansaço febril. Convoquem-me, levem-me, tirem-me daqui, nem que seja por um momento, uma gargalhada, um tema,…
Este parece ser o único lugar de desabafo e… mesmo assim, ainda vou trabalhar. Pergunto: o que faço da minha vida? Vale a pena?
Comentem por favor, porque esta é também uma maneira de me convocarem.

Monday, September 18, 2006

porque gosto deste poema?

Manhã

A nossa noite ontem à tarde
foi a manhã porque esperávamos

David Mourão Ferreira

Sunday, September 17, 2006

Capacidade e benefício

O caminho da vida é o caminho que nos conduz à solidão. Aqui entendida como a capacidade e o beneficio de estarmos sós. Capacidade, porque para muitos de nós, é uma qualidade que se conquista. Benefício, porque quando conquistada se torna realmente uma benesse. Deste estado não se exclui, porém, a metódica necessidade de confrontar com outros o nosso corpo e o nosso espírito. Porque esse nirvana da reclusão escolhida será ainda, talvez, o passo seguinte. Por isso, quem pensa e não tem medo de encetar viagens, conclui que este é um estado necessário e visceral, etapa próxima e obrigatória para quem começa do lado contrário - o ninho da família natural e opcional.

É cada vez mais assim. Somos sempre mais unos e íntegros, integrais, quando capazes de desmontar por peças os nossos sentimentos, tornando-os compreensíveis para nós próprios – então podemos sublevá-los em virtude. Somos cada vez mais universais e desprendidos, quando entendemos o que diz David Mourão Ferreira: “ Fica onde estás, ó meu passado,/e não ensombres o presente!/ Mas de tão mísero e humilhado/ torno-me quase transparente/ - quase alado!” Capacidade e benefício.

Saturday, September 16, 2006

a tempestade continua

A tempestade continua.
Duas pausas a pontuaram.
A primeira: uma entrevista de Gonçalo M. Tavares na 2, que me prendeu, imóvel dentro do carro, às 19.45horas, junto à porta da Escola Secundária. Deliberadamente não saí (para continuar tarefas maternais) e aguardei calmamente o seu fim.
A segunda: um filme na Gallery, que manipulamos para ver desde o início às 22 horas. A casa completamente desarrumada, as compras nos sacos, jantar – não houve, porque as duas mulheres livres e adultas, decidiram que assim fosse. Decidiram parar o tempo, atrasar o programa televisivo para se deleitarem com bonitas imagens e palavras e… com uma história de mulheres, com Merryl Streep à cabeça.
Pura terapia para iniciar um fim-de-semana que se antevê de muito trabalho.

Friday, September 15, 2006

tempestade

Fui apanhada por uma tempestade de trabalho avassaladora. O pior é que eu gosto muito de trabalhar. O que mais me custa é deixar de controlar as tarefas domésticas…e perceber que os meus dois passarinhos estão “famintos” à minha espera. Ficção? Eles estão bem dispostos e amorosos.
Vou sair novamente. E ainda vou falar francês. Vale-me ter feito um bom jantar do qual se destaca um esparregado “supimpa”.
Peço um poema. Eu não vou ter tempo de o procurar. Um ou mais, serão bem vindos.

Wednesday, September 13, 2006

conversas

Dizia a Joana: “ Já deixavas de fazer posts sobre a Grécia…”.
Decisão quase impossível quando ainda sonho com os deuses.
Mas possível. A Grécia sobreviverá e revelar-se-á ao longo de muito tempo, em muitos posts e em muitos pedaços de vida, daquela que recomeçou espessa. Por isso deixarei de explicitamente falar sobre a Grécia.
Tenho vários tipos de conversas que me sustentam: as que me são exteriores, sociais ou como se diria noutras épocas, de salão; as que são puramente mentais, que pratico como um exercício de matemática, só mente e especulação (que me excitam e elevam) e nada têm de material; as que pratico como um jogo interactivo, que puxam pontas, que ficam suspensas à espera de alguém que as agarre; e as que me envolvem totalmente, me deixam frágil, em que confidencio e exponho toda a minha pessoa– viscerais. Todas me são essenciais e todas me definem. Em todas me realizo. As últimas, as mais difíceis e mais raras, funcionam como terapia: são a memória freudiana perdida e relevada. Porque também fui aprendendo o logro da psicanálise. Mas às vezes fazem-me muita falta, para me compreender e para, a partir da consciência negativa, me valorizar. Não são muitos os espaços em que podem acontecer, porque só podem ser concebidas num lugar de amor incondicional, tão longe das nossas práticas sociais.

Monday, September 11, 2006

para trás, no tempo

O nosso percurso por território grego andou para trás na história.
Iniciou-se na Acrópole de Atenas. No período clássico. Lá, onde Péricles congregou vontades para demonstrar o poder da cultura grega. Onde o homem foi exaltado na sua maior dimensão até tocar os deuses, para celebrar os deuses. Athena- deusa da sabedoria, filha de Zeus. O Parthénon em celebração de Athena, iniciado em 447 e terminado em 432 a. C. concebido por Ictinos e Calicrates. Mas também o Erecthion, onde se localizam as Cariátides, os Propileus e o templo de Athena Niké ( que não vimos porque estava desmontado).
Delfos. Santuário em honra de Apolo ( séc. IV a. C.). Apolo, filho de Zeus e de Leto e irmão de Artemis. Delfos, na encosta da montanha, edificada no lugar onde duas águias lançadas, por Zeus, de cantos opostos do mundo, se cruzaram indicando o centro da terra. Lugar de culto onde Apolo falava pela boca de uma pitonisa, sempre uma mulher.
Lugar de cultura do corpo e do espírito. Delfos possui um magnífico estádio e um teatro.
Epidauro. A celebração do teatro grego. Activo desde o século IV ao século II a.C. Foi desenhado por Polycleitos e completado pelos romanos. Ainda hoje é lugar de espectáculo.
Micenas. Construída pelos Aqueus na península do Peloponeso. Cidade de Agamémnon, que foi vingar o irmão a Tróia, resgatando a bela Helena. O tesouro de Atreu, pai de Agamémnon, monumento tumular perfeito e único.
Cnossos (séc. XVII a.C) Rei Minos, cultura Minóica. Na colina sobre a paisagem. Muitos ruídos do século XX perturbam a sua leitura. No exterior, um pátio com escadas, usado espectáculos, fixou-nos no passado e pousou sobre nós a beatitude da história. Um palácio feito para o bem estar do homem e não para celebrar os deuses.
Phaistos ( séc. XVII a.C.) na costa sul de Creta, destruído por uma onda gigante, esplendoroso, como Cnossos, menos submetido a conceitos de recuperação destrutivos.
A arte Cicládica e Minóica, no Museu de Iraklio. A revelação esplendorosa de uma civilização quase desconhecida. Desde o séc. XX até ao século XV a.C. Não fazemos hoje melhor. Uma arte ligada à terra e ao homem, uma cultura em que a mulher tinha um papel preponderante e activo. Uma arte ligada à vida, mais que à morte.
Fechamos, sem saber com chave de ouro.
Queremos saber mais, dar um passo atrás na história e ir à cultura cicládica. Absorver a deusa mãe, hino à fecundidade.
(Fotografias, não há, pelo menos por enquanto. Prometo render-me às virtudes do tempo moderno e comprar uma máquina digital.)

Sunday, September 10, 2006

história da Grécia

Datam de 200 000 AC os primeiros vestígios humanos no território da actual Grécia.
3200AC – início de culturas em Creta e nas cidades do continente
2000AC – início dos primeiros palácios em Creta – Civilização Minóica
1600AC – Apogeu da Civilização Micénica
1450AC – Micenas conquista Knossos
1200AC – Declínio da cultura Micénica
1100AC – O mundo grego, constituído por diversos grupos expande-se pelo sul da Europa, norte de África e golfo pérsico.
776AC – Data dos primeiros Jogos Olímpicos
750/700 AC– Homero escreve a Íliada e a Odisseia
675 AC – Licurgo reforma Esparta
546AC – Os presas submetem os gregos da Jónia. Atenas desenvolve-se sob seu domínio
479AC – Os persas são derrotados pelos atenienses, espartanos e aliados
478 AC – Formação da Liga Délia e início da liderança de Atenas
451/429 – Péricles inicia a reconstrução de Atenas
431/404 AC – Guerras do Peloponeso – início do domínio espartano
371AC – Tebas derrota Esparta – início do domínio de Tebas
338AC – Os gregos são derrotados por Filipe II da Macedónia
331 AC – Alexandre o Grande funda a Alexandria após a conquista do Egipto e estende o império para oriente até à Índia
197 AC – Os romanos derrotam Filipe V da Macedónia
85 AC – Atenas é tomada pelos romanos
124/13 AC – O imperador Adriano lança um programa de reconstrução da Grécia
395 AC – Com a morte de Teodósio I e a divisão do Império Romano a Grécia fica sob o domínio do império romano do oriente. É invadida sucessivamente por ávaros, eslavos e búlgaros (no norte).
1204 DC- O império bizantino dissolve-se e é ocupado por francos e venezianos
1389 DC- Os venezianos ocupam quase toda a Grécia incluindo as ilhas
1453 DC– Queda do império romano do oriente
1456 – Os turcos otomanos ocupam Atenas e sucessivamente outros territórios gregos. Sucedem-se lutas entre venezianos e turcos.
1821 – É pela primeira vez içada a bandeira da independência grega após a derrota dos turcos. A capital é Náfplio. Em 1834 a capital passa a ser Atenas.
A Grécia entra na primeira grande guerra e é forçada a entrar na segunda após a invasão do seu território por tropas italianas.
O território grego não é contudo estável. Sucedem-se guerras com a Turquia pelo domínio de alguns territórios. O Chipre torna-se independente em 1960.
1946/1949 – Guerra civil entre o governo e os comunistas
1967 – Início da ditadura após a tomada de poder por uma junta de coronéis.
1974 – Queda da Junta de Coronéis. Início do período democrático.

Pedaços de Mediterrâneo [6]

Pedaços de Mediterrâneo [5]

Pedaços de Mediterrâneo [4]

Pedaços de Mediterrâneo [3]

Pedaços de Mediterrâneo [2]

Pedaços de Mediterrâneo

Saturday, September 09, 2006

sol


Aqui em Portugal são 17.30 horas.
Está a pôr-se o sol na Grécia.
No dia 2 de Setembro o sol não se pôs na Grécia.
No dia 3 o sol pôs-se na cidade de Atenas.
No dia 4 o sol pôs-se em Itea, depois de Delfos.
No dia 5 o sol pôs-se em Micenas, por trás do Tesouro de Atreu.
No dia 6 o sol pôs-se Knossos na ilha de Creta.
No dia 7 o sol, em Kommos, pôs-se repetidamente entre as ondas do mar e deu lugar a um eclipse parcial da lua.
No dia 8 o sol pôs-se no ar.
No dia 8, à noite, a lua iluminou a acrópole em Atenas.

Saturday, September 02, 2006

ouras férias

Acabei de fechar a mesa redonda.
Amanhã partiremos rumo à Grécia. Se conseguirmos continuaremos a actualizar o blog.
Estejam atentos.

Thursday, August 31, 2006

mesa redonda

Se outra vantagem não teve, o nosso fim de tarde de domingo passado, pelo menos o de trazer a mesa redonda para o pátio, não será de subestimar. Esta mesa, que compramos há vinte e dois anos, para a cozinha da casa em Rio Tinto, está agora reduzida ao papel de apoio no verão, ou nalguma festa familiar. Se este começa mais cedo, por alguma razão especial, vem mais cedo para o pátio. Porém este ano só no domingo teve privilégio de deixar o seu lugar. Desde domingo, todos os jantares foram no pátio e proporcionaram uns belíssimos convívios familiares. Conversas e silêncios ao crepúsculo ou pela noite. Tem sido bom. Uma peça importante no puzzle das férias.
Mas decerto que o nosso fim de tarde de domingo teve outros encantos e outras vantagens, pelo menos para mim e espero que para os outros.
É mesmo assim. Estamos no mesmo barco. Afrontamos tempestades e precisamos de tempos de bonança. A vida é mesmo uma viagem que não tem necessariamente que ser má, nem terminar mal. Tudo depende da nossa atitude, da maneira como nos soubermos dar, como soubermos amar e ser amados. Bem hajam!

Os segundos andamentos

Os segundos andamentos. São sempre, ou quase sempre, estes que me tocam mais. Por serem mais lentos, introspectivos, nostálgicos, talvez.
Estávamos sentados no pátio a conversar sobre a vida. Também de trabalho, o nosso trabalho feito vida. Paixão, tensão, reconhecimento, compensação. Todos os dias uma luta. Sempre a necessidade de não perder de vista os objectivos, de estabelecer uma fasquia, um limiar de conduta. São tantas as vezes que me vem à memória uma crónica do Pitum no Jornal dos Arquitectos, que só uma vez li, mas que me sustenta, na qual o “arquitecto municipal” acaba dobrado e disforme, por falta de coluna vertebral, tantas foram as cedências que fez ao poder ou aos poderes. Gostaria de a recuperar para a colocar nalgumas das salas de trabalho dos meus companheiros e na minha. É difícil este equilíbrio. É difícil para quem gosta de fazer e de ver feito. Para quem quando olha as imagens que nos cercam, as atitudes das pessoas, quando ouve os sons que nos envolvem, quando percebe as modas e os estilos dominantes, entende que o seu próprio mundo é muito limitado (aqui empregue enquanto quantidade e extensão). É limitado, mas existe, num pátio ao princípio da noite, com um filho de fones nos ouvidos a jogar um jogo sobre a II grande guerra, uma filha quente no seu mundo, longe fisicamente, um companheiro de palavra e de vida... e o segundo andamento do Concerto n.º2 para piano de Rackmanifof por fundo. Recomendo-o vivamente.

as férias assim

O lento passar do tempo. Um tempo fecundo feito de nada. Apenas do seu lento passar. Com leituras, conforme o apetite ou a lembrança, que se procuram em livros não lidos ou reabertos. Como já devem ter percebido estou novamente rendida a Durrell, ao Quinteto de Avinhão. Devoro o terceiro volume “Constance ou Práticas solitárias”, na altura da primeira leitura o que mais me encantou. Porque também esta leitura não tem tempo e discorre por fios múltiplos, que se separam e juntam nas personagens e em nós mesmos.
Constante, começa no fim do Verão com o início da segunda grande guerra. Em Constance o tempo também discorre, por entre a época das colheitas, o sol quente, as primeiras chuvas, o vento mistral. Mistura o oriente próximo, o Egipto, e Inglaterra. Tem como cenário França e ….
As férias são isto. Deixar as eternas tarefas por fazer, para fazer depois. Misturar e conter.

Tuesday, August 29, 2006

Ravel

Quando tomava o pequeno-almoço, só, numa casa da gente de férias, fui surpreendida com a Pavana para uma Infanta Defunta de Ravel em versão para trompa.
Às vezes não sei se a música me faz bem ou mal. Senti-me perdida, ou presa dentro da manhã “Como um fruto que mostra/Aberto pelo meio/A frescura do centro”, onde a música escorria lenta e redonda, abrindo-me as portas do paraíso.
Ainda guardo no corpo os seus efeitos e devo talvez procurar respirar três vezes por minuto para, incorporando-a, dela recolher a sua dádiva.

Era noite...

“(…) Era tarde quando finalmente desejaram boas-noites uns aos outros, e mesmo então, com um luar tão bonito lá fora parecia uma pena ir para a cama; portanto, ele desceu até ao tanque e tomou um banho silencioso e gelado, deixando as asas bracejantes da água passarem por ele como chuva. Cerrando os olhos, ele tinha a impressão de ver o preto magnetismo da luz negra que irradiava da terra, quer no meio dessas árvores e vinhedos quer das garrigues escalvadas e pedregosas ou das colinas arenosas com os seus vales xistosos a desagregarem-se. No meio desses errantes dormitórios de cacos, Van Gogh tinha procurado o demónio do seu negro sol do meio-dia – e encontrara-o na loucura. Só quando uma pessoa lá se encontrava conseguia compreender até que ponto a obra do pintor era uma expressão fiel daquela terra. Ele começava a compreender a diferença entre as duas artes, a pintura e a literatura.
A pintura persuade estimulando a mente e o nervo óptico simultaneamente, ao passo que as palavras implicam, significam qualquer coisa mesmo aproximada e são influenciadas pelo seu valor associativo. O encanto que exercem visa dominar as coisas – são os instrumentos de Merlin e de Fausto. A pintura é desprovida deste tipo de perfídia – é a celebração inocente das coisas, procurando apenas inspirar e não coagir. (…)"

Durrell, Lawrence; "Lívia ou O Enterrado Vivo"; Difel; pág. 236

Saturday, August 26, 2006

Assim é a manhã

Manhã

Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro

Sophia de Mello Breyner
Livro Sexto

Thursday, August 24, 2006

Vila do Conde


Hoje de manhã a Sílvia perguntou-me “ Madrinha, vamos onde?” Instintivamente respondi como é hábito “ A Vila do Conde.” Depois pensei no que respondi e interroguei-me “…e se fossemos?”. Fomos. O Pedro moeu-me a cabeça, como sempre: “… e o que vamos fazer? E o que tem?” Respondia: “Vamos passear. Vamos ver.” “Ver o quê?” voltava ele a perguntar. Depois veio a lição de moral: “És sempre o mesmo. Não gostas de experimentar. Se não sabes o que te espera, não arriscas. Ainda vais acabar por passar férias, todos os anos, na mesma casa, no Algarve.”
Paramos na marginal de Vila do Conde, a tal que criticam muito por ser cinzenta. Gostamos. Todos. O pavimento corrido e escuro, pontuado pelas caldeiras das árvores e as guias em granito, os pittosporum ainda imberbes, os balizadores (os únicos bonitos que até hoje vi), as rendas de canas que desenham as dunas, os pescadores, a capela da Sr.ª da Guia, o forte, fizeram-me mudar de opinião quanto à habilidade de Siza Vieira para desenhar espaços públicos. Custa-me a admitir que seja difícil de entender, como me custa a admitir que pudesse ser de outra maneira. É generoso, largo, enche o olhar que se espraia para se fixar num qualquer ponto do horizonte real ou imaginário. Provavelmente as pessoas de hoje são mais como o Pedro antes da experiência: gostam que as conduzam, que as explorem, que induzam consumo e comportamentos. Sentem-se inseguras em cenários diferentes do habitual. A diferença está em que o Pedro perante o imprevisto usufrui, dá-se e reconsidera, os outros, sentem-se desconfortáveis e morrem na praia.

Sunday, August 20, 2006

convite

Aquele que dissemos que íamos fazer e ainda não fizemos.
Aquele que paira, promessa de uma festa do Conta-mina.
Para os amigos e leitores, informal e (quase) espontâneo.

Será:
Dia 27, lá para o meio da tarde. Porque é domingo. Aquele fim de dia morno, quando a semana de trabalho começa a estar presente e não apetece fazer nada. A festa será para isso – para não fazer nada, simplesmente estar.
Em lugar acolhedor, informal, aberto, sem preconceitos…a todos os que vierem por bem. Esperemos que não chova.
Aguardo que a minha designer para o formalize.
Podem trazer as famílias, porque aqui há espaço e há miúdos.
Por questões logísticas, pedimos para confirmarem quantos vêm para mconceicaoster@gmail.com.

Friday, August 18, 2006

Contrabaixo


Talvez sim. Talvez este seja o último reduto.
O contrabaixo. A base da música. O que sem estar presente evidencia. Dá corpo, permite… que os outros instrumentos sejam música. Aquela que os ouvidos analfabetos ouvem. Aprender a ouvir o contrabaixo. Ouves? Faço um esforço para…só ouvir o contrabaixo. Ouço.
O contrabaixo… na vida é, são… os ruídos, o pano de fundo, o receptáculo, a casa, a família, a música, o “nódoa”, tudo o que permite…
a exaltação da minha solidão.

Thursday, August 17, 2006

festa na aldeia

O dia amanheceu frio e chuvoso. Um dia de outono, no verão. Uma vontade de outono que sucede ao pico, quente e intenso de verão. Pós- festa, para mim.
Ouve-se lá fora o silêncio, contrastante, com o bulício quente de dois dias antes. Era a festa da aldeia. Os conjuntos e os foguetes. Saudades das bandas (por acaso a que ia na procissão da festa na aldeia, até nem tocava mal e levou-me, por escassos minutos, na nostalgia do tempo!)
Festa na aldeia. Na cidade da Maia, permanece a aldeia, no seu pior. O atraso, os rostos pobres, sofridos, subdesenvolvidos, a marca do tempo. Não do tempo biológico ou meteorológico. Não a curtição da vida do campo. Apenas a pobreza, de espírito, de ideias, de conteúdo, de pensamento. Todos os anos a reedição para pior, da procissão, do padre, do presidente da Assembleia Municipal, dos foguetes, dos tapetes de verdes. A Nossa Senhora da Assunção, da Caridade, das Dores, com meninos de plástico nas mãos e óculos seguros por elásticos. Os anjinhos sem asas, perdidos sob o cheiro podre da relva cortada que desenhava o tapete. Relva em vez de feno. Desenhos modelados em vez dos verdes postos aleatoriamente. Ainda algumas colchas de damasco nas varandas.
Ao lado a mediocridade áurea, conceito romano, que descreve a velhice, tão contrário ao dos gregos em que a idade é a porta de entrada para o respeito e sinónimo de sabedoria. É assim por cá. Só que a mediocridade não é só áurea, mas também argêntea ou neófita. Aqui mais que em Roma, alastrou a todas as idades e fases da vida.
Por isso conta-minar com o vírus da inquietação e do sonho, faz todo o sentido.

Monday, August 14, 2006

fazer

“ Era como uma ebulição cega que só se descarregaria numa insónia ou numa dessas súbitas disposições para as lágrimas quando alguma grande música o comovia, ou era trespassado pela visão súbita de um campo sazonado. Para outros bastava-lhes simplesmente o prazer que estas vagas sugestões de beatitude, estas percepções da beleza lhes causavam em si mesmas. Mas ele provinha dessa obstinada e desequilibrada tribo que ansiava por fazer qualquer coisa com elas – por compreende-las e recriá-las numa forma menos lancinantemente transitória que aquela que a realidade outorgava. Que havia de fazer? Era esse sempre o seu pensamento, e ele atormentava-se intimamente com a noção de que não havia nada, que não podia fazer nada, que não havia nada a fazer.”
Durrell, Lawrence; Lívia ou o Enterrado Vivo; Difel; pág 152

Hoje de manhã quando ouvia Schumann e depois Brahms, pensava na vida densa, de loucura e sofrimento, que aqueles que hoje são capazes de nos comover, tiveram. Eles são desta “tribo” e conseguiram transformar a ebulição cega, compreendendo-a e recriando-a até à porta de entrada para a nossa comoção.
Que hei-de eu fazer, eu que também pertenço a essa tribo? Nada, não há nada a fazer…talvez apenas aquietar-me para simplesmente absorver o prazer.

Friday, August 11, 2006

TDF

Há outras tensões…esta é a tensão pré-férias. O tempo a correr, os programas pós-férias a comprometerem-nas mesmo antes delas chegarem. Programar muito bem os cinco dias que faltam, tentações de adiar o seu início mais uns dias, para que possa finalmente gozar a casa sem tempo… e programar uma viagem de sonho de uma semana…fora do tempo e do lugar. E ainda uma festa pelo meio com trabalhos de casa que me são atribuídos.
Mas Agosto é um mês difícil. Se por um lado se trabalha melhor, porque tudo está mais calmo, por outro quando precisamos de alguém ouvimos “ Está de férias, só volta dia …” e depois outro “ Está de férias só volta dia …”. Programar com as férias dos outros e com as nossas á ainda mais difícil.
Hoje está tudo muito negro, apenas me aquece o calor, o céu, o sol, e o amor (d)na Grécia.

Primavera
“ Na Primavera, os marmeleiros
da Cidónia, regados pelas correntes
dos rios, lá onde das Virgens
está o puro jardim; e os pâmpanos
a crescerem sob folhagens sombrias,
rebentos de vinha. Mas para mim o amor
não descansa em nenhuma estação;
ardendo sob o relâmpago
como o Bóreas da Trácia,
lança-se de junto de Cípris com sedentas
insânias, tenebroso, desavergonhado,
e com força, de cima para baixo, sacode
o meu espírito.”

Íbico, in Poesia Grega; organização, tradução e notas Frederico Lourenço; Cotovia; 2006

Wednesday, August 09, 2006

pnpot

Acabei de ler o PNPOT. Fiz um esforço enorme para ser crítica e produzir um documento para a participação da Câmara Municipal. É sempre difícil, deste lado, de quem sofre as directivas do governo, do legislador, do especialista; e de quem enfrenta o cidadão inculto, egoísta, preconceituoso: dizer alguma coisa com lógica. Aqui não temos tempo para pensar, apenas para reagir. Emotivamente ou mais defensivamente (vantagem da idade e da experiência) com uma ligeira “dor de cotovelo” , por não poder estar do outro lado – de quem dita as leis, ou de quem as critica. Por isso ler o Programa Nacional para a Política do Ordenamento do Território foi, um prazer e um suplício. Se está bem feito? Teria que estar, tantas são “as cabeças” a pensar…mas há sempre uma outra “cabeça” mais esclarecida para criticar, encontrar, mil e um defeitos (mas criticar é bom, desenvolve-nos filosoficamente). Se tem uma Visão (oh! conceito moderno) credível? Claro que tem, um Portugal competitivo construído sobre um ambiente sustentável (conceito um pouco menos moderno) e solidário ( conceito igualmente moderno). Se apresenta soluções? Claro que apresenta, centenas de medidas, inventadas para o Portugal do Futuro (onde é que já li isto?). Se vamos dar-lhe uso? Claro que…
Não sabemos. Tudo depende de, e de, e de ….
O conta-mina serve também para fazer este comentário que obviamente não vou mandar para o site www.territorioportugal.pt/
Ainda bem que tenho muitas outras coisas que me motivam e consubstanciam a minha veia pró-activa, às vezes quase hiper-activa…senão não aguentaria a nostalgia e a frustração de não ser “ um rato de biblioteca”…

Monday, August 07, 2006

1 ano




(atrasado, mas...)

Sunday, August 06, 2006

porque gosto do verão

Ontem, no aniversário do conta-mina, de que só me lembrei à noite, fomos à praia.
Estive sentada num rochedo liso com o Pedro e depois com a Joana, que chegou entretanto, quase uma hora. O mar estava azul. Observamos uma lancha que trazia um mergulhador. Outro, perto, permaneceu dentro de água todo o tempo. Viam-se pequenos barcos parados ao fundo sobre a linha do horizonte. Lá no fundo, outra linha ligeiramente ondulada marcava uma sombra. Perguntei ao Pedro “Será uma nuvem?”. Ele respondeu “É o Brasil.” A conversa lenta e serena intensificou a paz do meio-dia onde as ondas incansáveis marcavam o ritmo repetitivo da alma, que se espraiou até ao Brasil. O sol cristalizou o sal na nossa pele que ficou esticada e seca. Regressamos lentamente pela areia grossa. Os dois, agarrados a mim diziam “ Tu és o José Azevedo, tens que marcar o ritmo” enquanto se queixavam que a areia lhes magoava os pés.

Friday, August 04, 2006

nome precisa-se

Preciso urgentemente de um nome para a Fundação que irá gerir o projecto da Fábrica do Teles. A Fundação para além de se dedicar à criação e desenvolvimento do projecto da incubadora de empresas de base tecnológica e ao desenvolvimento do parque tecnológico, fomentará actividades culturais, recreativas e de lazer. Por isso o nome não deve centrar-se apenas na perspectiva do desenvolvimento tecnológico e científico. Inovar, crescer, sustentabilidade, ambiente, qualidade, ciência, mecenato, apoio às artes e ao conhecimento, comunicação, futuro,...
Reunir todas estas ideias numa personagem, num conceito, numa expressão, mas não numa sigla mais ou menos abstracta constituida por iniciais. É difícil, mas era bom que a encontrassemos... no máximo até segunda feira.

Wednesday, August 02, 2006

Herberto Helder


Quando regressava a casa, a Antena 2 presenteou-me com Herberto Hélder, comentado por Gastão Cruz e por José Tolentino de Mendonça. Mais do que isso, pelo próprio, dito por ele mesmo, novamente. Há cerca de meio ano ouvi-o também, noutra viagem de regresso a casa, ao meio-dia de domingo. Fiquei então fascinada e registei-o neste blog. Hoje também. Já procurei o CD destes registos, mas não o encontrei. É imprescindível que o encontre. Preciso dele para aqueles momentos escolhidos, tanto como preciso de ser surpreendida por ele. O poema que ouvi era de “A colher na boca” livro de 1961 e escolhido por Gastão Cruz. A sua voz é telúrica como a poesia, contínua e integral, tão completa que nos agarra nos seus braços para sempre.